Estamos todos interligados.
Assistimos agora, enquanto ainda batalhamos contra esse bater de asas originário na China, a um grave conflito militar entre dois estados que estão no continente europeu.
Este diário “bater de asas” na Ucrânia chega cá e provoca contínuos tufões de revolta e tsunamis de injustiça. E não devíamos ver isto apenas no que nos toca diretamente na carteira, como os mais de 2€/L do gasóleo ou da gasolina em face ao aumento do preço dos combustíveis pelas causas adjacentes conhecidas na distribuição global.
E nem é só isso. O conhecido “celeiro da Europa”, a Ucrânia, fará também tremer o abastecimento de cereais seguramente. Seja de que forma mais ou menos sentida, fará tremer.
Depois destes factos, subjugados a números, mas que têm e tiveram sempre foco na saúde pública e na vida humana, vemos debitar chorrilhos de indignação ao que não nos causa dor: “A inflação é terrível”, “os preços dos combustíveis são uma vergonha”, “usar máscara ainda é ridículo”; tudo certo, mas devíamos pensar com mais humanidade sobre o que causou tudo isso e ainda causa.
É bom que a inflação não seja só o número financeiro de cada carteira, mas que tenhamos consciência de que é em virtude de pessoas. Pessoas como nós. Não são só números. São pessoas que estão há uma eternidade exagerada de tempo, dado que começou em fevereiro e já estamos em abril, a ver morrer familiares e a sobreviver nas suas vidas não vividas perante um país em ruínas.
Numa guerra ninguém ganha e todos perdem.
Não haverá vitória nenhuma da Ucrânia quando, esperamos, o conflito militar parar. Será uma derrota com imensos dias de perda. Do lado da Rússia será uma derrota com décadas de perda de credibilidade global e de respeito internacional, sejamos justos e não hipócritas.
Caberá na tolerância intelectual de alguém que o gigantesco abanão na paz que a Rússia provocou no continente europeu será esquecido quando cessarem-fogo e existir um dito acordo escrito entre os dois países?
Achamos nós, portugueses, mas sobretudo europeus e cidadãos globalizados pela dinâmica de informação que nos cai ao segundo em cada televisão ou telemóvel, que um dia após o tormento – cuja paternidade pertence a Putin – desta guerra aceitaremos a Rússia de volta a tudo o que sanções e sançõezinhas excluíram? Ficará tudo bem?
Sanções e penalizações democráticas funcionam em democracias. Uma aplicação de uma sanção a um autocrata e a um regime não democrático (como se vive na Rússia) é uma ilusão. Poderemos continuar a agitar a bandeira revanchista da penalização económica, da sanção desportiva, mas, ao final desse mesmo dia, continuam a morrer cidadãos no nosso continente e seguimos a jornada de vermos rebentados monumentos, cultura e parte da história de todos nós, europeus.
A cultura é o cimento de tudo, a memória e o futuro que se ligam em qualquer espaço. Esse cimento, menos avaliado ainda, claro, face à importância da vida humana, está a ser dinamitado na Europa e pertence a todos os europeus. Sejam ucranianos ou portugueses.
Yuval Harari, célebre historiador israelita, diz que a análise da história tal e qual a fazemos, com base em repetições e em ciclos iguais, é errática. Em suma, defende que em pleno ano de 2022 é um erro achar que virá desta Alemanha de Olaf Shulz uns novos Nazis. Uma nova forma de atentado à população com base em xenofobia e racismo. Concordo.
Porém, e confesso-me já enquanto defensor desta tese histórica de Harari de que a História não se repete da forma como por impulso hoje se desbarata, é impossível olhar para a Rússia de Putin e não regressar ao tempo do Czar Ivan IV, “o Terrível”.
Aquele que foi o primeiro a ser coroado Czar da Rússia e que, conquista após conquista tornou aquele país num poderoso império, dando-lhe a dimensão territorial que conhecemos e que foi responsável por mortes sanguinárias, macabras e sobretudo decisões intempestivas e erráticas… como Putin.
Com um olhar global, não discordando de Yuval Harari, acredito que Putin repete erros de uma outra Rússia e que, como outro líder russo, está a provocar mortes violentas e desnecessárias que não o apagarão da história por maus motivos.
O seu bater de asas de violência será eterno. Na Rússia, na Ucrânia ou em Portugal.
Olhando para dentro, mas com foco fora.
Lisboa foi a capital da globalização no século XVI. Como é que séculos depois achamos que o que acontece na China ou na Ucrânia não tem impactos globais aqui? Claro que tem.
Vamos continuar a queixar-nos de que toda a razão da inflação e aumento de preços é exclusiva da classe política? Vamos continuar a achar que a nossa liberdade individual é suficientemente maior que a proteção da sociedade face a um vírus que não dá tréguas há mais de dois anos?
Vamos continuar a achar que Portugal é uma bolha e que tudo o que importa é o preço dos combustíveis e a nossa carteira?
Falamos de preço e valor, mas lamento informar que o valor de um abraço nestes anos de pandemia e de guerra aumentou bem mais que o preço dos combustíveis.
O bater de asas violento da Rússia provocou ventos de desconfiança que vão perdurar. Ventos que sim, atingiram Lisboa e todas as capitais do nosso continente europeu e do mundo, nas carteiras e nas vidas.
Resta-nos entender que a resposta a tudo isto também só poderá ser global e que acima dos números, há pessoas que tardam em ver eficiência nas cimeiras, reuniões e sanções.
Que rapidamente sejamos mais humanos.