Com o som de um divertido sintetizador, uma linha de baixo que podia ser retirada de um disco de funk dos anos 1970, somos introduzidos a ‘Music for a Sushi Restaurant’, tema dedicado a uma pessoa “de olhos verdes” e tão escaldante “que era possível cozinhar um ovo nela”.
Esta é a primeira música do disco Harry’s House, terceiro álbum a solo do inglês Harry Styles, ex-membro dos One Direction que revitalizou o seu percurso com uma das mais interessantes carreiras a nome próprio de que há memória.
Depois do sucesso do disco homónimo (2017), com o megassucesso ‘Sign of Times’, que valeu uma capa e um artigo na revista Rolling Stone, escrito pelo realizador Cameron Crowe, e da gigante aclamação comercial e critica de Fine Line (2019), Styles continua a sua senda de interessantes trabalhos com este novo disco.
Com músicas orelhudas, não fosse o passado do músico no seio de uma das mais bem-sucedidas boy bands modernas, que dão vontade de gritar a plenos pulmões, imaginamos os fãs no Altice Arena, onde o músico vai atuar no dia 31 julho, a cantar em uníssono “You know it’s not the same as it was”, refrão do primeiro single do disco, ‘As It Was’, que deve muito à pop de 1980, nomeadamente dos A-ha, mas também com uma enorme sensibilidade e respeito por estilos musicais como o rock alternativo, nas guitarradas de ‘Daylight’, ou ao folk de cantautores, na balada ‘Matilda’.
Com apenas 28 anos, a carreira de Styles volta a atingir mais um pico estratosférico de sucesso que, agora, parece estar a ser cada vez mais validado pela crítica como por um público mais abrangente.
Mas nem sempre foi assim.
Nascido e criado em Holmes Chapel, Cheshire, com a sua irmã, mãe e padrasto, desde muito cedo que Styles demonstrou uma grande paixão pela música, algo que foi, desde muito cedo, reconhecido pelo público.
Em 2010, com 16 anos, tal como tantos outros talentos antes dele, como Leona Lewis, voz da música Bleeding Love, James Arthur ou Olly Murs, Styles concorreu ao programa X Factor. O juiz Simon Cowell rapidamente percebeu o talento do jovem e juntou-o a outros quatros rapazes, Niall Horan, Liam Payne, Louis Tomlinson e Zayn Malik, para formar os One Direction, e o resto é história.
No espaço de seis anos, este conjunto vendeu mais de 70 milhões de discos em todo o mundo, o que os torna a boy band mais bem sucedida comercialmente de sempre, e adquiriram um nível de fama global com o seu grupo de fãs leais, os directioners.
Depois de seis anos de muitos sucessos, de ‘What Makes You Beatiful’ a ‘Drag Me Down’, e algumas controvérsias, como o movimento #CutForZayn, onde fãs do grupo se mutilavam e publicavam fotografias na internet de forma a tentar convencer Zayn a mudar de ideias depois deste ter anunciado que iria abandonar o grupo, os One Direction entrariam num hiato em 2016.
Mas isto não seria um ponto final para a carreira de Harry, pelo contrário, seria um novo começo.
Com mais experiência e tempo de estúdio, o músico decidiu romper com o seu passado e, influenciado por grupos de rock clássico, como Fleetwood Mac (tendo inclusive recebido elogios de Mick Fleetwood durante uma entrevista com a Vogue), os Beatles ou os Pink Floyd, criou um novo estatuto, ultrapassando o título de “menino bonito da pop” e erguendo-se como um “verdadeiro príncipe do rock ‘n’ roll”, descreveu Rob Sheffield da Rolling Stone.
Com o contagiante e épico single ‘Sign of the Times’, e acabado de fazer a sua estreia enquanto ator no filme do realizador Christopher Nolan, Dunkirk (2017), Styles afirmava-se como uma das maiores estrelas do planeta.
A sua progressão continuaria no aclamado Fine Line, um álbum onde continuou a explorar as suas paixões mais rockeiras, citando como inspirações David Bowie, Van Morrison, Paul McCartney ou Joni Mitchell, mas também onde se nota uma crescente maturação no trabalho em estudo, com uma produção impressionante e letras confessionais onde aborda a sua relação amorosa com a modelo Camille Rowe.
“Se existe um argumento para a existência de uma masculinidade não tóxica, o Harry Styles deve tê-lo encontrado”, escreve Nick Catucci da revista norte-americana de música, enquanto outros apontaram para a natureza “melancólica” do disco escondida entre músicas repletas de energia e felicidade.
Em Harry’s House prestou homenagem ao músico japonês Haruomi Hosono e ao seu disco de 1973, Hosono House, apesar do músico ser criticado por não ter mergulhado mais profundamente na parte confessional das suas letras.
“Styles é um artista tão magnético no palco, um sujeito de entrevistas tão provocante e um modelo destemido andrógino que os seus discos parecem oportunidades perdidas”, lamentou Lindsay Zoladz do New York Times. “Harry’s House é um disco pop leve, divertido e de verão, mas há um vazio no centro; no final, o ouvinte tende a sentir-se mais intimamente familiarizado com os objetos das suas afeições do que com o mundo interno do próprio personagem-título”, conclui.
Mas esta parece ser a menor das preocupações para Harry. Neste disco o cantor aproveita para mergulhar num novo mar de oportunidades e sons que, unidos com a sua forte e carismática personalidade, fazem com que este se distinga e sobreponha aos restantes membros dos One Direction, dando origem a um disco divertido e que chega mesmo a tempo do verão e do seu escapismo.
Mesmo não exorcizando todos os seus problemas ou não atingindo um certo nível de catarse pessoal, Styles está a vincar cada vez mais o seu cunho pessoal e parece divertir-se pelo caminho.
Só o futuro dirá qual será o próximo passo do músico inglês, mas uma coisa é certa, com a sua constante evolução, certamente será mais um passo interessante.
Para já vamos desfrutar. Vamos entrar na casa de Harry, deitar-nos no sofá, ouvir ‘Daylight’ de olhos fechados e apreciar o quanto o músico evoluiu desde que surgiu em cena com o seu longo cabelo ondulado e olhar inocente a cantar sobre o que nos faz ser bonitos.