Tu, as tuas escolhas e os outros


Valorizem o que vos torna singular, mas aprendam a trabalhar em conjunto e encontrar ideias comuns.


Por Manuel Heitor, Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico

Acredito que a principal razão para esta distinção que agora o Técnico me confere reside no facto de sempre me ter comportado como “estudante”, como “aprendiz”. E, como tal, sempre procurei estar próximo dos melhores e aprender em conjunto. O reconhecimento pelos pares é sempre o mais difícil, mas também o que mais nos orgulha e, sobretudo, nos responsabiliza.

Dirijo, assim, esta mensagem principalmente para a juventude, sobretudo para as/os estudantes e graduadas/os do IST, assim como para as mulheres e homens que optam por desenvolver as suas carreiras científicas e académicas no IST e em Portugal.

Nasci num ambiente escolar e aprendi muito com os meus pais, com os seus pais e com os seus avós – todos educadores e professores. Mas aprendi ainda mais com os meus colegas e muito, muito mais com meus estudantes e com os seus estudantes. Da minha experiência de mais de 12 anos no governo, aprendi que todos beneficiamos ao garantir que todos os outros tenham direito a novas oportunidades de aprender e investigar, por mais isolados ou desfavorecidos que sejam. Aprendi a importância de criar “redes de oportunidades” para todos. Sob essa premissa, devemo-nos orgulhar do reconhecimento internacional que a internacionalização da ciência, do ensino superior e da inovação em Portugal têm conseguido adquirir.

Quando ingressei no Técnico como professor em meados dos anos de 1980, depois de ter terminado há pouco mais de 35 anos os meus estudos pós-graduados no Imperial College de Londres e na Universidade de Califórnia, o futuro parecia bem mais risonho do que hoje. Assistimos nessa altura à queda do Muro de Berlim e ao fim da Guerra Fria, Portugal já era um país totalmente integrado na União Europeia, a internet estava a explodir e as raízes do que hoje chamamos de “web 2.0” estavam a ser lançadas, juntamente com a aceleração da integração dos mercados globais.

Hoje enfrentamos grandes incertezas e desafios únicos – desastre climático, migrações climáticas, pandemia, guerra na Europa, desigualdade, ataque a direitos básicos, mudanças no mercado de trabalho, fake news, para referir apenas alguns.

Mas confio convictamente nas pessoas mais jovens e sobretudo nas/os estudantes e graduadas/os do ensino superior para enfrentar estes desafios e fazer melhor do que a minha geração; isto é, serem capazes de deixar aos vossos próprios filhos um mundo melhor do que aquele que vocês herdaram da minha geração. Valorizem o que vos torna singular, mas aprendam a trabalhar em conjunto e encontrar ideias comuns.

Permitam-me explorar esta ideia através de três breves mensagens.

Primeira Mensagem – Continuem a aprender, sendo ambiciosas/os e inovadoras/es. Mudem o mundo, fazendo uso dos vossos conhecimentos, mas garantindo que todas as outras pessoas também são ambiciosas e inovadoras.
Garantam que os vossos pais e os pais dos vossos amigos não entendem o que estão a fazer! De facto, o número de jovens adultos que são capazes de dizer “os meus pais não entendem o que eu estou a fazer” no seu trabalho é provavelmente o melhor indicador de progresso em qualquer sociedade. Significa que cada geração inova e tem oportunidades coletivas para fazê-lo. É um sinal saudável. É um movimento de mudança geracional num ambiente dinâmico e de aprendizagem contínua.

Trabalhem as vossas próprias ideias, invistam nelas, façam e insistam em pesquisa, trocando opiniões com outras pessoas e testando e validando as vossas ideias, até que tenham uma ideia melhor, cientificamente sólida e socialmente adequada. Insistam, mudem e avancem com propósito. Tenham propósito!

Mas, como sabem, as melhores ideias exigem muito suor. São o resultado, muitas vezes, de erros acidentais, milhares de outras ideias e muita interação social, para além de um trabalho contínuo de investigação.

Noutras palavras, construam e expandam as vossas redes académicas e científicas e estimulem novas ideias que melhorarão a vida de outras pessoas. E, assim, garantem que todos os outros serão também ambiciosos e inovadores.
Invistam nas gerações futuras e contribuam para a construção de um movimento intergeracional que favoreça a ciência e as ideias baseadas no conhecimento que mudam o mundo.

Segunda Mensagem – Continuem a aprender, sendo responsáveis, ecologicamente ativos e inclusivos em todas as disciplinas.

Entendam os comportamentos coletivos emergentes e a nossa responsabilidade comum em garantir a vida das gerações futuras numa era que cada vez mais se baseia em redes digitais descentralizadas e inovações crescentemente suportadas por inteligência artificial.

A era digital está a atravessar rápidas transformações e expansão à escala global. Com novos modelos de negócios e novos atores, surgem novas relações entre setores institucionais e um amplo leque de atividades empreendedoras.

Ao mesmo tempo, a juventude enfrenta desafios e oportunidades crescentes e a vossa qualidade de vida e futuro sustentável só podem ser garantidos efetivamente por meio de uma nova geração de sistemas tecnológicos centrados nos utilizadores, que garantam que todas as pessoas são parte integrante dos desenvolvimentos futuros.

Concentrem os vossos esforços na necessidade de garantir a neutralidade carbónica, abordando o desastre climático iminente, bem como a nossa segurança global, sendo este o esforço prioritário que deve impulsionar a governança tecnológica na era digital.

Apelo assim para a necessidade de fomentar o “humanismo digital”, repensando potenciais narrativas tecnocêntricas de progresso e abraçando a incerteza em que vivemos.

Terceira Mensagem – Continuem a aprender, sendo humanos e solidários: assegurem as vossas escolhas, os vossos corpos, as vossas mentes, com os vossos conhecimentos e o nosso entendimento científico comum, garantindo que todos têm as mesmas oportunidades para suas próprias escolhas e os seus próprios corpos.

Quem quer que seja, onde quer que viva, tem o direito de fazer as suas próprias escolhas sem medo, violência ou discriminação.

Reconheçam os vossos privilégios e lutem contra a opressão e a humilhação com ambição, conhecimento e solidariedade, valorizando a juventude e os menos privilegiados.

Todos vocês, jovens mulheres e homens, devem garantir que todos os grupos minoritários são respeitados, promovendo a interajuda entre pessoas e combatendo quaisquer formas de humilhação e intimidação.

Sejam ativos! Promovam os direitos básicos para todos. Sejam humanos.

Como referido por José Saramago , “[…] Falemos, pois, nós cidadãos comuns. Com a mesma veemência de quando exigimos os nossos direitos, exigimos responsabilidade sobre os nossos deveres. Talvez o mundo pudesse tornar-se um pouco melhor. […]”

Sejam mais ousados, sejam mais gentis, sejam mais responsáveis.
 
(1) https://www.nobelprize.org/prizes/literature/1998/saramago/speech/. 

Tu, as tuas escolhas e os outros


Valorizem o que vos torna singular, mas aprendam a trabalhar em conjunto e encontrar ideias comuns.


Por Manuel Heitor, Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico

Acredito que a principal razão para esta distinção que agora o Técnico me confere reside no facto de sempre me ter comportado como “estudante”, como “aprendiz”. E, como tal, sempre procurei estar próximo dos melhores e aprender em conjunto. O reconhecimento pelos pares é sempre o mais difícil, mas também o que mais nos orgulha e, sobretudo, nos responsabiliza.

Dirijo, assim, esta mensagem principalmente para a juventude, sobretudo para as/os estudantes e graduadas/os do IST, assim como para as mulheres e homens que optam por desenvolver as suas carreiras científicas e académicas no IST e em Portugal.

Nasci num ambiente escolar e aprendi muito com os meus pais, com os seus pais e com os seus avós – todos educadores e professores. Mas aprendi ainda mais com os meus colegas e muito, muito mais com meus estudantes e com os seus estudantes. Da minha experiência de mais de 12 anos no governo, aprendi que todos beneficiamos ao garantir que todos os outros tenham direito a novas oportunidades de aprender e investigar, por mais isolados ou desfavorecidos que sejam. Aprendi a importância de criar “redes de oportunidades” para todos. Sob essa premissa, devemo-nos orgulhar do reconhecimento internacional que a internacionalização da ciência, do ensino superior e da inovação em Portugal têm conseguido adquirir.

Quando ingressei no Técnico como professor em meados dos anos de 1980, depois de ter terminado há pouco mais de 35 anos os meus estudos pós-graduados no Imperial College de Londres e na Universidade de Califórnia, o futuro parecia bem mais risonho do que hoje. Assistimos nessa altura à queda do Muro de Berlim e ao fim da Guerra Fria, Portugal já era um país totalmente integrado na União Europeia, a internet estava a explodir e as raízes do que hoje chamamos de “web 2.0” estavam a ser lançadas, juntamente com a aceleração da integração dos mercados globais.

Hoje enfrentamos grandes incertezas e desafios únicos – desastre climático, migrações climáticas, pandemia, guerra na Europa, desigualdade, ataque a direitos básicos, mudanças no mercado de trabalho, fake news, para referir apenas alguns.

Mas confio convictamente nas pessoas mais jovens e sobretudo nas/os estudantes e graduadas/os do ensino superior para enfrentar estes desafios e fazer melhor do que a minha geração; isto é, serem capazes de deixar aos vossos próprios filhos um mundo melhor do que aquele que vocês herdaram da minha geração. Valorizem o que vos torna singular, mas aprendam a trabalhar em conjunto e encontrar ideias comuns.

Permitam-me explorar esta ideia através de três breves mensagens.

Primeira Mensagem – Continuem a aprender, sendo ambiciosas/os e inovadoras/es. Mudem o mundo, fazendo uso dos vossos conhecimentos, mas garantindo que todas as outras pessoas também são ambiciosas e inovadoras.
Garantam que os vossos pais e os pais dos vossos amigos não entendem o que estão a fazer! De facto, o número de jovens adultos que são capazes de dizer “os meus pais não entendem o que eu estou a fazer” no seu trabalho é provavelmente o melhor indicador de progresso em qualquer sociedade. Significa que cada geração inova e tem oportunidades coletivas para fazê-lo. É um sinal saudável. É um movimento de mudança geracional num ambiente dinâmico e de aprendizagem contínua.

Trabalhem as vossas próprias ideias, invistam nelas, façam e insistam em pesquisa, trocando opiniões com outras pessoas e testando e validando as vossas ideias, até que tenham uma ideia melhor, cientificamente sólida e socialmente adequada. Insistam, mudem e avancem com propósito. Tenham propósito!

Mas, como sabem, as melhores ideias exigem muito suor. São o resultado, muitas vezes, de erros acidentais, milhares de outras ideias e muita interação social, para além de um trabalho contínuo de investigação.

Noutras palavras, construam e expandam as vossas redes académicas e científicas e estimulem novas ideias que melhorarão a vida de outras pessoas. E, assim, garantem que todos os outros serão também ambiciosos e inovadores.
Invistam nas gerações futuras e contribuam para a construção de um movimento intergeracional que favoreça a ciência e as ideias baseadas no conhecimento que mudam o mundo.

Segunda Mensagem – Continuem a aprender, sendo responsáveis, ecologicamente ativos e inclusivos em todas as disciplinas.

Entendam os comportamentos coletivos emergentes e a nossa responsabilidade comum em garantir a vida das gerações futuras numa era que cada vez mais se baseia em redes digitais descentralizadas e inovações crescentemente suportadas por inteligência artificial.

A era digital está a atravessar rápidas transformações e expansão à escala global. Com novos modelos de negócios e novos atores, surgem novas relações entre setores institucionais e um amplo leque de atividades empreendedoras.

Ao mesmo tempo, a juventude enfrenta desafios e oportunidades crescentes e a vossa qualidade de vida e futuro sustentável só podem ser garantidos efetivamente por meio de uma nova geração de sistemas tecnológicos centrados nos utilizadores, que garantam que todas as pessoas são parte integrante dos desenvolvimentos futuros.

Concentrem os vossos esforços na necessidade de garantir a neutralidade carbónica, abordando o desastre climático iminente, bem como a nossa segurança global, sendo este o esforço prioritário que deve impulsionar a governança tecnológica na era digital.

Apelo assim para a necessidade de fomentar o “humanismo digital”, repensando potenciais narrativas tecnocêntricas de progresso e abraçando a incerteza em que vivemos.

Terceira Mensagem – Continuem a aprender, sendo humanos e solidários: assegurem as vossas escolhas, os vossos corpos, as vossas mentes, com os vossos conhecimentos e o nosso entendimento científico comum, garantindo que todos têm as mesmas oportunidades para suas próprias escolhas e os seus próprios corpos.

Quem quer que seja, onde quer que viva, tem o direito de fazer as suas próprias escolhas sem medo, violência ou discriminação.

Reconheçam os vossos privilégios e lutem contra a opressão e a humilhação com ambição, conhecimento e solidariedade, valorizando a juventude e os menos privilegiados.

Todos vocês, jovens mulheres e homens, devem garantir que todos os grupos minoritários são respeitados, promovendo a interajuda entre pessoas e combatendo quaisquer formas de humilhação e intimidação.

Sejam ativos! Promovam os direitos básicos para todos. Sejam humanos.

Como referido por José Saramago , “[…] Falemos, pois, nós cidadãos comuns. Com a mesma veemência de quando exigimos os nossos direitos, exigimos responsabilidade sobre os nossos deveres. Talvez o mundo pudesse tornar-se um pouco melhor. […]”

Sejam mais ousados, sejam mais gentis, sejam mais responsáveis.
 
(1) https://www.nobelprize.org/prizes/literature/1998/saramago/speech/.