Em novembro, em Glasgow, o mundo deu passos consistentes para salvar o planeta do aquecimento global, protegendo os ecossistemas da desflorestação, cortando emissões de metano e, sobretudo, criando a visão de um futuro livre de carvão.
À saída da COP 26, a cotação desta matéria-prima rondava os 80 dólares por tonelada. Mas apenas quatro meses depois, em abril de 2022, o valor do carvão nos mercados internacionais explodiu e há analistas que apontam mesmo para a possibilidade de tocar nos 500 dólares/tonelada. O consumo disparou entre 15% a 20%, mesmo nas economias avançadas.
Estarão os compromissos globais para reduzir o uso de energias sujas e controlar o aumento da temperatura do planeta irremediavelmente em risco? E como é que isto aconteceu?
A resposta é simples: insegurança energética gerada pela guerra.
A Rússia alimenta a economia europeia com 4,5 milhões de barris de petróleo por dia. É fonte de 50% do gás natural consumido nas fábricas germânicas ou nos lares polacos.
Mas a longa mão russa não se limita à Europa: ela é a responsável por cerca de 20% das exportações mundiais de carvão, petróleo e gás natural.
Assim que os tanques russos romperam as fronteiras e as bombas do Kremlin pintaram de negro os céus da Ucrânia, vários países, sobretudo na Europa, perceberam à sua própria custa a intolerável vulnerabilidade criada pela dependência energética de Moscovo. Em quase todas as capitais, o frenesim em busca de alternativas é notório.
Uns viram-se para o nuclear. Outros agarram-se a qualquer fonte de energia, incluindo o carvão. Todos coincidem na necessidade imperiosa de quebrar os laços com a Rússia, reconquistando independência e segurança energéticas ao mesmo tempo que interrompem o fluxo de euros no financiamento do esforço de guerra de Putin.
É crítico que neste ambiente de incerteza e volatilidade, a emergência climática não seja obliterada pela emergência bélica.
A invasão russa trouxe a guerra para o coração da Europa. Mas esse choque para os governos e opiniões públicas mundiais não pode fazer descarrilar os planos de transição energética. Em vez de procurarem novas fontes de energia suja que satisfaçam momentaneamente as suas necessidades, os governos europeus devem usar esta crise como acelerador da revolução verde conquistando sustentabilidade de longo prazo. Como bem dizia recentemente o ministro alemão das Finanças: “Energia renovável é energia livre”.
O corte na dependência do gás e petróleo russo traz à memoria dos mais velhos a brutal crise energética de 1973. Nessa altura, o embargo petrolífero dos países árabes provocou um ajustamento duríssimo na dieta de hidrocarbonetos do mundo ocidental, com impactos económicos e sociais duradouros. Os governos tiveram de atuar: desde experiências de racionamento na Holanda a banir o uso do carro aos domingos em França, ou mesmo antecipando a hora de ir para a cama, pondo fim às emissões televisivas em horário definido pelo Estado.
Embora esses tempos pareçam de uma realidade distante, hoje os decisores políticos não estão longe de terem de fazer as suas próprias escolhas difíceis. Fala-se na redução dos limites máximos de velocidade nas estradas, na redução do uso do ar condicionado, na instituição do teletrabalho obrigatório, no maior apoio ao transporte público ou no incentivo ao carpooling. Quaisquer que sejam as medidas a ser adotadas – e não é uma questão de “se”, é uma questão de “quando” e “como” – certo é que os europeus devem preparar-se para um inverno previsivelmente duro se a guerra se arrastar.
Para uma sociedade viciada numa lógica de satisfação instantânea de consumo, o impacto será brutal.
Todavia, é urgente que todos compreendam que a batalha pela independência energética não será ganha se os cidadãos não forem aliados nesta causa. Todos podem fazer a sua parte mudando os seus padrões de consumo e de hábitos.
Podem andar mais a pé e deixar o carro mais vezes parado. Podem reduzir as viagens de avião. Podem escolher uma dieta menos intensiva no produto de emissões.
Se cada um fizer a sua parte, a sociedade estará a operar um duplo corte: nas emissões de CO2 (em 40-70% até 2050) e na dependência do gás e petróleo russos. Só as energias verdes e a sustentabilidade como modo de vida nos permitem este resultado de ganhos em todos os tabuleiros.
A mudança de paradigma será dolorosa para os cidadãos e para as empresas. Mas esse é um esforço que temos de ser capazes de fazer agora, se queremos preservar o planeta e mostrar o mínimo de solidariedade face às gerações dos nossos filhos e netos.
A transição para as renováveis não é apenas a melhor resposta aos dilemas energéticos criados pela guerra. É a única solução que permite um futuro sustentável, uma autonomia política duradoura e um horizonte livre de chantagem e do medo.
Se o petróleo, o carvão e o gás foram o motor da(s) guerra(s), o sol, o vento e a água serão o combustível da paz.