Apesar do documento programático dos militares de Abril (Programa do MFA) não mencionar explicitamente os três D’s – Descolonização, Democratização e Desenvolvimento – é indubitável que estas três palavras sintetizam o essencial dos seus objetivos. O “reconhecimento de que a solução das guerras no Ultramar é política, e não militar” abriu caminho a processo de descolonização, que, apesar de ainda hoje suscitar as mais variadas reações e apreciações, está irreversivelmente fechado e entregue aos manuais da história. Por outro lado, a promessa – concretizada – da convocação de “uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal e secreto” permitiu resolver o problema da mudança de regime para uma democracia, a tal forma de governação que Churchill dizia ser a pior, exceto todas as outras tentadas na história. E assim, apesar de todas as atribulações vividas nos anos seguintes, a descolonização e a democratização foram cumpridas em poucos anos, e Portugal, de um país colonialista e ditatorial, passou a ser um país “normal” no contexto europeu.
A fim de desencadear o terceiro D – o desenvolvimento – o Programa dos capitães de Abril advoga uma “nova política económica” e uma “nova política social”. A primeira pretende-se que seja dirigida sobretudo às “camadas da população até agora mais desfavorecidas” e a segunda tem por finalidade “o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade de vida dos Portugueses”. Ora, se os dois primeiros D’s puderam ser alcançados no essencial através da negociação e ação políticas, o terceiro D exigiu outro tipo de recursos. Mas o país soube obtê-los e – é incontestável – Portugal deu um salto gigantesco no seu nível de desenvolvimento. Ultrapassou o analfabetismo crónico, a mortalidade infantil elevada, a desigualdade extrema entre homens e mulheres, o acesso restrito à saúde, às reformas, ao saneamento, etc., etc.
Porém, o terceiro D tem uma dinâmica diferente dos dois primeiros. O desenvolvimento não é algo que se alcance de forma definitiva ou que permaneça durante um período longo sem necessidade de constante revisão e atualização. Por isso, quando hoje comparamos o funcionamento da nossa democracia com a de outros países podemos não encontrar grandes motivos de preocupação, mas se compararmos o nosso nível de vida, os nossos salários, as nossas reformas, as nossas oportunidades de lazer, o acesso à habitação, sobretudo dos nossos filhos, o desenvolvimento do interior do país, o risco de pobreza, a redução crítica da natalidade, as desigualdades de oportunidade, etc. com a realidade de outros países europeus, ficamos com a sensação de que algo ficou por cumprir. Falta cumprir o terceiro D!
Não digo que nada foi feito para o cumprir. Digo, sim, que o que foi feito não foi suficiente para o cumprir.
Não vou entrar em pormenores sobre as causas do incumprimento desta promessa de Abril, nem vou deter-me sobre a contestação social e os movimentos políticos que a consciência crescente deste incumprimento tem alimentado nos últimos anos. Apenas pretendo realçar um aspeto do desenvolvimento que para ser alcançado requer, no essencial, mera vontade política. Refiro-me à paridade de representação de mulheres e homens nos órgãos do Estado.
É triste o número de deputadas à Assembleia da República na presente legislatura ser menor do que na anterior. Neste caso, para assegurar algum progresso podíamos pelo menos ter tentado evitar o retrocesso. Também é inconcebível que um órgão de topo como o Conselho de Estado, composto por 18 membros, inclua apenas 3 mulheres. Não é caso único, mas, dada a importância deste órgão, seria conveniente evitar tal desproporção.
Quando falamos em promessas de desenvolvimento incumpridas não podemos ignorar que uma das consequências mais preocupantes desse incumprimento são as enormes desigualdades sociais que perduram no país, entre as quais – não posso deixar de realçar –, se encontram as desigualdades de oportunidades entre homens e mulheres.
Tenhamos, pois, esperança que o espírito de Abril permaneça bem vivo e que algum dia seja possível reunir as vontades políticas necessárias para cumprir o terceiro D de Abril – o D de desenvolvimento.
Deputada do Grupo Parlamentar do PSD
Presidente da Academia de Formação Política para Mulheres