Um bater de asas global


Adaptando ao que tantas vezes é dito e escrito, um bater de asas de uma borboleta em Portugal pode causar um terramoto na China. De facto, 2019 demonstrou que uma epidemia num país podia causar uma pandemia global em todos os outros países e, acima de tudo, fazer tremer toda a terra. Também Portugal, claro…


Estamos todos interligados.

Assistimos agora, enquanto ainda batalhamos contra esse bater de asas originário na China, a um grave conflito militar entre dois estados que estão no continente europeu.

Este diário “bater de asas” na Ucrânia chega cá e provoca contínuos tufões de revolta e tsunamis de injustiça. E não devíamos ver isto apenas no que nos toca diretamente na carteira, como os mais de 2€/L do gasóleo ou da gasolina em face ao aumento do preço dos combustíveis pelas causas adjacentes conhecidas na distribuição global.

E nem é só isso. O conhecido “celeiro da Europa”, a Ucrânia, fará também tremer o abastecimento de cereais seguramente. Seja de que forma mais ou menos sentida, fará tremer.

Depois destes factos, subjugados a números, mas que têm e tiveram sempre foco na saúde pública e na vida humana, vemos debitar chorrilhos de indignação ao que não nos causa dor: “A inflação é terrível”, “os preços dos combustíveis são uma vergonha”, “usar máscara ainda é ridículo”; tudo certo, mas devíamos pensar com mais humanidade sobre o que causou tudo isso e ainda causa.

É bom que a inflação não seja só o número financeiro de cada carteira, mas que tenhamos consciência de que é em virtude de pessoas. Pessoas como nós. Não são só números. São pessoas que estão há uma eternidade exagerada de tempo, dado que começou em fevereiro e já estamos em abril, a ver morrer familiares e a sobreviver nas suas vidas não vividas perante um país em ruínas.

Numa guerra ninguém ganha e todos perdem.

Não haverá vitória nenhuma da Ucrânia quando, esperamos, o conflito militar parar. Será uma derrota com imensos dias de perda. Do lado da Rússia será uma derrota com décadas de perda de credibilidade global e de respeito internacional, sejamos justos e não hipócritas.

Caberá na tolerância intelectual de alguém que o gigantesco abanão na paz que a Rússia provocou no continente europeu será esquecido quando cessarem-fogo e existir um dito acordo escrito entre os dois países?

Achamos nós, portugueses, mas sobretudo europeus e cidadãos globalizados pela dinâmica de informação que nos cai ao segundo em cada televisão ou telemóvel, que um dia após o tormento – cuja paternidade pertence a Putin – desta guerra aceitaremos a Rússia de volta a tudo o que sanções e sançõezinhas excluíram? Ficará tudo bem?

Sanções e penalizações democráticas funcionam em democracias. Uma aplicação de uma sanção a um autocrata e a um regime não democrático (como se vive na Rússia) é uma ilusão. Poderemos continuar a agitar a bandeira revanchista da penalização económica, da sanção desportiva, mas, ao final desse mesmo dia, continuam a morrer cidadãos no nosso continente e seguimos a jornada de vermos rebentados monumentos, cultura e parte da história de todos nós, europeus.

A cultura é o cimento de tudo, a memória e o futuro que se ligam em qualquer espaço. Esse cimento, menos avaliado ainda, claro, face à importância da vida humana, está a ser dinamitado na Europa e pertence a todos os europeus. Sejam ucranianos ou portugueses.

Yuval Harari, célebre historiador israelita, diz que a análise da história tal e qual a fazemos, com base em repetições e em ciclos iguais, é errática. Em suma, defende que em pleno ano de 2022 é um erro achar que virá desta Alemanha de Olaf Shulz uns novos Nazis. Uma nova forma de atentado à população com base em xenofobia e racismo. Concordo.

Porém, e confesso-me já enquanto defensor desta tese histórica de Harari de que a História não se repete da forma como por impulso hoje se desbarata, é impossível olhar para a Rússia de Putin e não regressar ao tempo do Czar Ivan IV, “o Terrível”.

Aquele que foi o primeiro a ser coroado Czar da Rússia e que, conquista após conquista tornou aquele país num poderoso império, dando-lhe a dimensão territorial que conhecemos e que foi responsável por mortes sanguinárias, macabras e sobretudo decisões intempestivas e erráticas… como Putin.

Com um olhar global, não discordando de Yuval Harari, acredito que Putin repete erros de uma outra Rússia e que, como outro líder russo, está a provocar mortes violentas e desnecessárias que não o apagarão da história por maus motivos.

O seu bater de asas de violência será eterno. Na Rússia, na Ucrânia ou em Portugal.

Olhando para dentro, mas com foco fora.

Lisboa foi a capital da globalização no século XVI. Como é que séculos depois achamos que o que acontece na China ou na Ucrânia não tem impactos globais aqui? Claro que tem.
Vamos continuar a queixar-nos de que toda a razão da inflação e aumento de preços é exclusiva da classe política? Vamos continuar a achar que a nossa liberdade individual é suficientemente maior que a proteção da sociedade face a um vírus que não dá tréguas há mais de dois anos?

Vamos continuar a achar que Portugal é uma bolha e que tudo o que importa é o preço dos combustíveis e a nossa carteira?

Falamos de preço e valor, mas lamento informar que o valor de um abraço nestes anos de pandemia e de guerra aumentou bem mais que o preço dos combustíveis.

O bater de asas violento da Rússia provocou ventos de desconfiança que vão perdurar. Ventos que sim, atingiram Lisboa e todas as capitais do nosso continente europeu e do mundo, nas carteiras e nas vidas.

Resta-nos entender que a resposta a tudo isto também só poderá ser global e que acima dos números, há pessoas que tardam em ver eficiência nas cimeiras, reuniões e sanções.

Que rapidamente sejamos mais humanos.

 

 

Um bater de asas global


Adaptando ao que tantas vezes é dito e escrito, um bater de asas de uma borboleta em Portugal pode causar um terramoto na China. De facto, 2019 demonstrou que uma epidemia num país podia causar uma pandemia global em todos os outros países e, acima de tudo, fazer tremer toda a terra. Também Portugal, claro…


Estamos todos interligados.

Assistimos agora, enquanto ainda batalhamos contra esse bater de asas originário na China, a um grave conflito militar entre dois estados que estão no continente europeu.

Este diário “bater de asas” na Ucrânia chega cá e provoca contínuos tufões de revolta e tsunamis de injustiça. E não devíamos ver isto apenas no que nos toca diretamente na carteira, como os mais de 2€/L do gasóleo ou da gasolina em face ao aumento do preço dos combustíveis pelas causas adjacentes conhecidas na distribuição global.

E nem é só isso. O conhecido “celeiro da Europa”, a Ucrânia, fará também tremer o abastecimento de cereais seguramente. Seja de que forma mais ou menos sentida, fará tremer.

Depois destes factos, subjugados a números, mas que têm e tiveram sempre foco na saúde pública e na vida humana, vemos debitar chorrilhos de indignação ao que não nos causa dor: “A inflação é terrível”, “os preços dos combustíveis são uma vergonha”, “usar máscara ainda é ridículo”; tudo certo, mas devíamos pensar com mais humanidade sobre o que causou tudo isso e ainda causa.

É bom que a inflação não seja só o número financeiro de cada carteira, mas que tenhamos consciência de que é em virtude de pessoas. Pessoas como nós. Não são só números. São pessoas que estão há uma eternidade exagerada de tempo, dado que começou em fevereiro e já estamos em abril, a ver morrer familiares e a sobreviver nas suas vidas não vividas perante um país em ruínas.

Numa guerra ninguém ganha e todos perdem.

Não haverá vitória nenhuma da Ucrânia quando, esperamos, o conflito militar parar. Será uma derrota com imensos dias de perda. Do lado da Rússia será uma derrota com décadas de perda de credibilidade global e de respeito internacional, sejamos justos e não hipócritas.

Caberá na tolerância intelectual de alguém que o gigantesco abanão na paz que a Rússia provocou no continente europeu será esquecido quando cessarem-fogo e existir um dito acordo escrito entre os dois países?

Achamos nós, portugueses, mas sobretudo europeus e cidadãos globalizados pela dinâmica de informação que nos cai ao segundo em cada televisão ou telemóvel, que um dia após o tormento – cuja paternidade pertence a Putin – desta guerra aceitaremos a Rússia de volta a tudo o que sanções e sançõezinhas excluíram? Ficará tudo bem?

Sanções e penalizações democráticas funcionam em democracias. Uma aplicação de uma sanção a um autocrata e a um regime não democrático (como se vive na Rússia) é uma ilusão. Poderemos continuar a agitar a bandeira revanchista da penalização económica, da sanção desportiva, mas, ao final desse mesmo dia, continuam a morrer cidadãos no nosso continente e seguimos a jornada de vermos rebentados monumentos, cultura e parte da história de todos nós, europeus.

A cultura é o cimento de tudo, a memória e o futuro que se ligam em qualquer espaço. Esse cimento, menos avaliado ainda, claro, face à importância da vida humana, está a ser dinamitado na Europa e pertence a todos os europeus. Sejam ucranianos ou portugueses.

Yuval Harari, célebre historiador israelita, diz que a análise da história tal e qual a fazemos, com base em repetições e em ciclos iguais, é errática. Em suma, defende que em pleno ano de 2022 é um erro achar que virá desta Alemanha de Olaf Shulz uns novos Nazis. Uma nova forma de atentado à população com base em xenofobia e racismo. Concordo.

Porém, e confesso-me já enquanto defensor desta tese histórica de Harari de que a História não se repete da forma como por impulso hoje se desbarata, é impossível olhar para a Rússia de Putin e não regressar ao tempo do Czar Ivan IV, “o Terrível”.

Aquele que foi o primeiro a ser coroado Czar da Rússia e que, conquista após conquista tornou aquele país num poderoso império, dando-lhe a dimensão territorial que conhecemos e que foi responsável por mortes sanguinárias, macabras e sobretudo decisões intempestivas e erráticas… como Putin.

Com um olhar global, não discordando de Yuval Harari, acredito que Putin repete erros de uma outra Rússia e que, como outro líder russo, está a provocar mortes violentas e desnecessárias que não o apagarão da história por maus motivos.

O seu bater de asas de violência será eterno. Na Rússia, na Ucrânia ou em Portugal.

Olhando para dentro, mas com foco fora.

Lisboa foi a capital da globalização no século XVI. Como é que séculos depois achamos que o que acontece na China ou na Ucrânia não tem impactos globais aqui? Claro que tem.
Vamos continuar a queixar-nos de que toda a razão da inflação e aumento de preços é exclusiva da classe política? Vamos continuar a achar que a nossa liberdade individual é suficientemente maior que a proteção da sociedade face a um vírus que não dá tréguas há mais de dois anos?

Vamos continuar a achar que Portugal é uma bolha e que tudo o que importa é o preço dos combustíveis e a nossa carteira?

Falamos de preço e valor, mas lamento informar que o valor de um abraço nestes anos de pandemia e de guerra aumentou bem mais que o preço dos combustíveis.

O bater de asas violento da Rússia provocou ventos de desconfiança que vão perdurar. Ventos que sim, atingiram Lisboa e todas as capitais do nosso continente europeu e do mundo, nas carteiras e nas vidas.

Resta-nos entender que a resposta a tudo isto também só poderá ser global e que acima dos números, há pessoas que tardam em ver eficiência nas cimeiras, reuniões e sanções.

Que rapidamente sejamos mais humanos.