Ucrânia. Em Severodonetsk combate-se rua a rua

Ucrânia. Em Severodonetsk combate-se rua a rua


Os russos lançam assaltos sem sequer terem fechado o cerco à cidade, ansiosos por avançar antes que cheguem armas da NATO. Ucranianos contra-atacam do outro lado do país.


Forças russas, mostrando dificuldade em atravessar o rio Donets para fechar o cerco a Severodonetsk, têm sido pressionadas pelo Kremlin a avançar no Donbass antes que cheguem artilharia e mísseis de longo alcance enviados pela NATO, avançaram sobre a cidade. Envolveram-se em brutais combates urbanos rua a rua, casa a casa, que até agora têm tentado evitar. Estima-se que o Kremlin tenha empenhado mais de uma dezena de milhares de militares no ataque a Severodonetsk. na expectativa de se poder gabar de ter tomado Lugansk inteiro. Já a esperança da Ucrânia é que Vladimir Putin tenha esticado demasiado as suas forças, deixando Kherson desprotegida, tendo os ucranianos aproveitado para lançar um contra-ataque nesta região sulista. 

Entretanto, Severodonetsk virou inferno, passando os últimos dias debaixo de duros bombardeamentos russos, procurando devastar as suas defesas antes de um assalto final. “Infelizmente, tenho notícias desapontantes”, anunciou o governador de Lugansk, Serhiy Haidai, esta segunda-feira, cabisbaixo perante as câmaras da televisão ucraniana. “O inimigo está a avançar dentro da cidade”.

A qualquer momento, a Ucrânia pode ter de decidir retirar as suas tropas de Severodonetsk ou vê-las cercadas e esmagadas, como se viu em Mariupol, na metalurgia de Azovstal. Por um lado, essas forças acabaram mortas ou capturadas. Por outro, a sua feroz resistência, ao longo de meses, manteve ocupadas as tropas russas que poderiam ter sido muito úteis ao Kremlin noutro lado. “É possível que, de maneira a não serem cercados, eles tenham de partir”, admitira Haidai à BBC, referindo-se aos defensores de Severodonetsk, o fim de semana passado. 

A verdade é que as tropas da Ucrânia já não têm muito que defender em Severodonetsk, estimando-se que cerca de 90% dos edifícios desta cidade – onde se teme que entre 12 a 13 mil civis não tenham conseguido fugir, estimando-se que uns 1500 já tenham sido mortos – estejam destruídos ou danificados.

“O exército ucraniano não se pode permitir a perder tantos soldados quanto os russos”, apontou Oleh Zhdanov, um analista militar ucraniano, à Associated Press. Já os russos têm pressa porque “o Kremlin reconheceu que não se pode dar ao luxo de perder tempo”, continuou Zhdanov. “E que devia usar a sua última hipótese de estender o território controlado por separatistas, porque a chegada de armas ocidentais à Ucrânia pode torná-lo impossível”.

Por agora, Severodonetsk está com a sua eletricidade e água cortadas, tendo as autoridades locais admitido que a cidade está, no mínimo, a enfrentar um cerco tático. Ou seja, que forças russas conseguem atingir com a artilharia a estrada para sul, rumo a Bakhmut, de onde ainda iam chegando reforços ucranianos nos últimos dias. Os invasores têm-se focado no sudeste e nordeste de Severodonetsk, onde se começa a sentir um “terrível cheiro a morte”, contou o governador de Lugansk à Reuter. 

“Usam as mesmas táticas uma e outra vez. Eles bombardeiam durante horas – três, quatro, cinco horas – seguidas e depois atacam”, explicou Haidai, descrevendo exatamente a doutrina militar russa, que há semanas não se via em prática, com os invasores a limitarem-se a bombardear, tentando poupar as suas tropas após sofrer duras baixas nas ofensivas a norte de Kiev e contra Kharkiv. “Aqueles que atacam morrem. Depois bombardeiam e segue-se um ataque outra vez, por aí em diante, até que consigam avançar em algum lado”.

Não espanta que tenham sido enviados para a linha da frente de Severodonetsk unidades dos kadyrovsky, as brutais milícias leais a Ramzan Kadyrov, conhecido como o senhor da guerra favorito de Putin, que governa a Chechénia com mão de ferro. Tratam-se de tropas muito versadas em combate urbano, como o que decorre em Severodonetsk, com a experiência que lhes trouxe a guerra na Chechénia, cuja capital, Grosny, foi arrasada. Vídeos divulgados nas redes sociais, geolocalizados pela CNN, mostram unidades chechenas no sudeste da cidade, onde decorrem os combates mais duros. 

Já na sua terra natal, cada vez mais homens em idade militar fogem para o estrangeiro, receosos de serem chamados a combater. Talvez saibam que correm o risco de ser colocados no meio dos combates mais mortíferos – dada a ânsia de Kadyrov de impressionar Putin, tentando provar que a fama dos chechenos, enquanto povo de guerreiros das montanhas, é justificada – ou simplesmente tenham visto demasiados entres queridos mortos e estropiados “Tenho estado a chorar o dia todo”, contou uma chechena ao Telegraph, após o filho voltar ferido da Ucrânia. “A perna dele foi arrancada por um bombardeamento. Claro, ninguém na Chechénia está contente com esta operação especial”, lamentou. 

Os contra-ataques Do outro lado do país, perto de Kherson, os contra-ataques ucranianos procuravam cortar as linhas de abastecimento russas, tendo o Estado Maior do exército da Ucrânia anunciado ter tomado várias aldeias e empurrado as forças do Kremlin para “posições defensivas pouco favoráveis”, em combates que decorrem desde este domingo. 

Kherson pode ter sido a primeira grande cidade ucraniana a cair nas mãos dos invasores, mas estes acabariam por se aperceber que tão cedo não conseguiriam seguir daí para Odessa, uma cidade portuária estratégica, tendo sido travados pela resistência em Mykolaiv. Agora, é a partir daí que partem os contra-ataques ucranianos, 

“Não parece provável que o contra-ataque ucraniano retome território substancial a curto prazo, mas provavelmente perturbará operações russas”, avaliou o mais recente relatório do Institute for the Study of War. Frisando que isso não só tornará mais difícil concretizar a anexação de Kherson, como pode “potencialmente obrigar a Rússia a colocar reforços na região de Kherson, que é mantida maioritariamente por unidades de qualidade inferior”. O que dificultaria a concentração das forças russas do outro lado do país, no Donbass.