Os grandes eventos das últimas semanas, como os festejos do título do FC Porto e a queima das Fitas do Porto, contribuíram para acelerar os contágios nesta sexta vaga de covid-19. A ligação é feita por Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública e médico no Porto, que chama a atenção para como vários casos têm sido associados a este tipo de eventos de massas e alerta que, perante a elevada transmissão e aproximando-se as festas populares, cuidados como o uso de máscara em grandes aglomerados devem ser reforçados.
Depois da Queima das Fitas do Porto de 1 a 7 de maio, nos últimos dias teve lugar a Queima das Fitas de Lisboa. E se os casos aumentaram mais no Norte, onde no final da semana passada o RT era de 1,30, o mais elevado do país segundo o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, poderá seguir-se o impulso a sul, onde de resto os internamentos de pessoas infetadas também já estão a aumentar.
O médico de Saúde Pública considera a situação epidemiológica no país “muito pouco confortável” e defende que a solução não passa por limitar eventos mas reintroduzir alguma sensibilização na população e reintroduzir o uso obrigatório de máscaras em espaços fechados e testes gratuitos.
“No terreno acabamos por estar mais com os idosos, que não sabem onde se infetaram e tem havido casos em praticamente todos os lares. Mas temos tido reporte de casos associados aos festejos do FC Porto e da queima das Fitas, como é esperado em todos os momentos em que as pessoas estão concentradas num espaço exíguo por um período prolongado de tempo, o que é verdade também para todos os festejos como festas familiares e casamentos”, diz Gustavo Tato Borges, somando-se também os relatos de contágios nesses contextos.
“Penso que neste momento o que deve ser feito é sensibilizar as pessoas para não ignorarem a pandemia e adotarem comportamentos cautelosos no seu dia-a-dia em função do risco. Obviamente que havendo um festejo familiar como um casamento, será difícil evitar a ida a menos que se trate de alguém doente com maior risco, mas há mecanismos que podemos usar: manter o cuidado de usar máscara quando estamos num grupo com mais pessoas, arejarmos espaços fechados, ao primeiro sintoma respiratório usar máscara para ir trabalhar e fazer um teste”, elenca o médico, dando um exemplo: “Eu próprio pensei ir aos festejos do FC Porto, mas se tivesse ido teria levado uma máscara FP2 e estaria no meio da festa com essa máscara por ter a perceção de ser uma situação de elevado risco de contágio”, diz, deixando o alerta: “Se não conseguirmos conter esta onda, vamos ter um verão mais atribulado do que aconteceu há um ano”.
E reforça por isso o apelo deixado já na semana passada ao Governo, que optou por não recuar nas medidas: “Penso que neste momento o único local em que se poderia manter o alívio das máscaras em espaços fechados seria nas escolas, nas salas de aula, com as janelas abertas e a porta aberta, para potenciar o ensino e tentar minimizar um pouco o prejuízo que os alunos já tiveram. Tirando este contexto, o regresso do uso obrigatório de máscara e dois testes gratuitos mensais seriam dois passos extremamente importantes para podermos voltar a conter esta onda e alinharmos com a Europa, porque se virmos apenas Portugal e Irlanda têm os casos a crescer. Precisamos de voltar a ter esta epidemia debaixo de controlo”, defende Gustavo Tato Borges, considerando que a alteração passará sempre por ajustes de comportamento.
“Acho que a mensagem que acabou por passar para as pessoas foi de libertação, de que acabou. Penso que não terá sido essa a mensagem que o Governo quis passar, até porque o primeiro-ministro continuou a usar máscara e também a ministra da Saúde, mas a mensagem não foi bem trabalhada no sentido de explicar que deixando de ser obrigatória, não deixava de ser precisa”, conclui.
Primeiros a enfrentar a BA.5 Esta terça-feira, diminuíram os diagnósticos face ao dia anterior, mantendo-se na casa dos 30 mil. Só os próximos dias poderão mostrar se há um abrandamento e se é geral ou regional. A positividade aproxima-se dos 50%, o que indicia que há muito mais vírus a circular do que o que é diagnosticado e mais do que em vagas anteriores, o que também se explica pela alteração na testagem. Na África do Sul, a nova vaga associada à BA.5 terá já atingido o pico, e relativamente rápido, mas a positividade está na casa dos 23%.
Se Portugal é o primeiro país europeu a enfrentar a força desta nova linhagem da Omicron, para João Paulo Gomes, responsável pela vigilância da diversidade genética do SARS-COV-2 no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, o mais provável é que outros países venham a passar pelo mesmo.
“A explicação para termos sido o primeiro país europeu poderá ser ter havido várias introduções da BA.5 ao mesmo tempo e o timing em que isso aconteceu, mas vemos que está também agora a aumentar em Espanha”, disse ao i o investigador. “O que estamos a viver em Portugal vai com certeza passar-se noutros países com um atraso de algumas semanas”, antecipa João Paulo Gomes, esperando um período de maior acalmia no verão, mas não porque o SARS-CoV-2 vá desaparecer ou não possam surgir mais variantes: as pessoas tenderão a estar mais em espaços ao ar livre, diminuindo a probabilidade de contágio. O facto de o vírus manter uma elevada transmissão nesta altura do ano é para já um dos motivos de surpresa, contrariando a ideia de uma circulação sazonal.
Hospitais de novo sob pressão
Camas e equipas afetadas O aumento de doentes com covid-19 está a obrigar mais uma vez os hospitais a fazer ginástica. Ontem o São João, no Porto, anunciou que decide até sábado se eleva o plano de contingência, o que pode adiar cirurgias. O responsável pela resposta, Nelson Pereira, pediu a generalização do acesso a testes para aliviar as urgências. Os hospitais estão também a ressentir-se com as baixas: no São João são mais de 200 profissionais infetados.
Em Lisboa, que entrou mais lentamente na 6ª vaga, os internados positivos estão a disparar: ontem, sabe o i, eram 516 e há uma semana 403. O Santa Maria confirmou um recorde de idas às urgências desde o início da pandemia e uma subida dos internados. Entre os doentes em enfermaria positivos, disse ao i fonte oficial do hospital, só 20% estão hospitalizados devido à covid-19, mas a subida obriga a um novo esforço de organização de camas para dar resposta segura a todos os doentes. Neste hospital tem havido, por dia, uma média de nove profissionais infetados.