2023: é certo, se há algo certo neste mundo de Deus, que a Académica de Coimbra, essa velha equipa de negro vestida que é como que uma segunda equipa-de-todos-nós, para roubar a expressão ao grande Ricardo Ornellas, jogará pela primeira vez na III Divisão. Algo que faz lembrar o dolente Fado do Estudante, cantado por Vasco Santana, o Vasquinho da Anatomia do filme A Canção de Lisboa, antes de apanhar uma bebedeira de caixão à cova por ciúmes e de dizer para o elegantemente jovem Manoel Oliveira.
“Ò Carlos, pois tu agora és dois? Está certo. Carlos é no plural”. Dizia a letra de Marcos Rodrigues: “Que negra sina, ver-me assim/Que sorte vil e degradante/Ai que saudade eu sinto em mim/Do meu viver de estudante…” Passemos da primeira pessoa do singular para a terceira, e a quadra cabe em cheio na deprimente Académica dos dias de hoje, saco de pancada dos seus adversários da II, última classificada sem direito a revisão de provas. Resta uma fé no regresso rápido, imediato se possível, porque nunca tão baixo algum de nós terá imaginado poder cair o nome da Briosa: “O fado é toda a minha fé/Embala, encanta e enebria/Pois chega a ser bonito até/Na rádio telefonia”.
1923: há noventa e nove anos, assim por extenso, a Académica fazia a sua primeira grande época a nível nacional e apurava-se para a final do Campeonato de Portugal, prova que antecedeu a Taça de Portugal e era disputada, em eliminatórias, pelos campeões regionais. Os nomes ficam aí, dependurados na parede branca da nossa memória: João Ferreira, Júlio Ribeiro Costa, o capitão, Francisco Prudêncio, Joaquim Miguel, Teófilo Esquível, António Galante, José Afonso, Guedes Pinto, Armando Batalha, Francisco Ferreira, Augusto Paes, Gil Vicente, José Neto, Daniel e Guimarães…
O trajecto dos estudantes meteu pelo meio três eliminatórias. A primeira delas, segundo os regulamentos, era única e entre os campeões de Braga e de Coimbra, em campo neutro (aliás como as restantes). Jogo no Porto, no Campo do Bessa, com a Académica a vencer o Braga por 2-1, golos de Augusto Paes (24 minutos) e José Neto (64) contra o de Lara (aos 34). Corria o dia 3 de Junho. A segunda eliminatória, marcada para dia 10, mandava que o vencedor da primeira defrontasse o campeão do Algarve, no caso o Lusitano de Vila Real de Santo António. Desta vez em Lisboa, no Campo Grande, e a exigir prolongamento. Novo triunfo dos estudantes, por 3-2, golos de José Afonso (aos 25 e 89 minutos) e de Augusto Paes (aos 111) contra os de António Costa (51) e Baptista Salas (70).
A organização da prova era absolutamente primária e discriminatória. Os campeões do Porto e de Lisboa só eram obrigados a jogar a partir das meias-finais – mandou a Justiça, às vezes cega, que FC Porto e Sporting se defrontassem –, o mesmo acontecendo ao campeão da Madeira, para que não tivesse de deslocar-se ao continente durante muito tempo. O Académica-Marítimo jogou-se no Porto, no Campo da Palhavã, e José Afonso e José Neto (aos 15 e 65 minutos, respectivamente) puseram o resultado em 2-0 antes de José Rodrigues (aos 73) reduzir para o definitivo 2-1.
Sem festa em Faro Eis então a Associação Académica de Coimbra pela primeira vez na final da prova nacional mais antiga do futebol português que ia na sua segunda edição.
Viajaram muitos estudantes até Faro, que recebia o jogo decisivo frente ao Sporting, naquele que é hoje o Estádio de São Luís. 300 deles pertenciam ao Orfeão Académico. Instalaram-se ambas as equipas no Grande Hotel, estando a final agendada para dia 24 de Junho pelas seis horas da tarde. Quatro mil pessoas reuniram-se à volta do relvado, o árbitro era da casa, Eudardo Vieira, e no momento posterior ao apito inicial, um bando de meninos, parecendo pássaros, esvoaçaram em redor dos capitães, Ribeiro Costa e Francisco Stromp, entregando a ambos vistosos ramos de flores.
Seria precisamente Francisco Stromp, logo aos 12 minutos, a abrir a contagem num jogo sem história e no qual a Académica nunca conseguiu fazer verdadeiramente frente ao adversário. Joaquim Ferreira (aos 18 e 53m), converteu dois penaltis e fixou o resultado em 3-0. Os estudantes tinham feito prova que podiam bater-se com os melhores dos melhores, mas regressavam às margens do Mondego com aquela sensação de António Nobre de que Coimbra é uma paisagem triste, triste. Como agora, nos dias que correm…