Colva – O Cota Cozinha, em Betelbatim, parece um lugar perdido no tempo. Famílias numerosas chegam e sentam-se às mesas cobertas por um tecto de vigas de madeira no qual as ventoinhas marcam, com as suas asas de helicóptero, o ritmo monótono da vida. Os mais velhos às cabeceiras, senhores bem postos, de camisas brancas com o último botão do pescoço bem apertado, matronas gordas boiando em vestes largas com requintes de retorcidos. Antigos brâmanes e chardós, provavelmente, as castas que se cristianizaram e assumiram o topo da sociedade no domínio português. Há uma ligeira sensação de estar num lugar que já não existe, talvez desembarcado de uma brecha no tempo, enquanto escuto a voz do John Denver numa das colunas e espero pelo frango cafreal o mais picante possível e um pratão de amsol, entrecosto cozido com malaguetas. “So kiss me and smile for me/Tell me that you’ll wait for me/Hold me like you’ll never let me go…” O meu mano Paulo Pimenta (por extenso Gelateiro) iria gostar. Esteve aqui comigo e vi-o feliz como nunca (a sua alegria era escandalosa), antes de decidir, numa total falta de respeito pela própria saúde, morrer-nos sem aviso. Olho para a fruta-pão, dependurada nas árvores, recordo-me do barulho que faziam à noite quando se esparramavam no chão junto à janela do quarto onde eu dormia, na casa do Zé Fernando de Almeida, em São Tomé. Recordo-me da insistência do gelateiro em tirar da viola sons que lá não estavam: “I’m leaving…” Foi-se. E agora? Onde ponho eu a ternura fraterna que sentia por ele? Onde a guardo? A quem a entrego? Era dele e de mais ninguém. Ficará para sempre como um peso de morte a juntar aos outros. Mais de vinte anos regressando aqui, e quantos amigos de cá já perdi? Os dedos de uma mão não chegam. Menino, o gigante que tinha um abraço de colo de mamã grande. Durigo (ele nasceu Do Rego), o jogador antigo dos joelhos destroçados que nos recebia no seu restaurante como se fôssemos príncipes de Golconda. “I’m leaving on a jetplane”. Vou e volto. Quem reencontrarei da próxima vez? Sim, a morte também chega ao paraíso. E os fantasmas dançam a canção da Índia à sombra das palmeiras…