O mundo vive em suspenso há mais de um mês perante a bárbara invasão da Ucrânia.
Há mais de um mês que vagueamos entre o horror dos relatos e das imagens, a vergonha de não dar todo o apoio que os Ucranianos pedem e a fraqueza da dependência energética de alguns países europeus em relação a Putin.
Há mais de um mês que os chineses optam por se manter equidistantes, que os europeus optam por não cortar a compra de gás à Rússia e que os americanos recusam empenhar a NATO na defesa de um País que gostavam de ver incluído na sua organização.
Porém, a este parágrafo apaixonado temos também de contrapor a visão factual que guia uma aparente incoerência das nações do sistema internacional perante esta clara violação da paz dos Povos.
Ao total isolamento da Rússia, poderia corresponder o efeito contrário do desejado. Na realidade, qualquer esperança de que o próprio povo russo procurasse reunir forças para travar Putin poderia desaparecer se a Humanidade os isolasse.
Já o fim das importações de gás russo para a Europa, poderia condenar à morte, pelo frio, centenas de milhares de europeus.
Ao empenhar a NATO na interdição do espaço aéreo ucraniano, poderíamos lançar o mundo numa guerra nuclear que iria vitimar milhões e condenar zonas do globo a décadas de interdição devido à radiação.
E é neste difícil equilíbrio entre a nossa vontade apaixonada de fazer mais, e a visão realista da imprevisibilidade das consequências, que Putin vai prosseguindo a sua violação da mais sagrada bandeira que nos devia unir a todos: a da dignidade humana.
Todos os dias retiramos lições importantes para uma nova ordem mundial que terá de emergir dos escombros de um conflito que demonstra que quando humanos se confrontam, se ninguém os separar, só a frustração do agressor perante a sua ineficácia, ou a humilhação total do agredido, pode ditar o fim desse confronto.
Mas existem igualmente outras lições a retirar deste conflito.
Por um lado, a China compreende que qualquer confronto militar futuro com o Ocidente, terá de contemplar a ruína total do modelo económico sobre o qual têm construído a sua prosperidade.
Por outro lado, a Europa compreendeu que o futuro terá de passar pela independência energética e económica. O alto da moral europeia, território histórico dos valores da liberdade e da dignidade humana, está dobrado pela dependência energética.
Por fim, a NATO ficou a saber que é a potência militar suprema a nível mundial, já que as forças armadas russas provaram ser extremamente ineficazes, descoordenadas, baseadas em modelos logísticos desadequados e desconhecedoras das mais básicas doutrinas modernas militares.
E então, no meio de tudo isto, por quem lutam os ucranianos?
Para nossa grande vergonha, mas para grande orgulho do povo ucraniano, eles lutam por todos nós.
Lutam pela nova ordem mundial que forçosamente terá que emergir dos escombros desta guerra.
Lutam para que a China compreenda que o futuro só será possível se for feito em paz e que as futuras expansões sejam espaciais e não na Terra.
Lutam para que a Europa desperte de um longo sono de conforto hipócrita e concretize a revolução energética e a descarbonização da sua economia, como garante não só da sua independência energética, mas também da sua independência civilizacional.
Lutam para que a NATO não volte a adormecer e venha a englobar ainda mais países do mundo, e que o artigo 5º possa deixar de dizer que “um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas” e possa passar a dizer que no futuro, qualquer tirano que resolva invadir um país sinta a resposta imediata e concertada das restantes nações do mundo.
Se calhar, Lutam por tudo isto sem se aperceber que o fazem, porque a infeliz realidade é que muitos deles só Lutam para sobreviver a mais um dia de terror.
E os nossos filhos ficarão em dívida pela sua Luta.