De t-shirt verde tropa, como se tem apresentado desde o início da invasão russa, em ucraniano, e num discurso marcado por referências portuguesas, Volodymyr Zelensky apelou diante do Parlamento português ao reforço das sanções, ao apoio militar com armamento, e ainda o amparo português na integração da Ucrânia na União Europeia.
“Eu agradeço ao vosso Governo e aos portugueses por todo o apoio à Ucrânia, pelas sanções contra a Rússia”, referiu o Presidente ucraniano, esperando também que Portugal defenda “o embargo do petróleo” russo, além de um bloqueio ao sistema bancário russo.
O chefe de Estado da Ucrânia aproveitou a sessão solene na Assembleia da República para dar conta do tempo “muito complicado” que se vive na Ucrânia, descrevendo a existência de mais sepulturas que vão sendo encontradas nos arredores da capital.
“Os russos estão a matar pessoas para se divertirem”, acusou, enumerando ainda violações, casos de tortura e outras formas de violência contra crianças.
Sinalizando que em Kiev a guerra fez já mais de mil mortos, entre eles 40 crianças, Zelensky falou também num autêntico “inferno” em Mariupol, comparando esse cenário com aquele que foi deixado pelo massacre em Bucha. Mencionou ainda o rasto de destruição deixado pelas tropas russas que “continuam a bombardear as cidades”, a arrasar infraestruturas civis, desde escolas a igrejas.
O país está a “lutar não apenas pela sua independência, mas pela sua sobrevivência”, afirmou, colocando em perspetiva a dimensão da guerra com números. De acordo com Zelensky, mais de 500 mil ucranianos já foram “deportados”. “É o dobro da população da cidade do Porto”, comparou.
Esta não foi a única comparação que o Presidente da Ucrânia utilizou para adaptar a mensagem ao povo português e aproximá-lo do povo ucraniano. Nos 57 dias desde que começou a investida russa, milhões de pessoas foram obrigadas a fugir. “É como se Portugal inteiro fosse obrigado a sair do país”, equiparou.
A quatro dias de se celebrar em Portugal o Dia da Liberdade, mencionou também o 25 de Abril: “O vosso povo vai daqui a nada celebrar o aniversário da Revolução dos Cravos e sabe perfeitamente o que estamos a sentir. Vocês sabem o que é sentir a ditadura.”
Zelensky terminou o seu discurso fazendo um último apelo para que Portugal espalhe a sua mensagem junto dos PALOP. “Lutem contra a propaganda russa. Apoiem a Ucrânia junto da União Europeia. Porque somos livres e os países livres devem apoiar-se. Por favor, apoiem-nos nesse caminho. Vocês que estão mais a Oeste e nós mais a Leste, os direitos e os valores devem ser iguais”, frisou.
Depois do discurso de Zelensky, seguiu-se apenas uma intervenção do presidente da Assembleia da República que começou por recordar que Portugal “condenou desde o primeiro momento a agressão militar da federação russa contra a Ucrânia” e que “o Governo reprovou-a publicamente sem qualquer hesitação nem ambiguidade”.
Garantindo apoio militar e humanitário português à Ucrânia, Augusto Santos Silva frisou que “o agredido tem o direito de se defender e deve ser apoiado nessa legítima defesa”.
O presidente do Parlamento sublinhou ainda as “aspirações europeias da Ucrânia”, assegurando que Portugal estará do lado dos ucranianos no pedido de candidatura à União Europeia. Com números, mencionando os mais de 30 mil ucranianos que encontraram em Portugal refúgio da guerra, bem como as 2 500 crianças matriculadas nas escolas portuguesas, Santos Silva disse ainda que “as portuguesas e os portugueses estão empenhados nesta vasta cadeia de solidariedade”.
Após as duas intervenções, ouviram-se os hinos nacionais de ambos os países. A partir da capital ucraniana, Zelensky cantou de pé o hino ucraniano. Nas galerias da Assembleia da República, também os convidados da comunidade ucraniana entoaram em alto e bom som o hino do país.
O abandono do PCP
O Parlamento levantou-se e fez-se silêncio quando Marcelo Rebelo de Sousa, Augusto Santos Silva e António Costa entraram no hemiciclo. Na bancada do Governo, além de Costa, estava também a ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, a ministra da Defesa, Helena Carreiras, e o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Francisco André, uma vez que o ministro João Gomes Cravinho está em isolamento.
Sentados nas galerias do Parlamento estavam muitos dos nomes que faziam parte do leque de convidados desta sessão. Entre eles o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, o presidente do CDS, Nuno Melo, vários conselheiros de Estado, como Luís Marques Mendes e Leonor Beleza, além do eurodeputado Paulo Rangel e do ex-Presidente da República Ramalho Eanes.
A contrastar com as seis cadeiras vazias na bancada do PCP, vários deputados dos restantes partidos exibiam pins com as cores da bandeira ucraniana. E a falta de comparência dos deputados comunistas foi alvo de crítica até do partido que recentemente perdeu representação na AR. “Nós hoje assistimos a um momento evidentemente histórico e neste momento histórico ali dentro não estiveram os deputados do PCP, que elegeram deputados à Assembleia da República. Em compensação, o CDS não elegeu deputados à Assembleia da República, mas nós estamos aqui”, afirmou o líder dos centristas Nuno Melo.
Também Rui Tavares, deputado único do Livre, disse ser “incompreensível que o PCP não tenha prestado o devido respeito ao povo da Ucrânia. Assistir ao discurso não significa concordar com ele em tudo”.
Paulo Mota Pinto, pelo PSD, referiu que esta “não é a primeira vez que o PCP faz isto”, alegando que o partido “prefere regimes opressores e ditaduras”.
O líder do Chega, André Ventura, registou igualmente a ausência do PCP como uma “indignidade”.
Nos Passos Perdidos do Parlamento, após a sessão solene com Zelensky, a líder parlamentar comunista, Paula Santos, classificou a intervenção do Presidente ucraniano como um “ato de instrumentalização da Assembleia da República” insistindo na tese de que este tipo de intervenções alimenta a escalada da guerra, pelos “apelos a mais armamento e sanções”. A dirigente comunista considerou ainda que a referência ao 25 de Abril foi “insultuosa”. “A revolução de Abril foi feita para pôr fim ao fascismo e à guerra. É um insulto esta declaração [de Volodymyr Zelensky] que faz referência ao 25 de Abril. O 25 de Abril em Portugal foi para libertar e contribuiu para a libertação dos antifascistas. Na Ucrânia estão a ser presos”, argumentou.