Roe v. Wade (III)


A proibição, em 1973, da criminalização do aborto, por via da decisão do Supreme Court, suscitou por parte de vários Estados federados uma reacção legislativa destinada a testar os limites da decisão no caso Roe v. Wade. 


A primeira linha de reacção incluiu a criação, por via legislativa, de obstáculos (undue burden na terminologia do Supreme Court no caso Casey) de natureza procedimental (proibição ou restrição das ofertas de planeamento familiar) e administrativa (número de consultas obstétricas e de opiniões de obstetras necessárias para autorizar o aborto) ou financeira (proibição de financiamento público de clínicas de planeamento familiar que promovessem ou praticassem abortos). Seguiram-se as normas dos Estados federados destinadas a centrar a discussão na colisão de direitos, multiplicando os titulares de um direito de participação no processo de tomada da decisão abortiva: necessidade do consentimento dos titulares do poder paternal no caso da gravidez de menores, exigência do consentimento por parte do cônjuge ou do putativo progenitor. Uma terceira via explorava uma das fragilidades da decisão Roe v. Wade: a fixação, com argumentos “científicos”, da viabilidade do feto numa base trimestral, contrapondo os resultados da evolução do conhecimento científico em matéria de biologia.

Confiando nos sucessivos test cases apresentados ao Supreme Court, vários Estados federados aprovaram legislação condicional, criminalizando o aborto, ou certas categorias de aborto, se e quando o Supreme Court viesse a reverter Roe v. Wade. A extensão destes tipos penais in statu nascendi varia em função da força e da agenda política dos movimentos anti-aborto nos  Estados federados, incluindo em alguns a criminalização do aborto desde a fecundação, em caso de violação ou do aborto eugénico.

Em 1992 o Supreme Court teve oportunidade de revisitar Roe v. Wade, passando a minoria de 2 para 4 vencidos. A maioria no caso Planned Parenthood v. Casey foi a mínima consentida pela matemática: 5 (em 9) e numa situação de “plurality opinion” (num Tribunal dividido o mínimo denominador comum – que obtenha 5 votos – é construído a partir das várias declarações de voto,  sendo a decisão maioritária obtida a partir da interpretação de diversos segmentos das declarações concordantes e dissidentes).

A maioria (que contou com 3 juízes nomeados por Presidentes republicanos) manteve a proibição de criminalização do aborto, assente no direito à privacidade e no substantial due process da XIV emenda, ainda que tenha afastado o automatismo dos limites temporais trimestrais. Ao discutir a possibilidade de reverter Roe v. Wade, mais do que os limites formais do stare decisis (que tinha acabado de ultrapassar quanto ao limite temporal), construiu uma defesa daquilo que, na Europa continental, identificamos como tutela da confiança investida pelo cidadão nas acções do Estado: “The Roe rule’s limitation on state power could not be repudiated without serious inequity to people who, for two decades of economic and social developments, have organized intimate relationships and made choices that define their views of themselves and their places in society, in reliance on the availability of abortion in the event that contraception should fail. The ability of women to participate equally in the economic and social life of the Nation has been facilitated by their ability to control their reproductive lives. The Constitution serves human values, and while the effect of reliance on Roe cannot be exactly measured, neither can the certain costs of overruling Roe for people who have ordered their thinking and living around that case be dismissed.” [continua]

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

Roe v. Wade (III)


A proibição, em 1973, da criminalização do aborto, por via da decisão do Supreme Court, suscitou por parte de vários Estados federados uma reacção legislativa destinada a testar os limites da decisão no caso Roe v. Wade. 


A primeira linha de reacção incluiu a criação, por via legislativa, de obstáculos (undue burden na terminologia do Supreme Court no caso Casey) de natureza procedimental (proibição ou restrição das ofertas de planeamento familiar) e administrativa (número de consultas obstétricas e de opiniões de obstetras necessárias para autorizar o aborto) ou financeira (proibição de financiamento público de clínicas de planeamento familiar que promovessem ou praticassem abortos). Seguiram-se as normas dos Estados federados destinadas a centrar a discussão na colisão de direitos, multiplicando os titulares de um direito de participação no processo de tomada da decisão abortiva: necessidade do consentimento dos titulares do poder paternal no caso da gravidez de menores, exigência do consentimento por parte do cônjuge ou do putativo progenitor. Uma terceira via explorava uma das fragilidades da decisão Roe v. Wade: a fixação, com argumentos “científicos”, da viabilidade do feto numa base trimestral, contrapondo os resultados da evolução do conhecimento científico em matéria de biologia.

Confiando nos sucessivos test cases apresentados ao Supreme Court, vários Estados federados aprovaram legislação condicional, criminalizando o aborto, ou certas categorias de aborto, se e quando o Supreme Court viesse a reverter Roe v. Wade. A extensão destes tipos penais in statu nascendi varia em função da força e da agenda política dos movimentos anti-aborto nos  Estados federados, incluindo em alguns a criminalização do aborto desde a fecundação, em caso de violação ou do aborto eugénico.

Em 1992 o Supreme Court teve oportunidade de revisitar Roe v. Wade, passando a minoria de 2 para 4 vencidos. A maioria no caso Planned Parenthood v. Casey foi a mínima consentida pela matemática: 5 (em 9) e numa situação de “plurality opinion” (num Tribunal dividido o mínimo denominador comum – que obtenha 5 votos – é construído a partir das várias declarações de voto,  sendo a decisão maioritária obtida a partir da interpretação de diversos segmentos das declarações concordantes e dissidentes).

A maioria (que contou com 3 juízes nomeados por Presidentes republicanos) manteve a proibição de criminalização do aborto, assente no direito à privacidade e no substantial due process da XIV emenda, ainda que tenha afastado o automatismo dos limites temporais trimestrais. Ao discutir a possibilidade de reverter Roe v. Wade, mais do que os limites formais do stare decisis (que tinha acabado de ultrapassar quanto ao limite temporal), construiu uma defesa daquilo que, na Europa continental, identificamos como tutela da confiança investida pelo cidadão nas acções do Estado: “The Roe rule’s limitation on state power could not be repudiated without serious inequity to people who, for two decades of economic and social developments, have organized intimate relationships and made choices that define their views of themselves and their places in society, in reliance on the availability of abortion in the event that contraception should fail. The ability of women to participate equally in the economic and social life of the Nation has been facilitated by their ability to control their reproductive lives. The Constitution serves human values, and while the effect of reliance on Roe cannot be exactly measured, neither can the certain costs of overruling Roe for people who have ordered their thinking and living around that case be dismissed.” [continua]

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990