Vigilante, Deus, em toda a sua infinita omnipotência, velava por este país derramado à beira-mar. Não sei se Deus teria muita pachorra para gastar o seu precioso tempo a vigiar eleições para a presidência da República, mas havia quem não tivesse dúvidas que tinha dado a sua fundamental ajudazinha na reeleição do general António Óscar de Fragoso Carmona que, a par com o presidente do Conselho, António Oliveira Salazar mantinham Portugal encarreirado no caminho da moral e dos bons costumes católicos apostólicos romanos. São insondáveis as decisões do Senhor, mas talvez uma pontinha de malandragem, que também deve ter, atirou com o general para o leito da doença logo quando se preparava para assumir o seu solene compromisso perante os deputados da Assembleia Nacional. Reeleito no dia 17 de Fevereiro para cumprir mais um septénio como mais alto magistrado da nação, tinha a sessão marcada para 15 de Abril. Adveio-lhe uma gripe daquelas potentes, de deixar os brônquios numa atafona, e teve de recolher-se não fosse a coisa evoluir par algo de mais grave, apesar de toda a atenção divina que pudesse ter à cabeceira. Não teve outro remédio António Salazar, homem para todas as emergências, se não assumir inteiramente as funções de presidente enquanto o general recuperava a injecções de penicilina. Finalmente recompôs-se. E a 26 de Abril, foi de estadão a sua chegada ao edifício do Parlamento.
Às 10h25, precisamente, Óscar e António, lado a lado, deixaram o Palácio de Belém em carruagem fechada, precedida por outra com as maiores patentes da casa militar. A escolta de honra era garantida pela Escola de Cavalaria. Não há desfiles destes sem cavalos! Faz parte. De Belém ao Parlamento, o cortejo presidencial desfilou entre alas de tropas que formavam pela ordem seguinte: Engenharia, Batalhão Automobilista, Caçadores 5, Infantaria 1, Guarda Nacional Republicana, Guarda Fiscal, Polícia de Segurança Pública, Metralhadoras e Artilharia 3. Enfileirados, os homens espalhavam-se ao longo da Avenida da Índia. Depois, na Avenida Presidente Wilson, surgiram as fardas da Marinha e dos Sapadores.
O Parlamento estava decorado com longas peças de veludo vermelho e formosas flores verdes. Às 11h00, Óscar e António atravessaram os Passos Perdidos e entraram numa câmara à pinha. Ouviu-se A Portuguesa, lá fora troava a artilharia. Depois escutou-se a voz alquebrada do general:_“A idade já longa e os trabalhos de muitos anos podiam-me fazer crer que sobre os ombros a Nação não lançaria o pesado encargo de a dirigir. Entendeu ela, porém, que poder-lhe-ia ser ainda útil a minha acção. E eu, acostumado a servir, não a recusei”. A seu lado Salazar sorria. Beato.