SEF. Acusações de racismo nas polícias fazem subir temperatura

SEF. Acusações de racismo nas polícias fazem subir temperatura


Em carta aberta, Acácio Pereira, líder sindical do SEF, pediu a Marcelo que pusesse um travão à extinção daquele serviço. Pelo caminho, deixou fortes acusações à PSP e GNR.


A saga em torno da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) – que deveria acontecer a 12 de maio, mas que foi entretanto adiada – tem um novo capítulo. Acácio Pereira, Presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF, dirigiu uma carta aberta a Marcelo Rebelo de Sousa, pedindo-lhe que coloque um travão na extinção desse Serviço. Ontem o Presidente da República promulgou o decreto-lei da Assembleia da República que adia a extinção do SEF. “Anotando a prudência do legislador quanto ao tempo necessário para proceder à transição da legislação, o Presidente da República promulgou o decreto da Assembleia da República sobre a alteração ao prazo de produção de efeitos da Lei n.º 73/2021, de 12 de novembro, que aprova a reestruturação do sistema português de controlo de fronteiras”, pode ler-se na nota publicada na página de internet da Presidência. 

Por entre os argumentos que Acácio Pereira utilizou para justificar a paragem da decisão tomada após a morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk às mãos da autoridade fronteiriça, o dirigente sindical atirou farpas à PSP e GNR, que deverão herdar as responsabilidades do SEF, acusando-as de ter problemas estruturais de xenofobia e racismo.

“Criar a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo – APMA e tirar as questões de imigração da esfera policial, não significa destruir um serviço competente e eficaz, elogiado internacionalmente, para decepar as suas competências e retalhá-las pela GNR e pela PSP. Não significa destruir o que funciona, que têm ‘know-how’ e experiência, e entregá-lo a forças que, essas sim, têm problemas estruturais de xenofobia e de racismo”, acusou Acácio Pereira em carta aberta, recordando o caso do Posto Territorial de Vila Nova de Milfontes, onde, diz, “há membros dessas forças a cumprirem penas de prisão efetiva e preventiva por práticas de tortura e de milícia patronal de imigrantes”. “Como o Senhor Presidente sabe tão bem ou melhor do que eu, esses casos na PSP e na GNR não são casos isolados – nem se restringem ao Alentejo”, acusou ainda o dirigente sindical do SEF. Isto apesar de a própria autoridade fronteiriça ter sido, no ano passado, acusada de ser “xenófoba” e “racista” pela associação SOS Racismo, que aplaudiu a sua extinção.

Em declarações ao i, Acácio Pereira vai direto ao assunto no que toca aos parágrafos da sua carta dedicados à PSP e à GNR: “Eu não estou a acusar as polícias. Estou a falar apenas com base no que é público”, começa por explicar. O dirigente sindical do SEF respalda as acusações naquilo que é “público”, e até numa tese de mestrado de Manuel Morais, ex-dirigente da Associação Sindical dos Profissionais da PSP conhecido pela sua luta ‘antirracista’, em que “disse exatamente isso”. “Na GNR, também são públicos os casos”, continua Acácio Pereira, referindo novamente o tal caso de Vila Nova de Milfontes. “Os dados públicos são do conhecimento de toda a gente”, argumenta. Sobre o porquê de ‘atacar’ a PSP e a GNR nesta carta sobre a extinção do SEF, Acácio Pereira não hesita: “É muito fácil. Se se está a transferir serviços para outros serviços, pergunto qual é o ganho, quando existem estes problemas nestes [na PSP e na GNR].”

O sindicalista não vê fundamento, de resto, para argumentar que no próprio SEF podem também existir casos de racismo ou xenofobia. “Não há dados nem registo nenhum disso. Aliás, reporto-me às declarações do Alberto Matos, da SOLIM – e não sou eu, estamos a falar de uma associação que representa os imigrantes, conotada com o Bloco de Esquerda – em que diz que o SEF tem uma prática de respeito pelos Direitos Humanos”, responde, negando ter, no momento da conversa com o i, recebido qualquer crítica em troca da PSP ou da GNR. 

Resposta Pedro Carmo, Presidente da Organização Sindical dos Polícias da PSP (OSP-PSP), no entanto, é crítico das palavras do dirigente sindical do SEF, classificando-as como “inconcebíveis”. “É inconcebível. Podem surgir algumas situações que gerem algumas dúvidas, à imagem daquilo que aconteceu com eles quando faleceu um indivíduo [referindo-se a Ihor Homenyuk]. É inconcebível fazer julgamentos das forças de segurança, que lidam, no dia a dia, com toda a gente, estrangeiros e portugueses”, declara ao i o dirigente sindical da PSP.

“Fazer uma insinuação dessas é a parte mais grave. Que apele que não se extinga o SEF, está no direito dele, está a defender basicamente os profissionais do seu sindicato, e é uma decisão que, para ele, se calhar é desajustada, mas eu isso não comento. Agora, fazer insinuações que somos xenófobos e racistas, é completamente inconcebível e lamentável. Porque, na realidade, não acontece. Como digo, pode haver algumas situações pontuais que se tornem dúbias”, defende Pedro Carmo. E devolve a farpa: “No fim de tudo, somos pessoas, como eles são pessoas, e também aconteceram situações pontuais com eles. Aquela veio a público [a morte de Ihor Homenyuk], por exemplo… e haverá muito mais, outras situações que se calhar não vieram a público porque não causaram a morte a ninguém. Portanto, acho que não tem de fazer esses comentários, principalmente como membro de um sindicato que representa uma série de profissionais, e que, se calhar, muitos deles não se reveem nas palavras dele.”

Já César Nogueira, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR), lamentou à Lusa as “infelizes” declarações do sindicato do SEF, “ao tentar passar a ideia de que na GNR existe racismo e xenofobia”.