Masturbação feminina. “Um orgasmo por dia, não sabe o bem que lhe fazia”

Masturbação feminina. “Um orgasmo por dia, não sabe o bem que lhe fazia”


A sexualidade feminina tem sido um tema cada vez mais debatido ao longo dos anos. Se antigamente o silêncio poderia ocupar as salas cada vez que se falasse de masturbação feminina, hoje em dia, são cada vez mais aquelas que se fazem ouvir querendo quebrar tabus. Num estudo recente dos EUA, investigadores sugerem aos médicos que…


Qual é a relação que as mulheres têm com a masturbação? Qual a sua importância? Que benefícios traz? E qual deve ser o espaço dos brinquedos sexuais no universo feminino? Já é longo o caminho percorrido em direção à libertação sexual feminina, e são cada vez mais as mulheres que, nos seus círculos de amigos, família, ou mesmo nas redes sociais, falam abertamente sobre a relação que têm com o seu corpo, sobre a maneira como o conhecem e o “namoram”, com ou sem “ajuda”. E agora, segundo um grupo de investigadores norte-americanos, mais do que um brinquedo sexual, o vibrador pode também ser considerado um “dispositivo terapêutico”.

Cientistas do Cedar-Sinai Medical Center – um centro médico sem fins lucrativos fixado nos EUA – sugerem que “os médicos deviam prescrever o uso regular de vibradores para as suas pacientes mulheres, pois a prática da masturbação com o acessório, entre outras questões, fortalece os músculos do assoalho pélvico e reduz a dor vulvar”, um problema frequente entre muitas.

No artigo publicado no The Journal of Urology, os responsáveis pelo estudo contam que encontraram evidências de uma série de benefícios do uso regular do vibrador ao analisar um banco de estudos sobre o assunto. Ao todo, foram estudados mais de 558 artigos – entre eles 21 que foram de encontro aos critérios da pesquisa, que buscava por trabalhos que abordassem os impactos positivos da masturbação com vibradores. Embora a ciência já tenha concluído que masturbar-se “traz benefícios físicos e mentais”, na realidade, poucos estudos investigaram a contribuição da prática feita com um vibrador. 

Liderado pela pesquisadora e ginecologista Alexandra Dubinskaya, a investigação concluiu ainda que “o uso de vibradores durante a masturbação pode ser benéfico para a diminuição do stresse”, pois pode “auxiliar na redução do tempo que uma mulher leva para atingir o orgasmo e até contribuir para alcançar orgasmos múltiplos”.

Além disso, o grupo de cientistas encontrou também indícios de melhorias na incontinência urinária, segundo os mesmos, “condição frequente em mulheres com mais de 60 anos”. Por isso, em suma, o acessório possui “inúmeros benefícios à saúde feminina”. Mas qual será a opinião das mulheres? Será que o mundo está preparado para se consciencializar da importância do prazer feminino? 

A sexualidade feminina Segundo Catarina Lucas, psicóloga e sexóloga, a sexualidade tem sido “vítima de muito preconceito e estereótipos, tanto por homens como por mulheres”. “Se a mulher vive com preconceito em relação à forma de viver a sexualidade, o homem também não tem sido poupado no que toca às crenças sobre o seu desempenho e virilidade”, começou por explicar ao i. Apesar disso, sublinha, “sempre foi mais fácil falar-se da sexualidade masculina do que feminina, o que também pode estar associada à maior complexidade dessa e dos seus múltiplos fatores associados”.

De acordo com a especialista, as crenças, cognições, fatores potenciadores de desejo, fantasias, fatores emocionais e psicológicos, entre outros, são “mais difíceis de se aceder na mulher e são também mais vastos, o que dificulta falar e compreender a sexualidade feminina”. No que toca à masturbação, este também foi um comportamento “alvo de preconceito durante muitos anos e para o qual as mulheres não estavam sensibilizadas, devido à pouca informação sobre a sexualidade e a crenças desajustadas”.

Contudo, alerta a psicóloga, é de “grande importância para a mulher, na medida em que é uma das primeiras formas de contacto com o próprio corpo, com a sexualidade e com o prazer”. Segundo a psicóloga é, por isso, “muito importante para o desenvolvimento sexual”: “Além disso, é uma forma de viver a sexualidade e o prazer no dia a dia, quer se esteja ou não numa relação, quer se viva isoladamente ou de forma partilhada”.

O fetichismo em torno dos sextoys Há cerca de 10 anos, Xana, de 48 anos, atualmente mentora em sexualidade feminina, percebeu que a área da sexualidade era uma “pedra no sapato” na vida de muitas mulheres. “Chamou-me especialmente a atenção a mulher que já conquistou um lugar na sociedade com mais impacto que a sua geração anterior. Que tem habitualmente formação académica, um emprego com relevo e até uma carreira profissional satisfatória”, contou ao i. 

Segundo a mesma, embora empoderada, esta mulher tem na área da intimidade várias inseguranças, dúvidas, muitas crenças e bloqueios e, com frequência, “sofre da sensação de culpa na falha dos seus relacionamentos, exatamente por não ter esta competência”. “A somar a isto, pensa que só ela tem estas questões, que está sozinha e que as outras mulheres são mais esclarecidas e sem as dificuldades dela”, lamentou. Com os olhos postos nisso, Xana pensou que poderia ajudar mulheres a conquistarem, nesta área, um “superpoder”.

Um dos seus principais objetivo também era “desmistificar os produtos eróticos”. Interrogada se estamos perante um tema ainda tabu, a especialista fez questão de frisar que os produtos eróticos “ainda estão muito catalogados como sendo para gente diferente, ‘estranha’, com ideias menos habituais”. “Responsabilizo um pouco as sexshops que com as suas montras mantêm esta ideia, pois não são nada atrativas para a mulher ou o homem comum. Os artigos expostos são sempre de uma categoria mais fetichista”, acredita.

Além disso, para si, “as crenças e bloqueios masculinos levam a que seja comum o uso de brinquedos ser associado a uma incompetência do homem para satisfazer a mulher”: “Estes dois aspetos, levam a que seja tabu e que a maioria conheça muito pouco sobre os brinquedos que existem e as vantagens no seu uso”, defende, explicando que estes são vistos “quase sempre apenas para brincar ou ser ‘diferente’ e não com as vantagens que possuem, por exemplo, por facilitarem o orgasmo feminino ou ajudarem a retardar a ejaculação masculina ou a densidade da ereção”.

“Os brinquedos são uma parte dos produtos eróticos! Há todo um mundo além dos brinquedos nesta área, como cosmética e acessórios”, conta a mentora, acrescentando que o mais comum é que “o primeiro passo de entrada neste mundo, numa mulher comum, seja por via da cosmética e a pouco e pouco ir optando por outros produtos”. “Também é comum que comece por brinquedos que sejam para uso em casal, do que propriamente para uma satisfação prioritária dela (anéis penianos com vibração, por exemplo). Tudo isto tem toda a lógica se percebermos que muitas das crenças que são incutidas na educação feminina sobre sexualidade, é que ela existe apenas no âmbito de um relacionamento e no sentido da satisfação masculina”, reforça.

Durante os primeiros anos Xana fez essencialmente sessões presenciais de grupo e a média anual é de 500/600 presenças nesses ‘convívios’, que incluem grupos de amigas, despedidas de solteira e festas de aniversários, onde se fala com “clareza e leveza de sexualidade e onde os produtos eróticos são os ‘reis’ da festa”. Nos últimos dois anos, devido à pandemia da covid-19, esta começou a desenvolver o seu projeto maioritariamente por via online. 

Uma forma de relaxamento Sofia Gomes, de 20 anos, começou a masturbar-se quando tinha 8 anos. “Desconhecia por completo o que era, apenas o fazia pelo prazer que me proporcionava. Penso que, inicialmente, esta prática vai mais ao encontro de uma descoberta do corpo do que propriamente de um apetite sexual, ainda que o fizesse por proporcionar-me prazer, não considero que se tratasse (ao início) de uma prática já sexual”, contou ao i.

A primeira vez que ouviu falar sobre a prática, percebendo que esta efetivamente tem um nome, foi num programa de daytime da manhã num canal generalista. “Aí reconheci que o que fazia era perfeitamente normal e se chamava ‘’masturbação’. Até então considerava que o que fazia era anormal”, admitiu. 

Atualmente, a masturbação assume um “papel importante” na sua vida e está muito associada à ideia de “relaxamento”. “Tenho por hábito fazê-lo para adormecer”, revelou. Mas a jovem lamenta que “ainda se fale de masturbação feminina com bastante pudor em comparação à discussão sobre a masturbação masculina”.

“Além disso, considero que há um sentimento de culpa que lhe está associado que nos foi incutido desde a infância… Quando mexíamos nos genitais éramos chamadas à atenção, já os rapazes quando o faziam não o eram”, lembrou. Relativamente à utilização de brinquedos sexuais, para si, a probabilidade de atingir o orgasmo utilizando um é “mais alta”. Já sem a sua utilização, é “praticamente nula”: “Acho que os orgasmos com brinquedos sexuais são melhores”, admitiu. 

Um acrescento à relação Beatriz Feliciano, de 25 anos, teve o primeiro contacto relacionado com o tema quando era pré-adolescente (por volta dos 12, 13 anos) e especificamente em relação à masturbação masculina. “Os rapazes falavam abertamente sobre esse tema, ainda que não falassem da melhor forma”, afirma, por isso sempre associou a palavra ao masculino.

Quando se começou a masturbar, nem sabia o nome daquilo que estava a fazer, contudo, já se sentia culpada, achando que estava a fazer algo de “errado”. Até aos 17 anos, sentia-se muito constrangida quando se tocava no tema. “Esse constrangimento começou a desaparecer por volta dessa altura porque pouco tempo depois acabei por iniciar a minha vida sexual”, contou.

Quatro anos depois (altura em que começou a fazer terapia), Beatriz, afirma que o constrangimento já tinha desaparecido completamente. Começou então a falar abertamente sobre isso com amigas próximas e algum tempo depois a acompanhar nas redes sociais mulheres que fazem “um trabalho de empoderamento feminino, onde falam abertamente sobre a masturbação, desconstroem uma série de mitos e preconceitos em relação ao tema”.

Hoje em dia, a masturbação feminina é, para si um “grito de independência e empoderamento”. “Além de que, se nós não explorarmos e não conhecermos o nosso próprio corpo, não vamos conseguir estar bem na relação sexual com outra pessoa”, acredita. Relativamente à utilização de brinquedos sexuais, com e sem o seu parceiro, a jovem afirma que faz alguma diferença. Neste momento, opta por um vibrador dos mais simples e lhe permite ter mais prazer: “Especificando, menos tempo até atingir o orgasmo, sensações mais intensas e diversificadas e dinâmicas sexuais diferentes na relação sexual a dois”, revela. “Mas há muita coisa ainda que não experimentei e quero experimentar!”, acrescentou. 

Interrogada sobre a posição do seu namorado relativamente à utilização dos brinquedos, Beatriz admite que este não tem “qualquer tipo de problema em inserirmos um brinquedo nas nossas relações sexuais, inclusive é algo que, às vezes, é ele a sugerir”. “É preciso olhar para os brinquedos sexuais como um plus. Um brinquedo nunca vai conseguir substituir um ser humano mas é um plus que proporciona uma série de coisas boas, tanto à pessoa sozinha como em conjunto. Acho que alguns homens ainda se sentem intimidados por brinquedos sexuais, no entanto, na minha relação não é esse o caso!”, partilhou. 

Nada substitui ninguém “Vibradores obrigatórios? Se corrigirmos para brinquedos sexuais está aqui uma defensora. Se perpetuarmos a ideia de que a mulher precisa de um pénis ou de uma imitação disso para ter prazer (mesmo que sozinha) estamos no caminho errado”, exaltou ao telemóvel Catarina Beato, criadora de conteúdos e mentora de relacionamentos. De acordo com a especialista, a masturbação “é fundamental”. Aliás, o conhecimento do próprio corpo e o amor próprio “são fundamentais na vida em geral (e na sexual em particular)”. E o processo de exploração e aprendizagem deste deve ser acompanhado da certeza que “meu corpo, minhas regras”.

“Recordo-me, há algum tempo, de um pedopsiquiatra que afirmava ser importante pedir autorização aos bebés antes de lhes mudarmos as fraldas. A reação foi de surpresa e algo gozo. Mas é mesmo isso, ainda que a compreensão possa não ser total posso começar desde cedo a afirmar: ‘É o teu corpo, a tua intimidade!’”, contou. 

Com a descoberta do corpo, explica, vem a descoberta dos “pontos com sensações de prazer”. E aqui, segundo Catarina Beato, são os pais, e as restantes figuras que cuidam e educam, que podem “direcionar os momentos íntimos para locais privados, sem nunca condenar esse toque e as sensações”. “A masturbação não surge na idade adulta, quando podemos ter brinquedos sexuais prescritos. A masturbação é uma consequência da descoberta do corpo, acontece muito cedo e é urgente que seja encarada como normal e desejável”, defende.

“É verdade que uma mulher (e um homem) que conhecem o seu corpo, que cresceram com liberdade no toque, são mais capazes de procurar o prazer sexual a dois. Mas não podemos restringir a masturbação à necessidade na ausência de parceiro sexual. As duas formas de prazer coexistem. Da mesma forma que não podemos fechar o sexo à penetração. Por isso, com ou sem brinquedos sexuais, acredito que as pessoas devem viver o auto prazer que põe essa energia a circular e torna o mundo, de certeza, num lugar melhor (nem que seja o mundo de cada um)”, acrescentou.

Uma preparação para o sexo Maria Gouveia, de 25 anos, começou a sua “relação” com a masturbação aos 12 anos e admite que foi a descoberta de “um mundo”: “Nunca pensei que pudesse ser tão bom”, admitiu ao i. Ao contrário de Sofia e Beatriz, esta nunca havia ouvido falar sobre o tema. Sentiu curiosidade e simplesmente “foi à procura de respostas”. Assumindo-se como uma mulher sem tabus, desde que se lembra que nunca teve problemas em falar do tema.

“Houve alturas em que não falava porque não sabia até que ponto as pessoas da minha idade ou amigos próximos saberiam do mesmo”, revelou. Mas assim que o partilhou com algumas amigas, “tornou-se um tema que teve pano para mangas”: “Passávamos tardes a falar sobre isso. A alimentar fantasias. Quem me conhece sabe que é um tema super normal e que faço questão de deixar as pessoas à vontade para falarem comigo sobre isso”. 

Atualmente, mesmo tendo uma relação de já 10 anos, Maria considera a masturbação essencial. “Mesmo tendo sexo com o meu parceiro, muitas vezes sinto a necessidade de o fazer sozinha. Faz parte porque é diferente. Acho que a masturbação faz-nos conhecer o nosso corpo, perceber o que esperamos quando vamos ter sexo. É uma espécie de preparação”, reflete.

Apesar de se considerar uma “novata” no universo dos brinquedos sexuais, a jovem admite que a experiência de utilizar um vibrador é “inovadora numa relação”: “Além de despertar muita curiosidade, quando é utilizado é muito agradável, torna o sexo daquele dia diferente. Saímos da monotonia e apimentamos as coisas”. Além disso, tendo vivido numa relação à distância durante seis anos, foi uma ajuda para “matar as saudades”. “Também é relaxante, ajuda a adormecer e conectar-me com o meu corpo”, admite. No seu caso, também facilita o atingir do clímax. “Não dura mais que 2 a 3 minutos”, contou. 

A diferença de tratamentos Por outro lado, Cris, de 25 anos, e membro do projeto Ramboia com Moderação, onde a não monogamia é desmistificada, teve uma educação muito rígida e religiosa e, por isso, este nunca foi um tema presente no seu dia-a-dia, nem em adolescente falava sobre ele. 

“Hoje em dia acho um tema importantíssimo a ser falado e não sinto constrangimento nenhum. Para mim é uma necessidade normal, assim como ir à casa de banho ou beber água”, admite ao telemóvel com o i. 

Graças à maneira como foi criada, começou a masturbar-se “já tarde”, com 17 anos, e, agora, esta é uma das maneiras de estar consigo e “prestar atenção ao seu corpo e sentidos”. “A masturbação ajudou-me e ajuda muito a descobrir como sentir mais prazer e satisfação, é sobre autoconhecimento e também autoconfiança”, acredita. Interrogada sobre a utilização dos brinquedos sexuais, Cris defende que este continua a ser um grande tema tabu na sociedade. “Tenho algumas amigas que têm sextoys escondidas do marido, por exemplo”, revelou, afirmando que estas situações acontecem “porque infelizmente vivemos num mundo machista que acha que apenas um pénis pode dar prazer a uma mulher”. “É um pouco controverso quando falam isso, porque depois não sabem nem onde encontrar o clítoris, fica um pouco difícil de uma mulher sentir prazer nesse cenário”, lamenta. 

Tal como Sofia, Cris recorda-se de sempre ouvir falar sobre masturbação masculina, com o clichê de: “Ele é menino! É normal” É assim mesmo!”. Enquanto quando eram as mulheres a realidade era outra: “Tira a mão daí!”. Segundo a mesma, a sociedade cria “homens livres que podem expressar a sua masculinidade”. Já as mulheres devem ser “puras e castas, para ser uma boa esposa”.

“As pessoas acham que hoje em dia está muito diferente disso, mas a realidade é que infelizmente não estamos assim ainda tão longe desse estereótipo”, alerta. No que toca à facilidade em atingir o orgasmo através de vibradores, Cris acha que é sempre subjetivo. “Eu tenho muitos toys mas demorei um tempo a descobrir qual era o tipo de que gostava mais. Me lembro da primeira vez que usei o meu preferido (sugador de clítoris), foi em tempo recorde em que atingi o orgasmo, nunca tinha sido tão rápido em toda minha vida. Então eu olho para o meu toy e digo: “Desculpa, é que você é muito gostoso!”, brincou. 

Para si, os homens continuam a sentir-se ameaçados e as mulheres, continuam a lutar contra o sentimento de culpa por isso: “Nós mulheres temos que lutar todos os dias para fazermos coisas simples como poder se masturbar sem ficar com a consciência pesada ou achar que estamos fazendo algo de errado, porque foi nos ensinado dessa forma. Acho que se fosse mais falado que a mulher não é e nunca será propriedade do prazer masculino muita coisa no mundo ia ser diferente, para melhor!”, deseja. 

“Costumo dizer às minhas VermelhuXas ( termo carinhoso que uso para as Mulheres que me seguem): ‘Um orgasmo por dia, não sabes o bem que te fazia!’”, rematou Xana.