Escrevia Fernando Pessoa que “a melhor maneira de viajar é sentir”. Talvez possamos olhar para a própria vida como uma viagem, com um ponto de partida e muitos pontos de chegada. Uma viagem feita de histórias, encontros, lugares, cheiros, paisagens e transformações. Uma história que é escrita e reescrita, mutável, complexa e desafiante. Nos livros não é diferente! Abrimo-los e viajamos para lugares do fantástico, encontramo-nos com personagens, assustamo-nos, amamos, conhecemos outras realidades, transportamo-nos para o passado ou o futuro, refletimos sobre o que somos e onde estamos. A literatura tem esse poder e é com o pensamento nessa premissa que esta viagem começa em Lisboa, na ampla estação de Santa Apolónia. Rumo ao norte do país, à Biblioteca Florbela Espanca, que há 16 anos viu nascer aquele que é um dos momentos altos do ano no município de Matosinhos, o Festival LeV: Literatura em Viagem.
Logo na estação veem-se pessoas que viajam sem terem entrado no comboio: livros na mão, olhares fixos nas palavras e o pensamento num lugar que desconhecemos. No interior do Alfa, a imagem repete-se. De carruagem para carruagem saltam à vista os pequenos objetos que vivem das histórias que alguém tem para contar. “Mais importante que o destino é a viagem”, dizia Eduardo Lourenço numa conversa com Fernando Rocha, vereador da Cultura do Município de Matosinhos, em 2005.
A 16.ª edição do LeV – que ficou marcada pelo regresso ao formato presencial (depois de dois anos a apresentar-se online ou em regime misto) – trouxe consigo um total de três dezenas de convidados, entre escritores, jornalistas e comentadores, que refletiram, debateram e colocaram questões que dizem respeito ao ofício da escrita e à leitura. Qual é o papel do silêncio e das palavras na literatura? Até que ponto esta serve para dar voz àqueles que tendem a ser silenciados? Um bom livro deve ser moral? A arte vale só pela arte? Qual é o lugar de um biógrafo numa obra? Quanto de verdade há na ficção? A Biblioteca Municipal Florbela Espanca foi ainda palco de entrevistas, concertos, programação infantil e duas exposições, uma documental, dedicada a António Nobre, e uma fotográfica, de Alfredo Cunha.
“Muitas trocas, muitas risadas, muitas asneiras” No fim das grande escadaria que dá acesso à entrada principal da “casa dos livros” de Matosinhos, já se ouve o burburinho. As pessoas cumprimentam-se como se o encontro estivesse marcado de antemão todos os anos. A maior parte das pessoas traz consigo livros ou cadernos de apontamentos. Junto à porta, salta à vista uma senhora na casa dos 70 anos, aprumada, que segura uma bengala: “Conheci o festival antes mesmo de ele ter nascido e, até agora, ainda não perdi nenhum! Na altura foi aliciante! A Câmara chamou gente nova de Matosinhos e nós demos um contributo muito grande, houve muita adesão, vinha muita gente. Acho que vinha muito mais gente do que vem agora. Sempre foram momentos muito altos, de muitas trocas, muitas risadas, muitas asneiras”, descreve ao i Isabel Lagas, natural de Matosinhos. O festival “é mesmo o género cá da terra”, diz.
“Matosinhos é uma cidade muito grande atualmente, mas no meu tempo era uma terra muito pequena, toda a gente se conhecia, andávamos todos na mesma escola. Portanto, as pessoas da minha geração têm uma visão do município completamente diferente desta malta nova! Estamos aqui! Nós temos a ideia de comunidade! Este festival foi formado dessa maneira!”. Considera que o evento dá um “determinado nome à cidade” e que “sem literatura Matosinhos não viveria”.
O Tempo das Mulheres Entre a pequena venda de livros à entrada e a sala onde decorrem as conversas, saltam à vista grandes fotografias a preto e branco das mais diferentes mulheres. Os seus olhares fixam a lente da câmara, dando a impressão de que nos querem dizer alguma coisa. “Somos mulheres ou homens, por um jogo de acasos, desde o momento da conceção. Mas não é esse facto que nos une, a nós, mulheres. Vivemos em hemisférios diferentes, em continentes, países e sociedades desiguais, trilhamos percursos de vida próprios. A desigualdade que nos separa não depende da cor da pele, nem da língua que falamos, do traje que usamos, ou sequer da idade. O que nos torna diferentes é a cultura, as tradições, a circunstância de usufruirmos ou não de direitos. Nada disto depende de nós. O que nos torna diferentes é o facto de sermos livres ou não”, escreve Maria Antónia Palla, no livro que reúne a coletânea de fotografias de Alfredo Cunha, intitulada O Tempo das Mulheres e que dá as boas vindas a todos aqueles que chegam ao Festival. Na exposição, o conhecido fotojornalista português juntou 50 anos de fotografias que revelam a mulher “nos mais variados contextos, um pouco por todo o mundo, demonstrando a diversidade, a beleza e a relevância das mulheres na sociedade”. As pessoas vão-se aproximando de cada uma delas e observam. Quem está acompanhado não resiste em fazer um pequeno comentário: “Meu Deus! Que expressão forte”, diz alguém. “São tão bonitas mas ao mesmo tempo tão dolorosas”, ouve-se dizer outra pessoa.
O tradutor da Bíblia Ao som do início de uma música, o público, como se já conhecesse de cor o sinal, direciona-se para as cadeiras. O evento começa com a entrevista ao escritor e tradutor, especialista em línguas e literaturas clássicas, Frederico Lourenço, que durante uma hora viaja pelo seu livro Pode um Desejo Imenso, reeditado este ano pela Quetzal. Na conversa, o autor explica o seu afastamento da ficção para se dedicar à tradução de grandes clássicos do grego e do latim, com um interesse crescente por estas obras: “Houve o papel determinante de um aluno, que me perguntou por que não havia a tradução dos clássicos. E então comecei a dedicar-me a isso, a gostar, e tem um valor incomparavelmente superior a qualquer coisa que eu escreva minha”, defendeu o responsável pela tradução da Odisseia e de Ilíada, de Homero, explicando que gosta muito mais de ficar em “segundo plano” e ser um “servo de grandes autores”. O livro de 2005 dividiu os leitores: uns adoraram, outros odiaram, outros ainda interrogaram se seria literatura gay (o livro conta a história de um romance platónico entre um aluno e um professor catedrático) e houve até quem questionasse a qualidade da obra. A receção, admitiu Frederico Lourenço, levou-o a refletir sobre o que é “boa literatura” e a começar a “inibir-se”, porque “a fasquia estava tão inatingível”. Relativamente à tradução da Bíblia, cujo primeiro volume saiu em 2016, o tradutor afirmou que “se tem de ter atenção a cada palavra” e que tem sido uma viagem “extraordinária”, mas, tal como num carro, “há momentos onde se fica sem combustível”, comparou. “Momentos em que se deve fazer uma pausa e respirar”, frisou. Além disso, sente que o seu trabalho é fundamental. “O que é que vai acontecer ao conhecimento grego e latim?”, interrogou. “Já não é ensinado da mesma forma e por isso quero deixar o trabalho feito. Quero que seja um apoio para os estudiosos. Que seja útil!”.
O silêncio e o ruído na literatura Na segunda mesa de debate do LeV, falou-se de silêncio e ruído e dos espaços que ambos ocupam tanto na literatura como na vida, “num período em que somos invadidos pelos mais diversos estímulos que nos disturbam as atenções”. No pequeno palco, ocupado por cadeirões brancos, encontra-se Afonso Reis Cabral – que em 2014, ganhou o Prémio LeYa com o romance O Meu Irmão e que entre Abril e Maio de 2019, percorreu Portugal a pé ao longo dos 738,5 quilómetros da Estrada Nacional 2, tendo registado a viagem no livro Leva-me Contigo (ed. Dom Quixote) –, a escritora, cronista, poeta e dramaturga, Cláudia Lucas Chéu, Joana Bértholo, também escritora e dramaturga, e a professora Ciência Política da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho Patrícia Fernandes, moderadora do debate. “No mundo atual o silêncio parece tão difícil de ser encontrado. Como é que isso pode deturpar a nossa relação com a natureza e vivência em termos naturais? É possível viver períodos de silêncio nos dias de hoje?”, interrogou a última.
Apesar de trabalhar muito a nossa relação com a natureza, sobretudo através da linguagem, Joana Bértholo fez questão de salientar que é uma pessoa “bastante urbana” e questionou certas ideias feitas, como “a de que a natureza é silenciosa”. “Não é necessariamente assim, pode ser muito ruidosa e pode ter a sua forma de linguagem! Não contém palavras, mas contém comunicação. No meu último trabalho tentei explorar essa possibilidade da comunicação humana e não humana. O que é que as folhas diriam se pudessem falar? As montanhas? Os rios? Acho que a ficção pode ser um bom laboratório para pensarmos no que estamos a fazer às coisas que nos rodeiam e o que é que elas diriam se pudessem falar”, refletiu.
Já Afonso Reis Cabral, admitiu que quando começou a sua viagem a pé pela N2 “não sabia exatamente aquilo de que estava à procura”. “O que era certo para mim é que tinha acabado de publicar o Pão de Açúcar e estava a precisar da ideia de retiro. Há muito a ideia de que a natureza é silenciosa, eu não idealizava essa ideia. Idealizava muito mais a ideia de um homem sozinho, no meio da natureza, posto como um desafio. De conseguir também encontrar o outro!”, elucidou. “Aproveitei a viagem para, nos vários silêncios a que estava submetido – numa estrada sem ninguém – que esse silêncio fosse quebrado pelas pessoas. Encontrava-as e metia-me com elas: ‘Olá! Eu sou o Afonso. Desculpe lá, de onde é que eu venho?’ A pessoa ficava a olhar para mim com estranheza, claro. Outras vezes perguntava para onde é que ia… Isso foi um mecanismo para desbloquear o nosso silêncio, o silêncio que existe entre uma pessoa e outra. Até de nós para nós”. Questionou também: “Até que ponto nós nos conhecemos plenamente em silêncio?”. “Eu não concordo muito com a ideia de que nós somos silêncios e solidões acompanhadas”.
Já no contexto do teatro, o espectador deixa-se envolver tanto pelas histórias e atmosferas como pelos próprios silêncios. Mas, segundo Cláudia Lucas Chéu, hoje em dia essa experiência é perturbada pela tecnologia. “Há cada vez mais pessoas a filmar os espetáculos, a fotografar, ou mesmo a fazer lives durante o espetáculo. Será que acham que os atores têm uma parede e que não estão a ver o que está a acontecer do outro lado? Muito pelo contrário. É perceber que os espectadores não estão a aproveitar, estão a dispersar. Isso é ruído!”, sublinhou. Para Joana Berthólo, isso deve-se a “uma tendência à tentação dos múltiplos estímulos”. “Mesmo que a experiência única não seja silêncio – hoje em dia, uma experiência de silêncio e de entrega total, poderia ser ouvir um álbum de música do princípio ao fim –, já não acontece. Estamos sempre a fazer várias coisas ao mesmo tempo e isso cria uma ideia de ruído”, afirmou, admitindo que ela própria sente dificuldade em encontrar espaços para se dedicar realmente à leitura.
Interrogados até que ponto a arte serve para dar voz aqueles que são silenciados, Cláudia Lucas Chéu admite ser muito adversa à “ideia didática da coisa”, do objeto artístico. “Interessa-me que tenha algum alcance político, no sentido de mexer com as pessoas, de atingi-las nesse sentido. Aproveito esse poder. Acredito que a arte tem o poder de uma arma”, explicou.
Afonso Reis Cabral revela que as suas motivações literárias e artísticas são outras. “O que me interessa, por exemplo, no meu livro sobre a Gisberta – a mulher trans que em 2006 foi encontrada morta na cidade do Porto, em Portugal, após ser agredida e violada –, é como a natureza está posta. Como é que eu consigo, num caso real, transformá-lo em literatura e construir personagens cuja natureza humana está no limite. N’O Meu irmão falo sobre um professor universitário que tem um irmão com síndrome de Down. Ora se eu disser que o meu intuito pseudo-político era alertar as pessoas para a condição das pessoas com trissomia 21, estava a mentir. O meu intuito é escrever uma peça literária, um bom livro. E acho que esse é o único dever de um escritor!”, defendeu.
Falta de tempo para ler Numa das cadeiras do auditório encontra-se uma jovem cheia de livros na mão. “Este foi o primeiro ano em que ouvi falar deste festival. Eu sou daqui e recebi em casa o jornal da Câmara onde aparecem todos os acontecimentos culturais destes próximos meses”, explica-nos Inês Ramalho, de 24 anos. Veio especialmente para ouvir o médico intensivista Gustavo Carona. “Li o último livro dele, já antes da pandemia, gostei muito e quando vi que ele ia estar presente quis muito vir ouvi-lo. Não conheço os outros dois oradores, mas com certeza que será muito enriquecedor ouvir as várias perspetivas. Debates deste tipo são muito importantes, principalmente porque há várias visões de um só tema, neste caso a guerra na Ucrânia”, acredita. Apesar de gostar de ler, Inês lamenta a falta de tempo para dedicar aos livros. “Apesar disso, obviamente que reconheço a extrema importância da literatura: abre portas, dá-nos outras informações que a televisão e as redes sociais não dão, permite-nos sair da nossa bolha, da nossa zona de conhecimento. Ler um romance, por exemplo, permite-nos viajar por outros períodos históricos, conhecer diferentes pessoas, maneiras de ver o mundo”, enumera. Questionada sobre a maneira como a sua geração se relaciona com os livros, a sua resposta vai ao encontro da ideia de Joana Bértholo: “Há tantos estímulos em tantos sítios que é muito fácil a nossa atenção dispersar-se para entretenimento que se calhar não nos vai ajudar a construir um mundo melhor (como acredito que a literatura faz)”.
A herança “asquerosa” que deixamos aos nossos filhos A incerteza quanto ao futuro depois da guerra na Ucrânia marcou outro dos debates do LeV, onde se falou da culpa da Europa e antecipou o fim da ONU e a desintegração da Rússia. A sala começa a encher à medida que decorre a mesa de debate sobre “A geografia do medo”. O jornalista e comentador José Milhazes – que foi correspondente em Moscovo durante 16 anos – mostra-se “pessimista” com o progredir da guerra na Ucrânia e da invasão pelas tropas russas: “Deixamos uma herança asquerosa aos nossos filhos, um mundo instável. O mundo que recebemos acabou a 24 de fevereiro. Hoje vivemos num mundo de incertezas. Temos que nos preparar para isso, todos, recordar os bons momentos do mundo que vivemos no passado, porque o que se aproxima é extremamente perigoso. Não estou a falar que haja guerra nuclear, não quero acreditar, embora já nada me estranhe”. Milhazes acredita que a situação que atualmente se vive “era previsível e tudo se resume a dinheiro”. “O facto de estarmos nesta situação é culpa do Putin, mas a Europa e os dirigentes escolhidos também a têm”, defende. A guerra, considera, “vai transformar tudo”, embora persista a dúvida sobre o que vai acontecer. A Organização das Nações Unidas (ONU), poderá não resistir: “O que vai ser feito da ONU? Provou-se que não serve para nada, teve um papel importante depois da Segunda Guerra Mundial, funciona do ponto de vista humanitário, mas não de solução desses problemas”. No debate, que contou também com a participação da enfermeira Carmen Garcia e do médico Gustavo Carona, falou-se também da diferença de tratamento da Europa aos refugiados ucranianos, em comparação com refugiados oriundos de África ou do Médio Oriente. O médico recordou que a “Ucrânia não está sequer no ‘top 30’ dos dramas do mundo” e considerou tratar-se de uma questão de “racismo”. Carmen Gacia, por seu lado, considerou não ser “justo passar a borracha do racismo” sobre este assunto, ancorando-se no facto de a psicologia explicar a “empatia por quem nos está mais próximo” e que há uma “agenda mediática” que mostra o terror que se vive na Ucrânia, tornando mais real, e portanto “mais fácil de gerar empatia, do que o da Síria ou do Iémen, de que se tem conhecimento, mas do qual se tem apenas uma representação”.
O biógrafo com a obra Um dos momentos mais aguardados do Festival era a conversa entre o escritor norte-americano Benjamin Moser – conhecido pelas suas aclamadas biografias de Clarice Lispector e, mais recentemente, de Susan Sontag, que venceu o Pulitzer –, a jornalista Isabel Lucas e o biógrafo brasileiro Lira Neto, sob o tema “Territórios literários”. Com a moderação da também jornalista Maria João Costa, os escritores debruçaram-se sobre as fronteiras da biografia e falaram sobre as suas experiências enquanto biógrafos. Para o académico norte-americano, escrever uma biografia é “colocar-se no lugar do biografado, e nesse papel são logo determinadas as fronteiras em relação ao que se seleciona escrever”: “Há uma coisa física, mas às vezes estou a fazer um capítulo e esse capítulo não quer ser escrito, resiste, e a coisa ‘vai-te’ dando indicações. Não é algo místico, mas há coisas que o escritor nasceu para contar, como é o caso de Susan Sontag”, afirmou, acrescentando que, numa biografia, “o encanto de escrever é que está tudo em aberto e pode-se pôr a sensibilidade em mil coisas”. Já o escritor brasileiro Lira Neto, que residente em Portugal há quatro anos, afirmou que há sempre questões que o biógrafo acaba por colocar a si mesmo, como “até onde pode ir a biografia” ou quais os seus limites éticos“: “Toda a biografia é uma espécie de autobiografia, porque, se se entregarem os mesmos documentos a pessoas diferentes, saem biografias diferentes”, elucidou. “O jornalista e o biógrafo não entram em conflito porque a biografia é uma zona de fronteira. Quando pensamos nisso, tendemos a acreditar que são áreas limites. Para mim é outra coisa: é uma zona de intersecção, de confluências e influências mútuas. É o contrabando de signos, recursos e artifícios entre jornalismo, história e literatura”, afirmou, sublinhando que não deixa que “a imaginação preencha as lacunas da investigação”. Enquanto Lira Neto, depois de sete anos a estudar e a escrever sobre Getúlio Vargas, admitiu que, se o encontrasse na rua lhe perguntaria “quem ele é”, Benjamin Moser assegura que sabe quem foi Susan Sontag.
Rap e Hip-hop para atrair as novas gerações Este festival nasceu “com uma explicação muito simples”, conta Fernando Rocha, vereador do pelouro da Cultura do Município. Quando a Biblioteca Florbela Espanca abriu há 17 anos para substituir um espaço sem condições, “achámos que não valia a pena construir um edifício destes, colocar livros nas estantes de abrir as portas”, recorda. Exigia-se mais. Por isso foi delineado um conjunto de atividades “sempre em torno dos livros e da leitura”. “Queríamos também acrescentar qualquer coisa à programação regular, ter um ou dois pontos altos de celebração. Nasceu então a ideia de um festival literário, direcionado para a viagem. Isso nasceu até numa conversa com o professor Eduardo Lourenço. A dada altura estávamos a falar de viagem e ele disse a frase que é, ainda hoje, o mote deste evento: ‘Mais importante que o destino é a viagem!’”, recorda. “Há ainda hoje um certo receio de entrar nestes espaços. ‘É uma coisa para pessoas mais cultas!’, pensam muitos. Nós tentamos desmistificar isso através de um conjunto de outros programas. E o LeV não nasce porque queríamos fazer uma coisa pomposa, quisemos sim fazer um espaço que ao fim e ao cabo é a festa anual dos livros, dos leitores, dos autores”, explica, apontando para as novas gerações. “O afastamento dos jovens destes espaços é uma coisa que nos vem a preocupar.
No nosso plano municipal incluímos, por exemplo, ateliês de escrita, introduzimos a escrita para o hip hop, trouxemos rappers para atrair o público mais novo. Mas de certa forma percebemos que está um pouco a afastar-se deste universo e, como nós não queremos, estamos a fazer um grande enfoque nas novas gerações. Este ano temos o LeVezinho para crianças, muitos destes autores foram até às escolas. Temos que começar pela base. Também temos trazido escritores mais jovens, para existirem coisas mais do ponto de vista do fantástico… Estamos a tentar perceber como é a dinâmica e queremos chegar às pessoas. Sem descurar ninguém, toda a gente é bem-vinda, mas o futuro são as novas gerações”, salienta o responsável pelo pelouro da Cultura.
“Primeiro estão os livros. Os filhos vêm em segundo lugar” A 16.ª edição do festival LeV terminou precisamente por aquele que, para muitos, era o ponto alto do evento: a entrevista ao escritor argentino Alberto Manguel. A jornalista Ana Daniela Soares fez uma viagem pela vida e carreira do autor que, aos 72 anos, escolheu Portugal para se fixar. Na conversa, Manguel fez questão de frisar a importância dos livros na sua vida, que sempre o acompanharam para onde quer que fosse: “Os filhos vêm em segundo lugar! Primeiro estão os livros”, brincou. Nenhum livro que entra na sua casa se vai embora, revelou Manguel. “Até porque nunca sabemos quando é que vamos precisar dos livros”. Por isso, na sua biblioteca tem mesmo livros que não gosta. “Claro que preciso de exemplos de livros mal escritos”, afirmou, fazendo referência a duas obras de Paulo Coelho. E concluiu que um bom livro não precisa de ser moral. “O livro tem a capacidade de nos tornar melhores pessoas, mas não tem essa obrigatoriedade”.
O i viajou a convite da organização do LeV