Sempre gostei daquela história que o Lobo Antunes repetia de quando em vez sobre o ratinho que, a meio da noite, saía do buraco para fazer xixi no mar. Satisfeito da vida, o bichinho regressava a casa com uma espécie de sensação do dever cumprido, pensando: “Sempre acrescentei mais uma pinguinhas”. Não tenho a inocência de pensar que só esse ratinho do Lobo Antunes é que gosta de fazer xixi no mar, sobretudo agora, quando olho para ele (o mar, não o ratinho) e o vejo pejado de gente que nada e mergulha, grita e dá saltos e simplesmente se diverte. Imagino quantas bexigas se aliviam entretanto e logo eu, que tenho a sensação que a espuma das ondas calmas se parece com o topo de espuma dos finos do Café Farol, não me admirava que, de repente, rolassem na areia pintadas de amarelo, tal com acontece quando, lá na Praia da Barra, surgem as marés-vivas carregadas de algas e de iodo. Apesar da imagem que se me forma na cabeça, não me passa pela cabeça beber o mar. Mas, porque vem a propósito, recordo quando o meu avô Acácio de Paiva resolveu levar o quinteiro dos Moinhos, lá do Olival, a ver pela primeira vez o mar. O Manel Chouriça era um homem feito e nunca tinha visto uma imensidão daquelas, por muito que do Olival a Vieira de Leiria ou ao Pedrógão se percorram menos de 40 quilómetros. O meu avô deixou-o apreciar a vastidão azul. Boquiaberto, o Manel ficou sem palavras. Algo digno de Garcia Márquez: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”. Nessa tarde remota não havia gelo, mas mar. E o meu avô perguntou, na brincadeira, para puxar uma palavra ao embasbacado: “Manel, se isto fosse vinho bebias tudo, não?” E ele, submisso, modesto, esmagado pelo que via até à linha do horizonte: “Ò doutor… nem metade”.