Macron venceu com alguma folga as eleições presidenciais francesas. Pela França, pela União Europeia e pelo mundo, os democratas respiram de alívio, mas o merecido gozo da folga não pode ser grande nem demorado. Se as democracias liberais não conseguirem colmatar a fratura política, social e económica que ano após ano se tem vindo a alargar um pouco por todo o mundo e também nos países da União Europeia, a tomada do poder pelos populistas iliberais e autoritários é uma questão de tempo.
Todas as análises económicas e sociais do primeiro mandato de Macron evidenciam uma estratégia bem-sucedida de afirmação da França no contexto dos novos desafios globais, à exceção de alguns passos em falso na gestão de conflitos internacionais em que as tropas francesas se envolveram. França conseguiu ser a principal beneficiaria do Brexit atraindo capitais, empresas tecnológicas e centros de conhecimento antes localizados no Reino Unido e gerando também dinâmicas internas muito favoráveis. Os indicadores médios de criação de emprego e criação de riqueza foram globalmente positivos e foi um dos países que mais rapidamente começou a recuperar da recessão provocada pela pandemia. Com este cenário, como se compreende então a vaga de descontentamento, mais aguda entre os mais jovens, que fez que quase temer uma vitória de Marine Le Pen e a alcandorou a uma votação acima do 40 % e cujos reflexos nas legislativas de junho são ainda incertos.
O problema é estrutural e tende a agravar-se quanto se fazem apostas de desenvolvimento naturalmente focadas nas áreas de ponta do conhecimento, da tecnologia e da inovação, sem complementar essas apostas com medidas robustas de requalificação e inclusão do maior numero possível de pessoas de todos os territórios, setores e perfis nesse processo. Nestas circunstâncias o segmento da população mais preparado e inserido no tecido económico e social tende a absorver, liderar e concentrar os benefícios dos processos e os mais excluídos sentem-se em função disso, posicionados ainda mais atrás na escala social e nos padrões relativos de vida.
Mesmo que quando a dinâmica permite gerar mais empregos e até melhores empregos, como foi o caso francês, do ponto de vista remuneratório o fosso entre os trabalhadores da estrutura base, muitos deles qualificados, e os que ascendem a posições de topo em particular no setor privado ou os que se posicionam em mercados especulativos bem-sucedidos, aumenta de forma brutal e gera um sentimento social de injustiça e revolta, aditivada agora com os aumentos dos custo de vida decorrente da aplicação de sanções à República Russa para travar a sua agressão à soberania da Ucrânia.
A fratura democrática provocada pelo aumento das desigualdades precisa de ser combatida com medidas que permitam um desenvolvimento inclusivo e de cidadania sem abandonar os objetivos e os métodos de excelência na sua definição e aplicação. Os modelos tecnocráticos podem produzir bons números, mas dividem as sociedades e são tóxicos para a saúde das democracias abertas, abrindo campo aos populismos extremistas que as pretendem destruir.
Eurodeputado do PS