A guerra brutal da Rússia contra a Ucrânia marca um momento dos mais sombrios na história da Europa e do Mundo. Aquilo que pensávamos estar apenas guardado no passado voltou a ser uma realidade assustadora para a paz mundial.
Assistimos hoje, em canal aberto a qualquer hora do dia, a uma tragédia humana perpetrada pela Rússia ao povo da Ucrânia. Em apenas três meses o mundo mudou drasticamente e esta guerra aumentou a sensação de que o nosso futuro é, afinal, imprevisível.
Em pouco mais de uma década, enfrentámos a maior crise financeira desde a década de 1930, a pior pandemia desde 1919 e agora a mais grave crise geopolítica na Europa desde o fim da Guerra Fria.
Neste cenário como podemos enfrentar um momento tão difícil e tão complexo para a Europa e para o Mundo? Não é fácil apresentar uma solução, mas existem reflexões que podem ajudar a encontrar um rumo para o futuro cada vez mais incerto.
Não querendo os Estados mais influentes (Alemanha, Itália e França), mexer nos interesses particulares de cada um e não enfrentando com firmeza a crise que vivemos, os fortes da Europa não assumem esta crise como uma oportunidade e apenas tentam evitar riscos e danos maiores para as suas economias.
Como disse Winston Churchill, “Nunca devemos desperdiçar uma boa crise.” E Churchill, um dos grandes líderes que a Europa e o mundo conheceram, sabia muito bem como enfrentar e potenciar as crises.
A Europa é a maior potência comercial e o maior mercado único do mundo. Com poucos anos de vida, o euro tornou-se a segunda moeda mundial, 30% contra 43% do dólar, impedindo que os Estados Unidos da América continuassem a determinar, através da moeda, o rumo da economia mundial.
Mesmo com condições únicas e um espaço de influência mundial muito relevante no processo de globalização, a Europa e os seus líderes não conseguiram construir uma organização institucional forte, equilibrada e representativa que consiga assumir os valores e as políticas comuns que devem reforçar qualquer forma de união.
A guerra que vivemos hoje na Europa veio por a descoberto a estratégia (errada) que os principais países da União Europeia seguiram em matérias vitais. Refiro-me naturalmente à Alemanha, Itália e França que lideram o pelotão europeu, para o bem e para o mal.
Estes países decidiram investir na sua (in)dependência energética tendo como parceira privilegiada a Rússia de Putin. Assim, deixaram claro que apenas pretendiam tratar dos seus interesses económicos particulares, relegando para segundo plano uma estratégia global e integrada que deveria representar os interesses da União Europeia no seu todo, tanto no plano energético, como no plano económico e no plano político em geral.
Mas aquilo que parecia uma grande estratégia revelou-se afinal um enorme erro geoestratégico que tem consequências incalculáveis, que vão para além do plano económico. As principais economias Europeias, para satisfazer as suas necessidades, apostaram na normalização do regime de Putin tentando assim validar as suas parcerias e estratégias com um instável e pouco confiável líder Russo.
Hoje, à custa de muitas vidas Ucranianas e do impacto económico que a aplicação de sanções á Rússia trouxe, parece que estes países reconhecem o seu erro, mas as consequências são irreversíveis e o mundo não será o mesmo daqui em diante.
Os desafios das lideranças na Europa são cada vez mais complexos e globais e neste momento as forças que deveriam sustentar a cooperação, o multilateralismo e a união entre países com interesses comuns parecem estar enfraquecidas.
A imprevisibilidade do momento não permite adivinhar qual será a ordem global que vai surgir nos próximos anos, mas podemos prever que as divisões dos blocos geopolíticos serão maiores e os desafios globais serão ainda mais complexos exigindo às lideranças níveis de coordenação multilateral como nunca vimos antes.
A Europa tem a necessidade do ressurgimento de lideranças que assentem em princípios e valores que procurem atingir, realmente, os objetivos daqueles que representam, evitando a miopia que apenas vê a sua sobrevivência e dos seus interesses particulares. A Europa precisa de Líderes capazes de abraçar uma estratégia de longo prazo para garantir a sustentabilidade a todos os níveis e a manutenção, fortalecimento e longevidade do projeto Europeu, capaz de enfrentar qualquer ameaça externa.
Como Europeus já superámos uma crise financeira, uma grande recessão, uma crise do euro, uma pandemia sem precedentes e agora resta-nos enfrentar uma guerra às nossas portas sendo que o fim natural desta sequência de fenómenos não tem de ser a desagregação e o falhanço do projeto Europeu. Pelo contrário, tem de ser o reforço da União Europeia e das suas políticas comuns.
Uso frequentemente esta citação do economista Peter Drucker, “A melhor maneira de Prever o Futuro é Criá-lo.”. Acredito nela e no contexto desta reflexão temos de aproveitar um momento terrível para evoluir e escrever mais esta página da história da Europa e da humanidade, criando o nosso próprio futuro. Assim estejam à altura os que nos lideram.
Gestor e Mestre em Ciência Política
04-05-2022