Tenho a convicção que um dos fatores determinantes para a decisão de Putin dar luz verde à invasão da Ucrânia foi a pressão que já antes se fazia sentir sobre os mercados da energia, em resultado do inicio da retoma pós-pandémica. O autocrata e os seus conselheiros próximos anteviram que num contexto de alta de preços e de escassez no mercado, o seu movimento teria um duplo efeito. Aumentaria os preços cobrindo assim em parte o financiamento da guerra e geraria problemas de abastecimento e acessibilidade nos países mais dependentes dos seus fornecimentos, aumentando os custos da reação da coligação democrática à gravíssima agressão perpetrada sobre a Ucrânia e sobre o mundo livre.
A reação da comunidade internacional e em particular da UE foi mais forte do que Putin esperava e o efeito de contraponto de outros mercados também não funcionou com a velocidade almejada pelo Kremlin, mas é evidente que não sendo diretamente tão letal como os mísseis ou os tanques, a energia é, depois das armas nucleares, a mais potente arma no terreiro da guerra e aquela que a vai decidir, se conseguirmos evitar que o xeque-mate nuclear seja acionado.
As dificuldades da UE em relação à chantagem energética russa são resultado de décadas em que os egoísmos nacionais e os interesses setoriais minaram a construção de um verdadeiro mercado único da energia, com autonomia estratégica, diversificação e garantia de abastecimento, conjugadas com uma aposta simultânea na transição verde e na eficiência, como motores de liderança tecnológica, descarbonização e renovação do modelo competitivo à escala global.
A guerra apanhou a União a meio do percurso na transição e muito fragilizada pela falta de interconexões, fundamentais para pôr em marcha uma resposta conjunta e solidária mais robusta que a compra conjunta ou o incremento dos níveis de armazenamento de cada Estado -membro (medidas importantes, mas conjunturais e insuficientes).
Na energia, como em muitos outros setores em que a invasão Russa da Ucrânia vai ter impactos brutais à escala global e em particular nos Países da UE, a um primeiro momento de resistência vai ter que se seguir um corajoso processo de transformação.
O exemplo da Península Ibérica, reconhecido pela Comissão Europeia como ilha energética, ilustra bem o que aconteceu e o que não pode voltar a acontecer. Não obstante a grande e bem-sucedida aposta de Portugal e Espanha nas energias renováveis e o seu excelente posicionamento geoestratégico face aos mercados abastecedores de energia de transição, designadamente os Estados Unidos e o Norte de África, foram sempre colocadas barreiras ao progresso das interligações com o mercado europeu da energia além Pirenéus.
Nas múltiplas reuniões formais e informais que tenho mantido com os responsáveis europeus da energia sinto uma vontade genuína de corrigir esta distorção. Mas como se viu recentemente pelas objeções colocadas pelos reguladores europeus ao que designam de medidas com impacto estrutural, a mudança só se fará com um redesenho politicamente orientado das regras do mercado, para que a energia seja uma arma para a vitória e não uma armadilha para o fracasso da Europa nesta momento chave da sua história.