Os amigos das ‘biclas’


Não sei se esta sintonia se deve atribuir à bicicleta e ao facto de que, quando pedalamos juntos, temos que pedalar todos no mesmo sentido.


Gosto de pedalar. É uma paixão que me acompanha desde criança e que começou antes mesmo de ter a minha própria bicicleta. Aprendi a andar com o pai de um amigo de infância, que tinha a generosidade e paciência para nos dedicar tardes inteiras de treino, na Praça Velasquez, no Porto, que invariavelmente terminavam em lambuzados lanches de gelados.

Quando finalmente dominamos a técnica, é indiscritível a sensação de liberdade que sentimos quando montamos numa bicicleta e pedalamos, sentindo o vento na face e experimentando pela primeira vez uma velocidade superior à nossa capacidade humana de locomoção. Sentimo-nos poderosos, capazes de pedalar até ao fim do mundo e viver aventuras intermináveis. Pelo menos até iniciarmos a nossa primeira subida longa, que nos faz pousar os pés no chão e tomar consciência das nossas limitações físicas. Assim foi também com muitas outras coisas ao longo da minha vida.

Para mim a bicicleta sempre esteve ligada diretamente a relações de forte amizade. Começou na infância com este amigo que emigrou para França, levando com ele as pedaladas, o seu pai e os maravilhosos lanches de domingo. Continuou anos mais tarde, durante a adolescência, quando conheci um dos meus melhores e mais antigos amigos. Cedo descobrimos a nossa paixão comum pelas pedaladas e, durante alguns anos, vivemos boas aventuras em torno das nossas máquinas. Ele sempre foi melhor ciclista que eu. Com mais técnica, mais força e mais resiliência. Respeitou sempre as nossas diferenças e as minhas limitações, com humildade e sem sobranceria, manifestando assim a sua nobreza de caráter e duas características que devem ser transversais a qualquer relação de amizade, o respeito e a tolerância.

Ao longo dos anos fui conhecendo outros amigos, outros ciclistas. Grupos muito heterogéneos em termos culturais, sociais e geracionais. É uma constatação factual, sem quaisquer juízos de valor. Uma das características que sempre foi transversal a estes grupos de amigos foi a incondicional capacidade de inclusão de novos membros no grupo. O tempo depois se encarregava de fazer a seleção de quem se enquadrava nos nossos valores de respeito e de tolerância, fazendo perdurar a relação.

Quer seja no grupo mais radical, de BTT, que já me levou a Santiago de Compostela por vários caminhos, quer seja no grupo de estrada, mais tranquilo e mais adequado ao estado atual das minhas pernas, sempre imperou de forma casual e empírica a regra de que quem condiciona o andamento é quem anda mais devagar. Sempre abraçamos o conceito de que ninguém fica para trás. Fazemo-lo naturalmente, com respeito mútuo e sem a soberba de quem quer e pode andar mais rápido.

Assim fomos consolidando as nossas relações de amizade, com real preocupação pelo bem-estar do outro. E não me refiro apenas à capacidade de pedalar. Fazemo-lo também, no que diz respeito às nossas vidas, ideias, convicções políticas, sociais ou outras. Fazemo-lo no que diz respeito à nossa saúde e à das nossas famílias, ao nosso sucesso profissional, sem segundas intenções ou outros interesses. Fazemo-lo por verdadeira amizade.

Não sei se esta sintonia se deve atribuir à bicicleta e ao facto de que, quando pedalamos juntos, temos que pedalar todos no mesmo sentido. Certamente alguns de nós poderiam facilmente chegar primeiro, mas escolhemos sempre chegar ao mesmo tempo. Todos juntos. Seria bom que mais coisas no mundo funcionassem assim.

Como uma pedalada redonda.

Designer

Os amigos das ‘biclas’


Não sei se esta sintonia se deve atribuir à bicicleta e ao facto de que, quando pedalamos juntos, temos que pedalar todos no mesmo sentido.


Gosto de pedalar. É uma paixão que me acompanha desde criança e que começou antes mesmo de ter a minha própria bicicleta. Aprendi a andar com o pai de um amigo de infância, que tinha a generosidade e paciência para nos dedicar tardes inteiras de treino, na Praça Velasquez, no Porto, que invariavelmente terminavam em lambuzados lanches de gelados.

Quando finalmente dominamos a técnica, é indiscritível a sensação de liberdade que sentimos quando montamos numa bicicleta e pedalamos, sentindo o vento na face e experimentando pela primeira vez uma velocidade superior à nossa capacidade humana de locomoção. Sentimo-nos poderosos, capazes de pedalar até ao fim do mundo e viver aventuras intermináveis. Pelo menos até iniciarmos a nossa primeira subida longa, que nos faz pousar os pés no chão e tomar consciência das nossas limitações físicas. Assim foi também com muitas outras coisas ao longo da minha vida.

Para mim a bicicleta sempre esteve ligada diretamente a relações de forte amizade. Começou na infância com este amigo que emigrou para França, levando com ele as pedaladas, o seu pai e os maravilhosos lanches de domingo. Continuou anos mais tarde, durante a adolescência, quando conheci um dos meus melhores e mais antigos amigos. Cedo descobrimos a nossa paixão comum pelas pedaladas e, durante alguns anos, vivemos boas aventuras em torno das nossas máquinas. Ele sempre foi melhor ciclista que eu. Com mais técnica, mais força e mais resiliência. Respeitou sempre as nossas diferenças e as minhas limitações, com humildade e sem sobranceria, manifestando assim a sua nobreza de caráter e duas características que devem ser transversais a qualquer relação de amizade, o respeito e a tolerância.

Ao longo dos anos fui conhecendo outros amigos, outros ciclistas. Grupos muito heterogéneos em termos culturais, sociais e geracionais. É uma constatação factual, sem quaisquer juízos de valor. Uma das características que sempre foi transversal a estes grupos de amigos foi a incondicional capacidade de inclusão de novos membros no grupo. O tempo depois se encarregava de fazer a seleção de quem se enquadrava nos nossos valores de respeito e de tolerância, fazendo perdurar a relação.

Quer seja no grupo mais radical, de BTT, que já me levou a Santiago de Compostela por vários caminhos, quer seja no grupo de estrada, mais tranquilo e mais adequado ao estado atual das minhas pernas, sempre imperou de forma casual e empírica a regra de que quem condiciona o andamento é quem anda mais devagar. Sempre abraçamos o conceito de que ninguém fica para trás. Fazemo-lo naturalmente, com respeito mútuo e sem a soberba de quem quer e pode andar mais rápido.

Assim fomos consolidando as nossas relações de amizade, com real preocupação pelo bem-estar do outro. E não me refiro apenas à capacidade de pedalar. Fazemo-lo também, no que diz respeito às nossas vidas, ideias, convicções políticas, sociais ou outras. Fazemo-lo no que diz respeito à nossa saúde e à das nossas famílias, ao nosso sucesso profissional, sem segundas intenções ou outros interesses. Fazemo-lo por verdadeira amizade.

Não sei se esta sintonia se deve atribuir à bicicleta e ao facto de que, quando pedalamos juntos, temos que pedalar todos no mesmo sentido. Certamente alguns de nós poderiam facilmente chegar primeiro, mas escolhemos sempre chegar ao mesmo tempo. Todos juntos. Seria bom que mais coisas no mundo funcionassem assim.

Como uma pedalada redonda.

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