A anemia do Chega e a paralisia de certas instituições


O Chega está em desagregação, enquanto há instituições públicas que parecem desatentas.


Nota prévia: a Suécia e a Finlândia pretendem entrar para a Nato e deverão conseguir, apesar das fortes reservas da Turquia e da objeção da Croácia. É uma atitude racional de defesa contra o perigo russo, que é real. Dentro em breve, prevê-se que a Irlanda, outro país neutral, também peça a adesão à Nato. A entrada da Finlândia, um dos países mais bem armados do mundo e com mais população preparada para a guerra, é um pesadelo  para a Rússia com a qual partilha uma fronteira de 1300km, havendo um histórico de conflitos entre os dois estados. Uma nova guerra ali seria mais grave que a da Ucrânia. Como recurso bélico, Putin teria de ir quase de imediato para um patamar extremo, o que é, por enquanto, impensável. Portugal apoia naturalmente a pretensão dos dois países nórdicos. Mas talvez fosse oportuno António Costa lembrar aos militantes do partido dos Verdadeiros Finlandeses que somos aquele país que já os ajudou na Segunda Guerra Mundial e que eles tanto denegriram quando precisou de ajuda para evitar a bancarrota gerada pelo PS de Sócrates. Eramos – diziam – os desorganizados e periféricos do Sul, na linha de um imbecil ministro das Finanças holandês e presidente do Eurogrupo, segundo o qual andávamos todos na praia, a beber copos e atrás de mulheres. Isto, bem entendido, sem pôr em causa a entrada finlandesa. É só um “remind” de um país de gente boa.

 

1. O Chega está em desagregação. Sucedem-se convulsões internas, acertos de contas, suspensões, trânsfugas e casos de endogamia política, o que sempre indignou o líder. É um quadro altamente preocupante num partido que nasceu para combater aquilo com que se confronta.  A turbulência geral resulta em parte da circunstância do Chega não olhar a meios para crescer, acolhendo toda a sorte de oportunistas políticos.  Há artistas falhados, apresentadores de televisão esquecidos, ex-bloquistas, neofascistas e dirigentes locais de uma inaudita boçalidade. Resultado: o partido fragmenta-se e perde credibilidade. O Chega só existe na sombra do seu caudilho. Ventura e o Chega são a mesma coisa. Não há nada para além do líder, que aparece em todas as ocasiões possíveis. Ventura não soube lidar com o sucesso e gerir o seu potencial de crescimento. Nem sequer consegue trazer temas novos para a discussão pública. As únicas variantes foram, agora em sede de orçamento, algumas propostas demagógicas que nem as moçoilas radicais do BE se atreveriam a propor. Sempre aqui se disse que o Chega seria um epifenómeno se não soubesse amadurecer, como aconteceu, por exemplo, ao partido de Le Pen ou ao Vox espanhol. É evidente que, entre nós, não há tanto pasto político para isso, uma vez que a emigração permanente e os choques culturais e religiosos não são ainda um problema sensível para os portugueses. A insegurança em certos bairros e a criminalidade são dos poucos temas que Ventura pode explorar, coisa que não faz sistematicamente, talvez por saber serem fenómenos que ligam ao futebol que ele tão bem conhece. A vida para o Chega não está fácil e agrava-se ainda mais por ter a seu lado uma Iniciativa Liberal que atrai os jovens e os bem-pensantes de classe média, fartos do PSD de Rio e órfãos do CDS.  Consciente disso, Ventura procura aproximar as suas propostas das angústias da gente mais excluída. Torna-se cada vez mais, num rival do PCP, que é ainda menos democrático do que o Chega. Valha-nos isso! Ao menos não é fã de Putin, embora não o hostilize muito.

 

2. Em Portugal, temos dezenas de autoridades que diariamente se entregam a uma doce sonolência, fugindo do trabalho não burocrático como o diabo da cruz. São máquinas que só se sobressaltam quando a comunicação social descobre uma escandaleira. Veja-se o caso dos russos de Setúbal, para citar apenas algo recente. Mesmo assim, apesar de noticiados com rigor, há casos a que ninguém dá sequência, nem mesmo as televisões sempre disponíveis para o jornalismo de picanço, que se limita a reproduzir o trabalho de outros média. Vem isto a propósito de uma investigação de fundo que o jornal Tal&Qual desenvolveu nas últimas semanas. Revela-se que, afinal, toda a vasta área da costa alentejana que vai mais ou menos de Pinheiro da Cruz até Melides não pertence a uma empresa americana que ali vai instalar um hiper-luxuoso resort turístico, promovido por Jorge Clooney, “himself”. O exaustivo trabalho do semanário prova que por trás do empreendimento está um grupo mexicano, cujo fundador era uma figura que manipulava a política do país e com ligações à lavagem de dinheiro dos cartéis. A criatura, já falecida, era até retratada como “El Professor” numa série da Netflix chamada Narcos. Atualmente os negócios estão na mão dos seus herdeiros.  A notícia do Tal&Qual teve repercussão no México, mas cá não há nota de qualquer averiguação da situação. Ao que parece, na própria câmara de Grândola, lesta em dificultar a vida a quem quer fechar uma varanda e sempre aberta a mega-investimentos com golfe, príncipes, cavalos de Troia em Troia, toda a gente pensava que o grupo era americano e muito “clean”. Santa ingenuidade para uma autarquia que abrange a zona mais apetecível da Europa em termos de especulação costeira.

 

3. Estamos sensivelmente a um ano da realização, em Portugal, das Jornadas da Juventude, que devem trazer até nós cerca de um milhão de jovens católicos de todo mundo, sendo encerradas pelo Papa. O local escolhido para a gigantesca concentração fica na zona que vai para norte da Expo, ou seja, a seguir à ponte Vasco da Gama. Supostamente, depois do gigantesco evento, tudo será arborizado, mas há quem receie que haja construção de mais uns mamarrachos tipo Expo. Desbravar o terreno para o grande encontro é uma batata quente que está nas mãos do ministro Pedro Nuno Santos. Como se não lhe bastasse as tarefas ciclópicas da TAP e da CP, o ministro vai ter de arranjar maneira de retirar do local o terminal de contentores que ali existe. A obra tem de ser rápida (coisa de que ele deve gostar como desafio) mas não pode paralisar a economia. A solução é transferir tudo para a plataforma logística de Castanheira do Ribatejo, sendo essencial construir à pressão uma via férrea para as mercadorias, com um custo de uma centena de milhões.  É de notar que para além do presidente Marcelo, um católico praticante, António Costa é também, mas por motivos diversos, um entusiasta das jornadas. Costa nunca se esqueceu que, há largos anos, foi candidato a Loures e perdeu. Na altura, um dos seus planos era restituir à autarquia o acesso ao Tejo. Só agora é que pode cumprir essa promessa. Endossou o encargo ao ministro das Infraestruturas, um dos seus putativos sucessores. Se conseguir fazer tudo num ano e picos, certamente que Pedro Nuno Santos marcará muitos pontos na corrida. Um caso a acompanhar.

 

Escreve à quarta-feira

A anemia do Chega e a paralisia de certas instituições


O Chega está em desagregação, enquanto há instituições públicas que parecem desatentas.


Nota prévia: a Suécia e a Finlândia pretendem entrar para a Nato e deverão conseguir, apesar das fortes reservas da Turquia e da objeção da Croácia. É uma atitude racional de defesa contra o perigo russo, que é real. Dentro em breve, prevê-se que a Irlanda, outro país neutral, também peça a adesão à Nato. A entrada da Finlândia, um dos países mais bem armados do mundo e com mais população preparada para a guerra, é um pesadelo  para a Rússia com a qual partilha uma fronteira de 1300km, havendo um histórico de conflitos entre os dois estados. Uma nova guerra ali seria mais grave que a da Ucrânia. Como recurso bélico, Putin teria de ir quase de imediato para um patamar extremo, o que é, por enquanto, impensável. Portugal apoia naturalmente a pretensão dos dois países nórdicos. Mas talvez fosse oportuno António Costa lembrar aos militantes do partido dos Verdadeiros Finlandeses que somos aquele país que já os ajudou na Segunda Guerra Mundial e que eles tanto denegriram quando precisou de ajuda para evitar a bancarrota gerada pelo PS de Sócrates. Eramos – diziam – os desorganizados e periféricos do Sul, na linha de um imbecil ministro das Finanças holandês e presidente do Eurogrupo, segundo o qual andávamos todos na praia, a beber copos e atrás de mulheres. Isto, bem entendido, sem pôr em causa a entrada finlandesa. É só um “remind” de um país de gente boa.

 

1. O Chega está em desagregação. Sucedem-se convulsões internas, acertos de contas, suspensões, trânsfugas e casos de endogamia política, o que sempre indignou o líder. É um quadro altamente preocupante num partido que nasceu para combater aquilo com que se confronta.  A turbulência geral resulta em parte da circunstância do Chega não olhar a meios para crescer, acolhendo toda a sorte de oportunistas políticos.  Há artistas falhados, apresentadores de televisão esquecidos, ex-bloquistas, neofascistas e dirigentes locais de uma inaudita boçalidade. Resultado: o partido fragmenta-se e perde credibilidade. O Chega só existe na sombra do seu caudilho. Ventura e o Chega são a mesma coisa. Não há nada para além do líder, que aparece em todas as ocasiões possíveis. Ventura não soube lidar com o sucesso e gerir o seu potencial de crescimento. Nem sequer consegue trazer temas novos para a discussão pública. As únicas variantes foram, agora em sede de orçamento, algumas propostas demagógicas que nem as moçoilas radicais do BE se atreveriam a propor. Sempre aqui se disse que o Chega seria um epifenómeno se não soubesse amadurecer, como aconteceu, por exemplo, ao partido de Le Pen ou ao Vox espanhol. É evidente que, entre nós, não há tanto pasto político para isso, uma vez que a emigração permanente e os choques culturais e religiosos não são ainda um problema sensível para os portugueses. A insegurança em certos bairros e a criminalidade são dos poucos temas que Ventura pode explorar, coisa que não faz sistematicamente, talvez por saber serem fenómenos que ligam ao futebol que ele tão bem conhece. A vida para o Chega não está fácil e agrava-se ainda mais por ter a seu lado uma Iniciativa Liberal que atrai os jovens e os bem-pensantes de classe média, fartos do PSD de Rio e órfãos do CDS.  Consciente disso, Ventura procura aproximar as suas propostas das angústias da gente mais excluída. Torna-se cada vez mais, num rival do PCP, que é ainda menos democrático do que o Chega. Valha-nos isso! Ao menos não é fã de Putin, embora não o hostilize muito.

 

2. Em Portugal, temos dezenas de autoridades que diariamente se entregam a uma doce sonolência, fugindo do trabalho não burocrático como o diabo da cruz. São máquinas que só se sobressaltam quando a comunicação social descobre uma escandaleira. Veja-se o caso dos russos de Setúbal, para citar apenas algo recente. Mesmo assim, apesar de noticiados com rigor, há casos a que ninguém dá sequência, nem mesmo as televisões sempre disponíveis para o jornalismo de picanço, que se limita a reproduzir o trabalho de outros média. Vem isto a propósito de uma investigação de fundo que o jornal Tal&Qual desenvolveu nas últimas semanas. Revela-se que, afinal, toda a vasta área da costa alentejana que vai mais ou menos de Pinheiro da Cruz até Melides não pertence a uma empresa americana que ali vai instalar um hiper-luxuoso resort turístico, promovido por Jorge Clooney, “himself”. O exaustivo trabalho do semanário prova que por trás do empreendimento está um grupo mexicano, cujo fundador era uma figura que manipulava a política do país e com ligações à lavagem de dinheiro dos cartéis. A criatura, já falecida, era até retratada como “El Professor” numa série da Netflix chamada Narcos. Atualmente os negócios estão na mão dos seus herdeiros.  A notícia do Tal&Qual teve repercussão no México, mas cá não há nota de qualquer averiguação da situação. Ao que parece, na própria câmara de Grândola, lesta em dificultar a vida a quem quer fechar uma varanda e sempre aberta a mega-investimentos com golfe, príncipes, cavalos de Troia em Troia, toda a gente pensava que o grupo era americano e muito “clean”. Santa ingenuidade para uma autarquia que abrange a zona mais apetecível da Europa em termos de especulação costeira.

 

3. Estamos sensivelmente a um ano da realização, em Portugal, das Jornadas da Juventude, que devem trazer até nós cerca de um milhão de jovens católicos de todo mundo, sendo encerradas pelo Papa. O local escolhido para a gigantesca concentração fica na zona que vai para norte da Expo, ou seja, a seguir à ponte Vasco da Gama. Supostamente, depois do gigantesco evento, tudo será arborizado, mas há quem receie que haja construção de mais uns mamarrachos tipo Expo. Desbravar o terreno para o grande encontro é uma batata quente que está nas mãos do ministro Pedro Nuno Santos. Como se não lhe bastasse as tarefas ciclópicas da TAP e da CP, o ministro vai ter de arranjar maneira de retirar do local o terminal de contentores que ali existe. A obra tem de ser rápida (coisa de que ele deve gostar como desafio) mas não pode paralisar a economia. A solução é transferir tudo para a plataforma logística de Castanheira do Ribatejo, sendo essencial construir à pressão uma via férrea para as mercadorias, com um custo de uma centena de milhões.  É de notar que para além do presidente Marcelo, um católico praticante, António Costa é também, mas por motivos diversos, um entusiasta das jornadas. Costa nunca se esqueceu que, há largos anos, foi candidato a Loures e perdeu. Na altura, um dos seus planos era restituir à autarquia o acesso ao Tejo. Só agora é que pode cumprir essa promessa. Endossou o encargo ao ministro das Infraestruturas, um dos seus putativos sucessores. Se conseguir fazer tudo num ano e picos, certamente que Pedro Nuno Santos marcará muitos pontos na corrida. Um caso a acompanhar.

 

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