Antecipar a punição do inimigo: e depois?


A Justiça internacional só foi, até aos dias de hoje, aplicada aos vencidos.


No passado dia 23 de abril, deste ano, o Professor Viriato Soromenho Marques publicou no Diário de Notícias um interessante, mas perturbador, artigo intitulado «A paz antes da justiça».

Citando o Padre António Vieira para, na situação da guerra atual, o contradizer, Soromenho Marques apela a que se procure, antes, «uma forma de paz mesmo que frágil», considerando, também, que «chegou o tempo da diplomacia (…e que…) a paz tem, nesse caso, prioridade sobre a justiça, e deve dar-lhe tempo».

Acrescenta, por isso, num tom algo apocalítico, mas com visível realismo, que «Perseguir incondicionalmente a Justiça pela força das armas, seguindo até ao fim o lema de “faça-se justiça mesmo que o mundo pereça (…) apenas conduzirá à mais desoladora paz possível, aquela em que os sobreviventes terão inveja dos que pereceram».

Com esta sua criteriosa e, sobretudo, prudente reflexão, Soromenho Marques questiona a fascinada apetência revelada por alguns juristas e magistrados de diversas nacionalidades ou órgãos jurisdicionais internacionais em relação à importância de, desde já, se avançar com o anúncio de procedimentos conducentes ao exercício da ação penal contra os que cometeram ou estão a cometer crimes de guerra e outros crimes de igual gravidade.

Soromenho Marques lembra, e bem, que a Justiça internacional só foi, até aos dias de hoje, aplicada aos vencidos e, implicitamente, reconhece que avançar com o anúncio de procedimentos criminais, nesta fase da guerra, contra os seus causadores, poderá tender a protelá-la e agravá-la.

Recorda, muito a propósito, por isso, que nos encontramos perante potências atómicas que, muito dificilmente, assentirão numa derrota.

Esta é, queiramos ou não, a questão fundamental com que todos – e não apenas os contendores diretos – nos devemos debater.

Verdade se diga que a guerra atual se trava tanto no campo de batalha, como, com mais veemência porventura, nas televisões e nas mais variadas redes sociais.

Daí que a simples denúncia de crimes e o anúncio da abertura de investigações criminais contra os responsáveis da guerra possa ser útil, não tanto, ou sobretudo, para fazer justiça às vítimas, como, fundamentalmente, para galvanizar os sentimentos morais dos que se encontram no outro lado do conflito, sejam eles combatentes no terreno ou, apenas, os seus aliados.

Os efeitos colaterais do uso de tais técnicas é que não estão, na situação atual do mundo e desta guerra, totalmente calculados.

Não por acaso, depois da publicação daquele artigo, consegui comprar um livro que tem um título elucidativo: «Punir o Inimigo».

Organizada por Paula Borges dos Santos, Irene Flunser Pimentel e Giovanni Damele, esta obra reúne um conjunto de artigos dedicados a analisar as iniciativas judiciais tomadas para punir os vencidos, em variados conflitos.

Nela se esclarecem, pois, as soluções encontradas em situações posteriores a guerras civis, como aconteceu em Espanha e, em certa medida, na Itália e na França do pós-guerra, como, ainda, nos casos de revoluções e transições de ditaduras para a democracia, como aconteceu em Portugal, Brasil, Timor-Leste, Espanha, Argentina e Chile.

Lendo os diferentes artigos, percebemos muita coisa.

Percebemos, por exemplo, que nem todos os processos judiciais e políticos se assemelham nos métodos e nos propósitos.

Diferentes foram, claramente, os objetivos e métodos usados pelos franquistas, desde logo nos locais que iam ocupando, mas que continuaram, com idêntica violência e arbitrariedade, já depois de ganha a guerra.

Como remate, Giovanni Damele, depois de discorrer, criticamente, sobre tão diferentes processos ocorridos nesses países, acaba por formular uma conclusão que, mesmo não afastando dúvidas sobre o real significado de alguns deles, todos podemos, em parte, partilhar.

Diz ele, no final: «Devemos reconhecer, finalmente, que todos esses processos, políticos e judiciais, têm pelo menos um aspeto comum (…) todos visam uma regulamentação de situações que, cabe sublinhar mais uma vez, se destinam a evitar que se recaia constantemente entre extremos – ambos indesejáveis – de vingança descontrolada ou (no melhor dos casos) de justiça sumária, por um lado, e do esquecimento, por outro.

Assinalemos, todavia, o que Soromenho Marques insistiu em registar no seu artigo, já depois do que ficou dito no citado livro – trata-se sempre de processos organizados pelo vencedor contra os vencidos.

Ora, esta ideia que não devemos esquecer, associada à teoria do mal menor, que Giovanni Damele tão bem expressou, deve, pelo menos, fazer-nos meditar na oportunidade e verdadeiro sentido de muitas iniciativas e, sobretudo, das muitas declarações que vêm sendo feitas a este propósito, num momento em que a guerra ainda decorre.

Antecipar a punição do inimigo: e depois?


A Justiça internacional só foi, até aos dias de hoje, aplicada aos vencidos.


No passado dia 23 de abril, deste ano, o Professor Viriato Soromenho Marques publicou no Diário de Notícias um interessante, mas perturbador, artigo intitulado «A paz antes da justiça».

Citando o Padre António Vieira para, na situação da guerra atual, o contradizer, Soromenho Marques apela a que se procure, antes, «uma forma de paz mesmo que frágil», considerando, também, que «chegou o tempo da diplomacia (…e que…) a paz tem, nesse caso, prioridade sobre a justiça, e deve dar-lhe tempo».

Acrescenta, por isso, num tom algo apocalítico, mas com visível realismo, que «Perseguir incondicionalmente a Justiça pela força das armas, seguindo até ao fim o lema de “faça-se justiça mesmo que o mundo pereça (…) apenas conduzirá à mais desoladora paz possível, aquela em que os sobreviventes terão inveja dos que pereceram».

Com esta sua criteriosa e, sobretudo, prudente reflexão, Soromenho Marques questiona a fascinada apetência revelada por alguns juristas e magistrados de diversas nacionalidades ou órgãos jurisdicionais internacionais em relação à importância de, desde já, se avançar com o anúncio de procedimentos conducentes ao exercício da ação penal contra os que cometeram ou estão a cometer crimes de guerra e outros crimes de igual gravidade.

Soromenho Marques lembra, e bem, que a Justiça internacional só foi, até aos dias de hoje, aplicada aos vencidos e, implicitamente, reconhece que avançar com o anúncio de procedimentos criminais, nesta fase da guerra, contra os seus causadores, poderá tender a protelá-la e agravá-la.

Recorda, muito a propósito, por isso, que nos encontramos perante potências atómicas que, muito dificilmente, assentirão numa derrota.

Esta é, queiramos ou não, a questão fundamental com que todos – e não apenas os contendores diretos – nos devemos debater.

Verdade se diga que a guerra atual se trava tanto no campo de batalha, como, com mais veemência porventura, nas televisões e nas mais variadas redes sociais.

Daí que a simples denúncia de crimes e o anúncio da abertura de investigações criminais contra os responsáveis da guerra possa ser útil, não tanto, ou sobretudo, para fazer justiça às vítimas, como, fundamentalmente, para galvanizar os sentimentos morais dos que se encontram no outro lado do conflito, sejam eles combatentes no terreno ou, apenas, os seus aliados.

Os efeitos colaterais do uso de tais técnicas é que não estão, na situação atual do mundo e desta guerra, totalmente calculados.

Não por acaso, depois da publicação daquele artigo, consegui comprar um livro que tem um título elucidativo: «Punir o Inimigo».

Organizada por Paula Borges dos Santos, Irene Flunser Pimentel e Giovanni Damele, esta obra reúne um conjunto de artigos dedicados a analisar as iniciativas judiciais tomadas para punir os vencidos, em variados conflitos.

Nela se esclarecem, pois, as soluções encontradas em situações posteriores a guerras civis, como aconteceu em Espanha e, em certa medida, na Itália e na França do pós-guerra, como, ainda, nos casos de revoluções e transições de ditaduras para a democracia, como aconteceu em Portugal, Brasil, Timor-Leste, Espanha, Argentina e Chile.

Lendo os diferentes artigos, percebemos muita coisa.

Percebemos, por exemplo, que nem todos os processos judiciais e políticos se assemelham nos métodos e nos propósitos.

Diferentes foram, claramente, os objetivos e métodos usados pelos franquistas, desde logo nos locais que iam ocupando, mas que continuaram, com idêntica violência e arbitrariedade, já depois de ganha a guerra.

Como remate, Giovanni Damele, depois de discorrer, criticamente, sobre tão diferentes processos ocorridos nesses países, acaba por formular uma conclusão que, mesmo não afastando dúvidas sobre o real significado de alguns deles, todos podemos, em parte, partilhar.

Diz ele, no final: «Devemos reconhecer, finalmente, que todos esses processos, políticos e judiciais, têm pelo menos um aspeto comum (…) todos visam uma regulamentação de situações que, cabe sublinhar mais uma vez, se destinam a evitar que se recaia constantemente entre extremos – ambos indesejáveis – de vingança descontrolada ou (no melhor dos casos) de justiça sumária, por um lado, e do esquecimento, por outro.

Assinalemos, todavia, o que Soromenho Marques insistiu em registar no seu artigo, já depois do que ficou dito no citado livro – trata-se sempre de processos organizados pelo vencedor contra os vencidos.

Ora, esta ideia que não devemos esquecer, associada à teoria do mal menor, que Giovanni Damele tão bem expressou, deve, pelo menos, fazer-nos meditar na oportunidade e verdadeiro sentido de muitas iniciativas e, sobretudo, das muitas declarações que vêm sendo feitas a este propósito, num momento em que a guerra ainda decorre.