Paz agora (II)


A inicial indignação de muitos com esta guerra não corresponde, na verdade, a uma tomada de posição de fundo contra a guerra como meio adequado de, nos dias de hoje, resolver conflitos.


A única coisa que nos pode espantar – mas talvez seja ingénua esta reflexão – é o facto de muitos dos que, desde logo, se manifestaram contra a invasão da Ucrânia, clamando, e bem, contra ela, são agora os que mais agressividade mostram contra os que se manifestam pelo fim imediato das hostilidades.

É verdade que muitos deles nunca antes participaram ou deram a cara a favor de qualquer movimento contra outras guerras, mesmo quando, como esta, elas não encontravam nenhum suporte moral, político ou legal.

Pelo contrário, alguns deles sempre estiveram do lado dos fautores das guerras e dos interesses por eles defendidos.

A maior parte das guerras mais recentes, diga-se, sempre careceu de reais e justificáveis fundamentos e, alguns dos que para elas foram usados, não passaram, afinal, de trapaças mal disfarçadas, como, de resto, se veio depois a reconhecer.  

A inicial indignação de muitos com esta guerra não corresponde, na verdade, assim, a uma tomada de posição de fundo contra a guerra – contra qualquer guerra – como meio adequado de, nos dias de hoje, resolver conflitos.

Dessa sua inconsequência, parece resultar apenas que olham a guerra, não como um fenómeno em si mesmo negativo e desastroso para os que a sofrem, mas com a relatividade inerente à acrimónia que sentem contra um ou outro dos lados dos que nela intervêm diretamente.

Face à evidência gritante dessa contradição, agridem os que se declaram, objetivamente, contra a guerra: esta e as outras que a antecederam.

A paz que alguns reclamam, como antes fizeram em outras guerras, não responde hoje, como não respondia ontem, aos seus anseios de ajustar contas com uma parte do mundo que, acreditam, não se alinha, totalmente, com o que julgam ser a ordem certa das coisas.

Acontece que esta guerra – como as outras que a antecederam – qualquer que seja o resultado que dela resulte, não irá, por certo, modificar, definitivamente, essa ordem das coisas, nem tão pouco, reconheçamos, esta é a que melhor serve e servirá a paz e a justiça.

A dita ordem certa das coisas é, afinal, em muitos aspetos, partilhada já por todos os intervenientes na guerra.

Esta ordem das coisas está sempre – sempre estará – em permanente mutação e assumirá tantas e variadas formas quantas as injustiças em que assenta permanecerem ou se agravarem: ela existe para que estas se mantenham

É por isso que esta guerra e outras como ela, além de não se justificarem como uma solução de justiça almejada pela humanidade, deveriam ter sido evitadas por quem o poderia fazer e deverão ser paradas o mais depressa possível, por pressão e em defesa de todos quantos a sofrem.

É que, na verdade, concordem ou não com a guerra, são os mais carentes e fracos que com ela padecem: são precisamente aqueles que mais suportam a injustiça que a atual ordem das coisas comporta que a guerra afetará.

E, claro, quando me refiro a estes, não quero referir-me apenas aos que, no campo de batalha, sacrificam, de imediato, de um lado e do outro, a sua vida e a dos seus.

Nem me refiro, unicamente, às vítimas de todas as brutalidades e violências criminosas que a guerra sempre comporta: esta e as outras.

É, aliás, inútil invocar, aqui, quais e quantas foram, e quem, também, as cometeu: tal enumeração, além de fastidiosa, seria, pela sua grandeza, impossível de concretizar.

Refiro-me, pois, também, a todos os outros sedentos de justiça que, em outros países, vão, igualmente, sofrer com esta guerra – como sofreram com as outras – e que não têm, nem tiveram nunca, oportunidade de dizer se, de algum modo, queriam nela participar.

São eles, por exemplo, os portugueses que, por causa da guerra e da inflação que gera, veem os seus rendimentos congelar ou retroceder de novo: os médicos, os enfermeiros, os professores, os funcionários públicos e privados, os pensionistas, os agricultores, os industriais nacionais e seus trabalhadores.

Pior – muito pior – será também a sorte de muitos outros povos, depauperados já por outras guerras igualmente inúteis, que, por isso, dependem, hoje, dos alimentos produzidos nos países envolvidos nesta guerra.

 São eles que deixarão de ter acesso barato e passarão, assim, por um período de mais fome e miséria.

As guerras têm sempre dois lados por onde podem ser observadas diretamente, mas eles não se reduzem, necessariamente, apenas às posições dos que lutam num campo ou no outro.

As guerras – estas guerras – tocam, também, de maneira diferente os que, em todo o mundo, são mais fracos e carecidos, e os que, por outro lado, podem até lucrar com elas e delas viver: estes são os lados a que é preciso atender igualmente para melhor as compreender.

Por isso, não é assim tão estranho que alguns – em muitas partes do mundo e também entre nós – se oponham ao fim rápido da guerra e defendam, inclusive, que ela pode e deve, mesmo, durar mais tempo: o tempo que convém à consolidação dos seus interesses.

É por tal razão – por todos os horrores e injustiças, mais ou menos visíveis, que a guerra gera e que são indiferentes a quem a decreta ou não a quis evitar ou pode parar – que é necessário ajudar a obter a paz agora.