As nuvens voltaram e taparam o sol. De repente, é como se o Inverno, que se esqueceu de vir em janeiro, saísse do seu estado letárgico e resolvesse invadir a Primavera com o seu exército de ventos frios. Daqui a pouco regresso a Lisboa.
Talvez porque em Lisboa não sinta tanto como aqui a triste ausência do sol. Estico o olhar o mais que posso em direção ao horizonte na expectativa de um tudo-nada de azul, nem que seja um azul-rafeiro, a dar à cauda, prometendo ladrar de alegria mais para a tarde. Mas nada. Não há sequer o vestígio de uma promessa.
Talvez se soubesse o que está além do horizonte não tivesse no corpo esta necessidade da viagem. Ou melhor: não é uma necessidade, é uma vertigem. “A minha pátria é estar onde não estou”, escreveu Fernando Pessoa que não tinha a vertigem da viagem porque, para ele, o Ganges passava na Rua dos Douradores e o sino da sua aldeia batia dolente na tarde calma do Largo de São Carlos. Viajava por dentro e chegava-lhe. Eu não resisto aos horizontes.
Quero sempre espreitar o que fica por detrás de cada um e toda a gente sabe que os horizontes são infinitos: de cada vez que pomos os pés em cima do primeiro já o segundo nos grita num chamado aflito. Não tarda, regresso a Lisboa, à minha tertúlia inevitável da Rua Norte, onde a noite se prolongará pela madrugada, venha quem vier. A noite do Calcutá é avessa a horizontes.
Ninguém adivinha o que está no fim do caminho que percorremos até chegar a essa linha aparente ao longo da qual, em lugares abertos e planos, observamos que o céu parece tocar a terra ou o mar. Tocamos a terra e o mar e toda a vã filosofia que fica entre um e o outro. Montaigne, o escritor francês, sentenciou certa vez: “Se a dor de cabeça viesse atrás da embriaguez, evitaríamos beber demasiado. Mas o prazer segue à nossa frente e esconde o que se lhe segue”. Sim, volto a Lisboa, à Rua do Norte, esse lugar onde se bebem os horizontes.