1. Vivemos numa época cheia de contradições e absurdos, que se acentuam à medida que o tempo avança. Deixando de lado questões fraturantes que substituíram a velha luta de classes, como as que dizem respeito aos géneros, tipo “todos, todas e, agora, os todes”, ou até as pessoas com útero para designar mulheres, há situações desgastantes que nos marcam o quotidiano.
Mesmo assim não são tão dramaticamente essenciais como uma Segurança Social que quer reduzir apoios a 20 mil famílias num tempo de fome agravada; a degradação do poder de compra de todas as classes; o colapso do ensino; a ausência de creches; o recrudescimento da covid; o completo caos no SNS (traduzido num inexplicável aumento da mortalidade) e o eterno problema da Justiça, que empanca quase todo o país. Há tanta coisa que não funciona, que não se resolve, que é burocratizada sobretudo no Estado. Temos fatalmente de ficar estarrecidos quando sabemos que já há 741 mil funcionários públicos (quantos em teletrabalho?), um número recorde a que temos de somar empresas do Estado e muitas corporações profissionais e supostos voluntários.
Diariamente, são-nos, no entanto, servidas soluções mirabolantes que apontam para um futuro promissor e risonho que tem o problema de nunca mais chegar. Ou seja, andamos nisto – e chamar-lhe pântano não é exagero – há seis ou sete décadas. Semanalmente, saltam as promessas de Sines como futuro polo de desenvolvimento da Europa (vem do tempo do salazarismo) e a do novo aeroporto, que é ainda mais antiga.
Enquanto aguardamos, enfrentamos galhardamente pequenas-grandes-coisas que nos afetam o quotidiano anestesiados por discursos grandiloquentes que mais parecem plágios dos que se faziam no Dia da Raça “no tempo da outra senhora”, salpicados com uns encómios à democracia e aos 200 anos da Carta Liberal. São peças oratórias de grande utilidade porque nos lembram que há séculos que nos glorificam e nos falam de amanhãs de igualdade, de fraternidade e de uma prosperidade definitiva. É verdade que podíamos estar pior e pertencemos ao clube dos ricos. Mas é porque temos a sorte de estar na Europa comunitária que nos vai rebocando.
Mais uma vez, é essa União Europeia que nos faculta um gigantesco bolo de milhares de milhões que os empresários não sabem utilizar e cuja parte substancial irá para um Estado ineficiente e impreparado. O mais certo é a história repetir-se e, a prazo, engordarmos a burocracia e aumentarmos a legião dos seus servidores. Os números da utilização da chamada bazuca são dramáticos e salta à vista que é mais uma oportunidade perdida. À pressa, o Governo tenta esticar os prazos de utilização das verbas. A bazuca mais parece uma pressão de ar de caçar pardais.
Indo em concreto aos absurdos do quotidiano, encontramos muitas questões comezinhas e inexplicáveis. Uma delas tem a ver com as regras de combate à poluição e ao desperdício de energia que se tenta combater prioritariamente pela limitação de trânsito, por exemplo, na avenida da Liberdade, em Lisboa. Para além do estrago económico que pode causar ao comércio, a medida seria ambientalmente irrelevante se fosse aplicada nos fins de semana. Se o fosse nos dias úteis, então era catástrofe económica pela certa. O curioso é que, enquanto se procura evitar a poluição e se incentiva a utilização de energias renováveis, se deixa construir em Lisboa e arredores enormes complexos em vidro que vão ter de ser aquecidos e arrefecidos com equipamentos adequados, caros e gastadores indiretos de combustíveis fósseis.
A velha alvenaria e a nossa arquitetura portuguesa adaptada ao clima, já era. Ficou-se pelos anos 50. Desde então, foi betão, tijolo à face e vidro. Outra proposta palerma, felizmente rejeitada, era baixar a velocidade em 10 Km/h em todas as vias de Lisboa. A irracionalidade é total e absoluta. Trata-se uma elucubração exibicionista do Livre de Rui Tavares. Só o gasto em mudar a sinalética dava para alimentar centenas de carenciados. É claro que, em contrapartida, dava de comer do fino ao fabricante dos sinais. Há sempre alguém que lucra com certas coisas, designadamente nas ambientais. Muitos dos seus ativistas têm óbvias e sistemáticas ligações a soluções comerciais, ainda que positivas.
Se Tavares quisesse mesmo fazer alguma coisa pelo trânsito na capital, propunha tapar os buracos, utilizar a Polícia Municipal para apoiar o cidadão; obrigava à criação dos tais transportes públicos gratuitos que Moedas prometeu; e denunciava as greves e plenários sucessivos do Metro, CP e Transtejo que causam o caos dia sim dia não com claros objetivos de desestabilização política. À passagem, exigia a demissão da administração da Carris Metropolitana, que pôs em funcionamento um novo plano de ligações que teve de ser suspenso de imediato pela prosaica razão de se terem esquecido de indicar aos motoristas os percursos (coisa que nem no Burundi seria expectável).
Já agora, para prevenir acidentes e facilitar mesmo a mobilidade segura, o Livre deveria propor a imposição de normas e multas severas aos ciclistas e “trotinetistas” que passam semáforos, ignoram sinais, andam nas estradas, nas ciclovias, nas passadeiras e nos passeios completamente à doida e às vezes aos pares, algumas vezes alcoolizados e geralmente sem seguro. Contra isso não se vê uma campanha a sério. Bem se podia aproveitar, para o efeito, as centenas de funcionários da EMEL. Os casos citados são pequenos exemplos em que o cidadão é destratado sem apelo nem agravo.
Mas há muitos mais. Recentemente, contribuintes foram rechaçados de uma repartição de finanças em Lisboa quando iam pagar impostos. Impossível: a criatura da tesouraria tinha ido almoçar ao meio dia e estaria de volta depois de almoço, talvez lá para a 13h30. A repartição estava aberta… mas não estava.
Voltando à circulação, nas autoestradas a situação também é caricata. Vendem-se automóveis que dão 300 km/h, que travam sozinhos, que evitam despistes, que acionam logo sinais de socorro em caso de acidente, mas a limite máximo é de 120 Km/h sabiamente definido no tempo do Prof. Oliveira Salazar, quando os bólides eram 4L, Carochas 1200 e, vá lá, os saudosos Coopers. Vai daí, toca a instalar radares por todo o lado para garantir, não a segurança, mas uma simpática receita de contraordenações. Porém, quando um animal, como uma raposa ou javali, entra na autoestrada ninguém o viu e muito menos a Brisa. É tal a complicação que cada um arca com a reparação, a menos que o bicho fique lá estendido.
São situações que desesperam, seja pelo poder autocrático do funcionalismo, seja pela prepotência de entidades detentoras de grandes concessões ou monopólios. Face a isto, o português é desprotegido quando comparado com outros europeus. O padrão médio de exigência é baixo em tudo e o protesto civilizado não leva a nada. A culpa não é só da política e da organização do país. É de todos e cada um de nós.
2. Rui Rio não compareceu às cerimónias do 10 de Junho que, curiosamente, eram em Braga, perto do seu amado Porto e da sua casa. Optou antes por dar um salto à África do Sul, quando está em fim de mandato. Aproveitou para criticar Marcelo por não ter ainda visitado aquele país onde vivem muitos portugueses. Sabe-se a estima que Rio tem pelo atual PR, de quem foi um tempo secretário-geral no PSD, até ser substituído. A viagem deve ter sido muito útil…e barata.
3. António Costa também não esteve em Braga no Dia de Portugal. Foi dito que estava doente, mas que não era covid-19 que já contraiu duas vezes. A saúde dos governantes não deve ser escarrapachada em todo o lado, mas não pode ser segredo de Estado. O Presidente Marcelo lá disse umas coisas, mas não foi claro. Há matérias que deveriam levar à emissão de um esclarecimento oficial e formal. Até para evitar especulações.