A eliminação do trânsito automóvel na Avenida da Liberdade, em Lisboa, aos domingos e feriados – a par da redução em 10 km/h da velocidade máxima de circulação permitida atualmente – está a deixar os empresários à beira de um ataque de nervos. Ao i, Álvaro Covões diz que a medida afeta teatros, lojas comerciais, hotelaria e faz lembrar o Estado Novo, uma vez que, não houve qualquer tipo de conversas, nem com os empresários, nem com os próprios lisboetas. “Eu que nem sou de esquerda, achava que era de direita cada vez mais me convenço que a minha direita é muito mais à esquerda do que a esquerda. Como é possível o Livre ter apresentado uma proposta sem ter conversado com as pessoas? Sem ter falado com a junta de freguesia? Sem ter falado com os comerciantes e com os teatros? Essa medida vai criar um impacto e demonstra que as pessoas quando chegam à política pensam que estão no tempo do Estado Novo com a lógica do ‘quero, posso e mando’. É absolutamente absurdo”, diz ao nosso jornal.
Também Carla Salsinha, da União de Associações do Comércio e Serviços, garante que se tratam de medidas políticas e não iniciativas para salvaguardar o meio ambiente, nem para penalizar a Ucrânia. “Não é fechar o trânsito ao domingo até ao fim do ano que vão reduzir a pegada ambiental são mais medidas partidárias dentro da câmara”, como também vai ter pouco impacto na Rússia. “Para isso, as medidas teriam de ter muito mais impacto que esta. Acima de tudo são iniciativas simbólicas e de caráter político, mas que vão criar grandes entraves no futuro ao comércio”, diz ao i.
Mas apesar da notícia “cair que nem uma bomba”, a deputada do Livre na Assembleia Municipal de Lisboa, Patrícia Gonçalves garante que “as restrições ainda não foram feitas”. E lembra que a proposta foi aprovada foi para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, para combater as alterações climáticas e para reduzir o financiamento à Ucrânia, com vista a tornar a cidade mais agradável, mas caberá ao Executivo que tem pelouros apresentar a forma como as alterações poderão ser implementadas.
“Somos vereadores sem pelouro e implementar estas medidas cabe aos vereadores que têm pelouro e ao presidente da câmara estudar como podem implementar estas medidas e são eles que têm de trazer propostas sobre a sua implementação” disse ao nosso jornal, admitindo, no entanto, que a sua implementação das restrições “será certamente faseada e que do ponto de vista da Avenida da Liberdade podem ser estudadas várias soluções diferentes: deixar as faixas laterais abertas ou não, deixar metade das faixas ou não”, referindo ainda que a ideia é retomar o programa A Rua é Sua e que terminou antes da pandemia.
“Este programa existia e fechava a Avenida da Liberdade uma vez por mês aos domingos, o que queremos é que seja reativado não só aqui, como em outras freguesias, com participação pública”. E quando questionada sobre os obstáculos que poderá criar diz apenas: “É mais fácil ir às compras a pé do que ter que andar a estacionar o carro. Onde é que se estaciona na avenida? Só se for nos parques de estacionamento à volta”.
Recorde-se que a iniciativa do Livre – e que contou com os votos contra do PSD/CDS e com a abstenção da CDU – é intitulada ‘Contra a guerra, pelo clima: proposta pela redução da dependência dos combustíveis fósseis na cidade de Lisboa’, obrigando à redução em 10 km/h da velocidade máxima permitida e ao encerramento ao trânsito automóvel da Avenida da Liberdade aos domingos e feriados, pretendendo-se que esta medida seja replicada em todas as artérias principais das freguesias lisboetas. O partido de Rui Tavares defende na proposta que se consiga conciliar os vários transportes públicos, além de defender uma tendência gradual da gratuitidade dos mesmos.
Um argumento que não convence Carla Salsinha ao garantir que ainda não temos “uma rede de transportes fantástica, acessível e que seja inibidora de usar o carro”, garantindo que atualmente “não podemos estar à espera que as pessoas vão fazer compras para a Avenida da liberdade não levam o carro e, por isso, essas restrições vão ter um impacto fortíssimo”. E vai mais longe: “Não nos podemos esquecer que a ideia não vai ficar por aí porque se vai estender a toda a cidade de Lisboa e isto é uma medida que claramente vai prejudicar o comércio. Estranho que tomem estas medidas sem sequer falarem com os empresários. Admito que seja preciso que as pessoas abandonem o carro mas para isso é preciso preparar a cidade para tal”.
Patrícia Gonçalves diz, no entanto, que acredita que os vereadores com os pelouros e os serviços da câmara irão ouvir os empresários “A avenida não pode ficar totalmente cortada, nem que seja para serviços de emergência, mas a Avenida da Liberdade tem laterais, agora como se faz é preciso ouvir o vereador do pelouro e o presidente da câmara para que façam uma proposta, apoiada e suportada pelos serviços, dizendo como fazem, porque a nossa proposta não está a definir qual é a forma que vai ser feito, estamos apenas a pedir que seja reativado o programa”.
“Quem paga a conta?” Álvaro Covões lembra que a a Avenida da Liberdade tem poucos habitantes e o que existe são teatros, restaurantes. “Se começarmos a pensar nos teatros Tivoli, São Jorge, Capitólio, Coliseu, Politeama e o D.Maria, estamos a falar de um conjunto de equipamentos culturais que são altamente relevantes para a cidade e logicamente não conseguem ter uma atividade regular se os acessos foram pedonais. Porque os espetáculos que acontecem no Tivoli, no São Jorge, no Capitólio e no Coliseu são montados no próprio dia e, como tal, os acessos têm de ser diários. Claro que podem dizer que podem ser montados no dia anterior, mas isso só seria possível se o Estado financiasse os teatros do ponto de vista económico. Tudo é possível desde que alguém pague a conta, o problema é que há contas para pagar”.
E aponta o dedo: “O 25 de Abril foi há 48 anos, mas parece que as pessoas quando ganham as eleições são iguais às outras. Não podemos aceitar que por se ter fechado determinada cidade que teve resultados positivos possa ser igual aqui porque as cidades são todas diferentes e os povos são todos diferentes”, lembrando que há uma série de prédios de habitação que têm garagem e os imóveis foram vendidos por quatro ou cinco milhões de euros e agora quem comprou não pode entrar, nem sair da sua casa de carro. “Nem no tempo do Salazar se apresentavam propostas destas”, mas questiona o que poderá acontecer no caso das unidades hoteleiras. “O hotel Tivoli, tal como o Ritz, é um dos hotéis que recebe mais personalidades políticas e ao domingo vão a pé para o hotel? Vai haver uma exceção? Mas este é um país da exceções?”, questiona.
O empresário diz ainda que “quando a política se faz contra o povo e não a bem do país dá nisto, porque este tipo de medidas são para prejudicar”, acrescentando que “Carlos Moedas ganhou as eleições, mas como não tem maioria estes amadores dificultam a vida, quando o papel deles é representar as pessoas. Não é fazer política partidária, eles foram eleitos para representar Lisboa e perante uma medida destas a primeira coisa que fazem é não falar com as pessoas”. E enquanto lisboeta também critica a medida de reduzir a circulação para 40km/h na cidade. “Sou lisboeta e não concordo. O vereador que diz que é uma medida para os oligarcas russos não ganharem com a venda do petróleo é uma coisa esquizofrénica. Mas quem eles julgam que são? Nem o Salazar ousou limitar tanto a vida das pessoas. Limitou muito a vida política, mas a vida do dia-a-dia do cidadão não limitou tanto como estes senhores que apresentam esta medida. E como cidadão tenho o direito de dizer se concordo ou não. Isto é democracia, mas há pessoas que acham que a democracia termina no dia a seguir às eleições”.
Quanto ao argumento de penalizar a Ucrânia, Álvaro Covões não hesita: “Isto só pode ser brincadeira. O que é que a guerra da Ucrânia tem a ver com a velocidade?”, questiona. E admite que não é por consumirmos menos petróleo que “vamos obrigar todos a sofrer”, referindo que “não tem sentido nenhum”. De acordo com o responsável, “os eleitos não podem propor medidas que não estão no seu programa, e, como tal, no seu entender, não têm legitimidade. “Se as pessoas não votaram nisso, então não têm legitimidade e daí deverem fazer um referendo. Democracia é ouvir as pessoas, os representantes políticos não são donos da coisa. O Salazar achava que era o dono da coisa, mas estes também acham o mesmo, quando deviam ser os nossos representantes”.
Covões dá ainda o exemplo do parque de estacionamento dos Restauradores que foi alvo de investimento por parte de uma empresa e agora irá ser penalizado com essas restrições. “Agora decide-se que este parque deixa de ter clientes em 18% dos dias do ano porque estamos a falar de 52 domingos, mais 14 feriados, o que dá 66 dias. Se dividir 66 dias por 365 dá uma quebra de 18%. Democracia significa respeitar todos, inclusivamente os investidores. Não se diz de um dia para o outro que em 18% dos dias do ano não vai poder funcionar e vai perder quase 20% do seu negócio. E quem paga a conta?”, questiona.
Passos a seguir Para já, o empresário disse ao i que pediu uma reunião com os vereadores para que expliquem qual é a intenção desta medida e se o objetivo é desertificar a Avenida da Liberdade “que já não tem habitantes e se pretende destruir todo o resto da atividade económica”, lembrando que Fernando Medina. enquanto autarca, chegou a pensar em restringir o acesso, mas apenas aos transportes particulares.
Também Carla Salsinha irá reunir-se, esta semana, com as associações para analisar as ações que irá tomar. “Vamos ter de tomar uma decisão mais forte e mais dura. Imagine o Natal que para nós é a época mais forte e deixarmos de estar abertos aos domingos e ao feriado quando a câmara ao longo das décadas nos tem criticado por não abrir, dando mais espaço aos centros comerciais”, diz ao i. Para já, a presidente da União de Associações do Comércio e Serviços não quer falar em compensações por acreditar que a medida possa ser revertida, já que Carlos Moeda já se mostrou contra e revelou que vai receber as associações de comerciantes e de moradores.
Aí Patrícia Guimarães é perentória: “Não compreendo como o presidente da câmara se mostra surpreendido. “A proposta foi submetida a 12 de abril e foi apresentada em reunião a 11 de maio, portanto teve um mês para olhar para a proposta. Não recebemos nenhuma sugestão de alteração por parte dos vereadores com pelouro e estas medidas fazem parte do Plano de Mobilidade 2030 que foi aprovado por unanimidade pelo Executivo. Não percebemos porque é que houve este choque todo, nem compreendo a surpresa”.
Caça à multa Ao nosso jornal, Fernando Nunes da Silva, antigo vereador da Mobilidade e Transportes da Câmara de Lisboa entre 2009 e 2013, já tinha admitido que “é uma atitude de pessoas que não fazem política para resolver problemas, mas sim para apenas ganharem visibilidade na comunicação social. E, diga-se, para consolidarem a sua posição do politicamente correto”. O responsável considerou ser “um disparate reduzir cegamente os limites de velocidade independentemente do tipo de rua ou avenida, do seu volume de tráfego e das atividades existentes na sua envolvente. Fazê-lo desta forma viola até o Plano Diretor Municipal e revela que os políticos tomam uma posição quando estão no poder e outra quando estão na oposição”.
Nunes da Silva refere-se ao PS que no anterior mandato aprovou as zonas 30 e agora mudou de opinião. “É por estas e por outras que a atividade política atrai cada vez menos e vai descendo de nível. Depois admirem-se dos populismos que exploram este desencanto com a política”.
Fernando Nunes da Silva não está contra que se reduza a velocidade em zonas de convivência, nomeadamente nos bairros residenciais e áreas históricas, onde até se podia ter ido mais longe, mas com medidas acessórias. “Não faz sentido colocar apenas um sinal a dizer que só se pode andar a 20 km/h. É preciso introduzir dispositivos físicos para forçar a redução de velocidade e dar uma clara prioridade ao peão, tirar os carros estacionados que escondem os peões, além de reduzir as faixas de rodagem para os automobilistas saberem que estão em zonas onde devem ter mais atenção às pessoas e reduzirem a velocidade”.
Insistindo que a nova medida não teve em conta a segurança rodoviária, o ambiente e as diferentes funções da rede viária, Nunes da Silva explica que a poluição poderá aumentar, em certos casos, com este tipo de decisões. “O pára-arranca é das situações mais gravosas para o ambiente e aumenta significativamente (3 vezes ou mais) as emissões poluentes”.
Segundo o especialista, faz todo o sentido reduzir a velocidade nas áreas residenciais e de concentração de comércio e serviços, mas o mesmo já não faz sentido nas avenidas da rede principal da cidade, que foram construídas como vias de grande tráfego (a mais recente, a Av. Santos e Castro, construída nos mandatos de António Costa). “Faz algum sentido reduzir para 40 km/h a velocidade na Marechal Gomes da Costa onde há três vias por sentido, separador central, cruzamentos desnivelados e não há zonas de atravessamento? O mesmo se passa na zona junto ao rio, nomeadamente na Avenida Brasília, onde a linha de comboios não permite que peões passem de um lado para o outro da via”.
Um argumento que não convence a deputada na Assembleia Municipal de Lisboa. “Não tenho indicação que seja assim. Neste momento, a redução de 10 km/h da velocidade máxima nas cidades faz parte da Agência Internacional da Energia e tem sido implementada em outras cidades europeias, como por exemplo, Paris, Oslo, Helsínquia e Bruxelas, Porque é que Lisboa não há de poder implementar? Além disso, salva vidas porque os atropelamentos diminuem pela redução da velocidade, gastam menos combustíveis e tornam o transito mais fluído. Não é reduzir de 50 para 40 km/h que nos vai fazer andar no pára-arranca”.