As farpas de Costa e a promessa de “mais quatro anos e seis meses”

As farpas de Costa e a promessa de “mais quatro anos e seis meses”


A primeira sessão plenária com o Governo mais pareceu uma sessão da legislatura anterior, com a novidade da invasão russa da Ucrânia, que pouco ou nada se debateu no hemiciclo. 


Por Joana Mourão Carvalho e José Miguel Pires

A guerra na Ucrânia (ainda que como nota de rodapé), o SNS, a TAP e os salários mínimos e médio foram os temas principais da primeira sessão parlamentar que contou com António Costa e o seu Governo. Da esquerda à direita, os grupos parlamentares recentemente empossados enfrentaram cara-a-cara o também recém-empossado XXIII Governo Constitucional. O hemiciclo aqueceu em debate, com António Costa ao centro a dar início à sessão com uma garantia: não há tempo a perder. A maioria absoluta socialista que resultou da crise política em Portugal fez-se sentir no Parlamento, ao mesmo tempo que Costa anunciava uma novidade: a redução do ISP equivalente à redução do IVA para 13%.

Na mente dos parlamentares está, ainda, a hipótese de Costa abandonar o lugar em 2024 para rumar a Bruxelas, e o próprio primeiro-ministro deu um ‘toque’ nesse assunto logo no discurso de abertura desta sessão plenária. “Não é agora que abandonaremos os portugueses. Nunca o fizemos e não é agora que o vamos fazer. […] Agora temos mesmo as condições para fazer o que é necessário fazer”, declarou.

Uma deixa que foi o centro da intervenção de André Ventura, líder da bancada parlamentar do Chega, agora reforçada com mais 11 deputados, que acusou o ‘vai não vai’ de Costa relativamente à Europa, assunto que já mereceu a atenção de Marcelo Rebelo de Sousa, que garantiu, no discurso de tomada de posse do Governo, que convocaria eleições antecipadas se Costa seguir para Bruxelas. O líder do Chega – protagonista de uma moção de rejeição ao programa de Governo, que será votada hoje, e na qual o PSD se deverá abster – apontou armas ao Executivo de Costa, com especial ênfase para Fernando Medina, antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa e atual ministro das Finanças. Ventura deixou, aliás, uma sugestão a Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia, que vai discursar por videochamada no Parlamento: que dê um ‘puxão de orelhas’ a Medina, aquando do seu discurso, relativamente à polémica em que o antigo autarca esteve envolvido, quando se revelou que a CML teria partilhado dados sobre manifestantes russos com o regime de Putin. Nos ataques aos ministros, Ventura ainda aproveitou para criticar a escolha de Pedro Adão e Silva para ministro da Cultura, e a escolha do mesmo para comissário da organização das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.

Ao líder do Chega, Costa respondeu de forma sucinta: acusou o seu discurso de mais se assemelhar a um “casting que estava a fazer para comentador televisivo”.

Rio questiona sobre SMN Rui Rio, líder do PSD, não poupou nas críticas a Costa, centrando o seu discurso principalmente nas questões do futuro económico do país. Nomeadamente, o salário mínimo e o salário médio. Depois de questionar Costa sobre os seus planos para contrariar o ‘abandono’ da TAP do Norte do país, e de considerar que a companhia aérea é uma “empresa regional” que anda numa “orgia financeira”, Rio foi direto ao assunto: a proposta socialista de subir o salário mínimo nacional para 900 euros até 2026 é, ou não, para manter? Ou vai Costa ajustar os valores com os da inflação? Se assim não for, acusou Rio, “tiramos uma conclusão óbvia: enganou as pessoas”.

O líder social-democrata aproveitou também para trazer ao hemiciclo a questão do aumento do preço dos combustíveis, acusando o Governo de poder arrecadar até 500 milhões de euros com estes aumentos. Nesse âmbito, o PSD defendeu que o Governo devolva o valor extra que o Estado recebeu em impostos desde janeiro, e questionou ainda: “Porque é que não reduz o ISP à data em que o petróleo começou a subir e a dar ganhos ao Governo?”

Costa, antes de responder às questões de Rio, ainda realçou o ‘fervor’ com que o líder social-democrata o confrontou, ironizando: “Fiquei com a sensação que queria uma segunda volta das eleições. Dr. Rui Rio, ao ver o bom exemplo da segunda volta que conseguiu no círculo da Europa, vamos a isso. Começo, aliás, a perceber porque vai adiado as eleições no seu partido: é a ver se ainda vai a uma segunda volta comigo”. Aqui, mais um ‘toque’ ao assunto da sua eventual ida para Bruxelas: “Eu estarei cá mais quatro anos e seis meses à espera de si, tem tempo de ir e voltar e eu ainda cá estarei”.

Sobre as questões dos sociais-democratas, Costa começou por reforçar que o Governo avançará “com uma redução de ISP equivalente à redução do IVA para 13%”, mantendo “mecanismos de compensação dos aumentos de receita fiscal e alargaremos a suspensão do aumento da taxa de carbono até 31 de dezembro”. Isto, defende, enquanto não receba “uma resposta ao nosso pedido por parte da Comissão Europeia”. Medidas que, sustentou o primeiro-ministro, se traduzirão “numa redução de 52% do acréscimo do preço do gasóleo e de 74% do preço da gasolina, registados desde outubro de 2021”, aos preços atuais.

Liberalismo no futuro? No seu discurso de abertura, António Costa atirou ainda uma farpa à Iniciativa Liberal: “Quando tudo falha é mesmo o Estado que resta. Não, como o passado recente e o presente nos recordam, o futuro não é liberal, o futuro é do Estado social porque exige que todos cuidemos dos mais frágeis.”

João Cotrim Figueiredo, líder parlamentar dos liberais, que cresceram também de 1 para 8 deputados, refutou a afirmação de Costa, e atirou: “O futuro é liberal, e o PM sabe-o bem.”

Cotrim Figueiredo ironizou também, defendendo que o subtítulo do programa de Governo, devia ler ‘Agora é que vai ser’. O líder liberal acusou o programa de não falar em reformas para o país, e de espelhar que o PS e o seu Governo “continua a achar-se dono do país”.

A troca entre Cotrim Figueiredo e Costa foi, aliás, uma das mais caricatas da sessão. O primeiro-ministro até comparou os liberais à Coca-Cola, argumentando que “a Coca-Cola é boa porque é boa, a publicidade da Coca-Cola até pode ser má, mas a Coca-Cola é boa”, justificando que o “problema” com a IL é esse: “A comunicação da IL é excelente, o problema é mesmo a IL”.