A inconstitucionalidade da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital


Só se lamenta que o Tribunal Constitucional esteja há quase um ano para decidir este processo, quando há muito que se justificaria que esta norma fosse declarada inconstitucional.


Foi notícia esta semana a apresentação pela Provedora de Justiça de um pedido de fiscalização sucessiva dos nºs 5 e 6 do art. 6º da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, constante da Lei 27/2021, de 17 de Maio, que consagra o direito à protecção contra a desinformação, juntando-se assim ao anterior pedido feito pelo Presidente da República nesta matéria.

Este artigo 6º pretende implementar o Plano de Acção contra a Desinformação, constante da Comunicação da Comissão Europeia de 5/12/2018. A Comissão Europeia considerou que os processos democráticos têm vindo a ser cada vez mais ameaçados pela propagação de desinformação, efectuada em grande escala e de forma deliberada e sistemática, considerando que das mesmas pode resultar prejuízo para o interesse público, consistente em ameaças contra os processos democráticos ou outros bens públicos, como o ambiente ou a saúde e segurança dos cidadãos da União.

Em consequência a Comissão propôs uma acção conjunta de todos os intervenientes institucionais interessados, incluindo o sector privado e em particular as plataformas em linha, assim como da sociedade civil no seu todo, a fim de combater eficazmente todos os aspectos da ameaça que representa a desinformação.

A existência de um plano de acção contra a desinformação pode ser justificada a nível da União Europeia, mas não nos parece que da mesma resulte a necessidade de uma norma como a do art. 6º da Lei 27/2021. Na verdade, esta disposição assume-se mais como uma restrição ao direito à liberdade de expressão do que um novo direito dos cidadãos, sendo certo que essa restrição surge com base em conceitos extremamente vagos como o de desinformação.

Tal foi reconhecido pelo Presidente da República, no seu pedido de fiscalização sucessiva, ao estabelecer que “o disposto no artigo 6º, ao procurar definir o conceito de desinformação e ao estabelecer mecanismos para a sua eliminação, poderia restringir o conteúdo do direito à liberdade de expressão, previsto no artigo 37º da Constituição”.

Para além disso, o Presidente da República salienta que “as normas em causa, em especial as contidas nos n.ºs 1 a 4 do artigo 6º, conteriam um conjunto de conceitos vagos e indeterminados, de que são mero exemplo os seguintes: “narrativa comprovadamente falsa ou enganadora”; “ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas”; ou “utilização de textos ou vídeos manipulados ou fabricados, bem como as práticas para inundar as caixas de correio eletrónico e o uso de redes de seguidores fictícios”.

Da mesma forma, o Presidente da República salientou que também o n.º 6 do artigo 6º, ao prever que “o Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”, poderia incorrer em inconstitucionalidade na medida em que, assentando nos conceitos indeterminados já referidos, previsse a atuação do Estado na criação de estruturas de verificação de factos cujo âmbito de atuação é desconhecido – e não o deveria ser no plano de uma lei restritiva – e cuja natureza ficaria também por esclarecer”.

Agora a Provedora de Justiça veio acrescentar a esse pedido do Presidente da República o da averiguação da inconstitucionalidade do nº5 desse artigo 6º, por considerar “constitucionalmente inadmissível que alguém possa ser alvo de um processo de contraordenação por se limitar a exprimir ou difundir uma ideia, um pensamento ou mesmo determinado conteúdo informativo no ambiente digital”. Em relação ao nº6 do art. 6º, a Provedora de Justiça considera  não haver especificação da natureza e modo de apoio do Estado às estruturas de verificação de factos, ao contrário do que exige a Constituição em relação às leis restritivas de direitos fundamentais.

Efectivamente, este art. 6º da Lei 27/2021 estaria seguramente em conformidade com o artigo 8º, § 2º, da Constituição de 1933, mas é claramente contrário aos arts. 37º e 38º da Constituição de 1976. Só se lamenta que o Tribunal Constitucional esteja há quase um ano para decidir este processo, quando há muito que se justificaria que esta norma fosse declarada inconstitucional.

A inconstitucionalidade da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital


Só se lamenta que o Tribunal Constitucional esteja há quase um ano para decidir este processo, quando há muito que se justificaria que esta norma fosse declarada inconstitucional.


Foi notícia esta semana a apresentação pela Provedora de Justiça de um pedido de fiscalização sucessiva dos nºs 5 e 6 do art. 6º da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, constante da Lei 27/2021, de 17 de Maio, que consagra o direito à protecção contra a desinformação, juntando-se assim ao anterior pedido feito pelo Presidente da República nesta matéria.

Este artigo 6º pretende implementar o Plano de Acção contra a Desinformação, constante da Comunicação da Comissão Europeia de 5/12/2018. A Comissão Europeia considerou que os processos democráticos têm vindo a ser cada vez mais ameaçados pela propagação de desinformação, efectuada em grande escala e de forma deliberada e sistemática, considerando que das mesmas pode resultar prejuízo para o interesse público, consistente em ameaças contra os processos democráticos ou outros bens públicos, como o ambiente ou a saúde e segurança dos cidadãos da União.

Em consequência a Comissão propôs uma acção conjunta de todos os intervenientes institucionais interessados, incluindo o sector privado e em particular as plataformas em linha, assim como da sociedade civil no seu todo, a fim de combater eficazmente todos os aspectos da ameaça que representa a desinformação.

A existência de um plano de acção contra a desinformação pode ser justificada a nível da União Europeia, mas não nos parece que da mesma resulte a necessidade de uma norma como a do art. 6º da Lei 27/2021. Na verdade, esta disposição assume-se mais como uma restrição ao direito à liberdade de expressão do que um novo direito dos cidadãos, sendo certo que essa restrição surge com base em conceitos extremamente vagos como o de desinformação.

Tal foi reconhecido pelo Presidente da República, no seu pedido de fiscalização sucessiva, ao estabelecer que “o disposto no artigo 6º, ao procurar definir o conceito de desinformação e ao estabelecer mecanismos para a sua eliminação, poderia restringir o conteúdo do direito à liberdade de expressão, previsto no artigo 37º da Constituição”.

Para além disso, o Presidente da República salienta que “as normas em causa, em especial as contidas nos n.ºs 1 a 4 do artigo 6º, conteriam um conjunto de conceitos vagos e indeterminados, de que são mero exemplo os seguintes: “narrativa comprovadamente falsa ou enganadora”; “ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas”; ou “utilização de textos ou vídeos manipulados ou fabricados, bem como as práticas para inundar as caixas de correio eletrónico e o uso de redes de seguidores fictícios”.

Da mesma forma, o Presidente da República salientou que também o n.º 6 do artigo 6º, ao prever que “o Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”, poderia incorrer em inconstitucionalidade na medida em que, assentando nos conceitos indeterminados já referidos, previsse a atuação do Estado na criação de estruturas de verificação de factos cujo âmbito de atuação é desconhecido – e não o deveria ser no plano de uma lei restritiva – e cuja natureza ficaria também por esclarecer”.

Agora a Provedora de Justiça veio acrescentar a esse pedido do Presidente da República o da averiguação da inconstitucionalidade do nº5 desse artigo 6º, por considerar “constitucionalmente inadmissível que alguém possa ser alvo de um processo de contraordenação por se limitar a exprimir ou difundir uma ideia, um pensamento ou mesmo determinado conteúdo informativo no ambiente digital”. Em relação ao nº6 do art. 6º, a Provedora de Justiça considera  não haver especificação da natureza e modo de apoio do Estado às estruturas de verificação de factos, ao contrário do que exige a Constituição em relação às leis restritivas de direitos fundamentais.

Efectivamente, este art. 6º da Lei 27/2021 estaria seguramente em conformidade com o artigo 8º, § 2º, da Constituição de 1933, mas é claramente contrário aos arts. 37º e 38º da Constituição de 1976. Só se lamenta que o Tribunal Constitucional esteja há quase um ano para decidir este processo, quando há muito que se justificaria que esta norma fosse declarada inconstitucional.