“Adoro snacks de insetos”, garante ao i Sandra (nome fictício). Marta (nome fictício), que vive exatamente na mesma cidade, também não sente repugnância: “Já comprei barras de chocolate de insetos para oferecer e quem provou adorou! Eu ia trincar uma quando li que devemos evitá-las em caso de alergia a marisco. O preço é elevado, o que é uma desvantagem. É uma alternativa à carne e ao peixe e uma tentativa de reduzir o impacto ambiental: tudo bem, mas eu adoro um lombo assado!”, brinca. As duas alinham-se com Beatriz (nome fictício), de Sintra. “Numa prova dos 5 sentidos, eu e o meu marido estávamos vendados e, sem sabermos, provámos grilos. Só soubemos depois na explicação que foi dada pelo staff que estava a organizar tudo”, garante.
Mas são exceções. A maioria ainda é avessa, ou pelo menos não aprecia especialmente insetos. Mesmo que reconheçam a importância das alternativas à proteína animal. “Adoro experimentá-las. Os substitutos da alheira, dos queijos curados e para barrar, das salsichas, dos nuggets, dos hambúrgueres, do atum, da pastelaria tradicional”, exemplifica Paula (nome fictício), que segue uma alimentação 100% vegetal.
Raquel (nome fictício) que reside em Atouguia da Baleia, clarificou: “Sou flexitariana, mas não como carne nem bebo leite diretamente (como outros laticínios). Gosto muito da comida sazonal, local e se conseguir criada por mim. De resto, opções menos ambientalmente corretas, como sementes de chia e de girassol… Para o meu corpo, comer sementes e frutos secos é aquilo que mais o equilibra”, acrescenta. “Comi o primeiro hambúrguer da Beyond Meat este mês e achei que era bom, mas extremamente salgado, o que me lembrou imediatamente do sabor horrível do bacon. Tal como todos os substitutos, penso que continuarão a existir, mas para mim não são opção”.
“Insetos são animais. Como é que alguém que não come animais vai comer insetos?”, questiona Sara (nome fictício), de Lisboa. “Essa, com certeza, não é a comida do futuro de alguém com dois dedos de testa. Essa era a comida do passado quando não havia nada. Hoje em dia, é para as empresas terem muito lucro a vender larvas e afins e para uns tontos comerem mais bichos… Essa conversa da comida do futuro ultrapassa-me”, sublinha. Está em sintonia com opiniões como “Espero não estar cá quando se comerem insetos com fartura”, “Quem come comida vegetal, como eu, não come insetos! Ou seja, não come animais!”, “Faço a maior parte das refeições vegetarianas, mas não me convidem para comer insetos” ou “Os insetos talvez sejam a comida do futuro. Confesso que me causa repulsa. Se forem baratas talvez morra à fome. Só de vê-las vomito!”.
Estas últimas observações espelham as conclusões, divulgadas em dezembro passado, de um estudo da Escola Superior Agrária de Viseu (ESAV), que mostrou que 65,7% dos consumidores portugueses não comeriam insetos. A equipa constituída por Sofia Florença, Raquel Guiné, Paula Correia e Cristina Costa, no âmbito da Escola de Verão de Agroecologia e Sistemas Alimentares, inquiriu 230 participantes e avaliou dados sociodemográficos, a caracterização dos hábitos dos participantes, as perceções sobre insetos comestíveis (IC) e derivados, os conhecimentos sobre IC e sustentabilidade e igualmente aqueles acerca do valor nutricional e atitudes perante IC.
Partindo do pressuposto de que os insetos comestíveis podem ser introduzidos nas dietas atuais como fonte de proteína comparável à carne ou ao peixe, a equipa constatou que apenas 16% dos inquiridos responderam que já tinha experimentado insetos, dos quais 61,8% noutros países e 39,2% em Portugal. Questionados sobre as vantagens em termos ambientais e da sustentabilidade, 49% dos participantes revelaram um conhecimento considerado elevado pelos investigadores, seguindo-se 37,1% com conhecimento médio e 13,6% com conhecimento reduzido.
Estas percentagens descem exponencialmente quando se fala nos aspectos ligados à nutrição, na medida em que os inquiridos sabem que os insetos são ricos em proteína, mas não muito mais do que isso, desconhecendo as restantes propriedades nutricionais destes: somente 27,4% têm conhecimento elevado sobre a temática. Se entrarmos no campo da aceitação de produtos como farinhas e insetos inteiros, mencionados anteriormente, 19% dos inquiridos responderam que “não comeria com certeza”, 19,2% “não comeria”, 25,8% é “indiferente”, 23% “comeria” e, 12,2% “comeria com certeza”.
O inseto inteiro é aquele que parece assustar mais os portugueses, se analisarmos os dados apurados pelo estudo financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia – Apoio Especial ‘Verão com Ciência’: dos 230 participantes, 35,2% “não comeriam com certeza”, 30,5% “não comeriam”, 22,5% é “indiferente”, 8,9% “comeria” e 2,8% “comeria com certeza”.
Curiosidades
Em algumas lojas do Continente, as unidades previstas de produtos da Portugal Bugs, para três meses, venderam-se em apenas um e cerca de 12% dos clientes repetiram a compra. Esta informação foi avançada, no passado mês de fevereiro, pelo Jornal de Notícias, tendo sido avançado também que o Auchan tem “verificado um aumento na procura” e o Lidl e o Intermarché não descartam a futura comercialização destas inovações.
Apesar de estes alimentos ainda serem consumidos por um nicho, no ano passado foram feitos dois pedidos de licenciamento, um no Norte e outro na região Centro, de acordo com o Ministério da Agricultura.
Para além disto, sabe-se que está a decorrer “um processo de licenciamento de uma empresa que pretende produzir insetos” para “posterior transformação em farinha destinada à alimentação animal”. A Tecmafoods, sediada em Matosinhos, pediu licença para produzir farinha de inseto destinada ao consumo humano.
Conheça abaixo algumas curiosidades sobre os insetos apropriados para consumo humano.
A maior quinta de produção de insetos
A maior quinta de insetos do mundo está sediada no norte de França. A empresa Ynsect obteve 224 milhões de dólares – aproximadamente 213 milhões de euros – de investidores para construir uma quinta em Amiens que produzirá 100 mil toneladas de produtos de insetos, como farinha e óleo, por ano, além de criar 500 novos empregos.
Ocupando mais de 40 mil metros quadrados, esta é “a quinta vertical mais alta do mundo e a primeira quinta vertical com emissões negativas de carbono do mundo”, disse o CEO da Ynsect, Antoine Hubert.
“É importante desenvolver setores de insetos hoje porque o mundo precisa de mais proteínas, mais alimentos, mais ração para alimentar os animais que eventualmente produzirão carne e peixe”, observou Hubert. A Ynsect já tinha uma fábrica em Dole, no leste de França, inaugurada em 2016, onde cria larvas de farinha que são processadas em farinha rica em proteínas e óleo usado na ração animal, sendo que alguns dos insetos são cultivados para se tornarem besouros adultos, que se reproduzem posteriormente. O Ynsect também usa o excremento dos insetos para criar fertilizantes.
“Obviamente, a alimentação humana é um mercado. Alguns ‘players’ já estão envolvidos e a desenvolver diferentes produtos como aperitivos, também substitutos de carne etc. Achamos que, no nosso caso, vamos investigar mais, como fazemos em relação aos animais e às plantas, os benefícios para a saúde”.
Comemos entre 400 e 900 gramas de insetos
Existem mais de 800 mil espécies de insetos, voadores e rastejantes. Aliás, há 200 milhões de insetos por cada ser humano. Segundo o Sur, um jornal diário da Andaluzia, “o facto de não consumirmos insetos de forma consciente não significa que eles não invadam a nossa alimentação”, na medida em que um copo de sumo de laranja natural pode conter cinco moscas da fruta ou 100 gramas de espinafres congelados podem incorporar 50 ácaros, pulgas ou lagartas. Assim, a estimativa é de que podemos comer 400 a 900 gramas de insectos por ano. Em 2017, um estudo da Terro, empresa sediada na Pensilvânia, nos EUA, concluiu que cada pessoa consome 140 mil insetos anualmente. “Embora possa ser inquietante perceber que os insetos acabam por se transformar em culturas nos alimentos que comemos, muitos em todo o mundo os comem inteiros como parte da sua dieta geral”, podia ler-se no comunicado da firma.
Notícia atualizada às 11h05 do dia 30 de abril de 2022. Os nomes das entrevistadas foram eliminados e substituídos por nomes fictícios porque as mesmas demonstraram desagrado perante a publicação das opiniões que transmitiram.