Depois de polémica na UMinho, 31 professores da FDUL são denunciados por assédio e discriminação

Depois de polémica na UMinho, 31 professores da FDUL são denunciados por assédio e discriminação


Foram rececionadas 29 queixas de assédio moral e 22 de assédio sexual, entre outras. A última polémica semelhante aconteceu em dezembro de 2021, quando os casos de violência na Universidade do Minho vieram a público e foi criado um Grupo de Missão para a Elaboração de Orientações de Prevenção e Combate ao Assédio.


No espaço de apenas 11 dias, depois de ter aberto um canal para receber denúncias de assédio e discriminação, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa recebeu 50 queixas, relativas a 10% dos professores. Segundo o Diário de Notícias (DN), jornal que deu a conhecer esta informação, sete dos 31 professores alvo de queixa correspondem a mais de metade dos relatos. 

Assim, de acordo com o canal aberto pela instituição de Ensino Superior, foram rececionadas 29 queixas de assédio moral e 22 de assédio sexual, entre outras de variados carizes. Importa também referir que foram verificadas denúncias de práticas discriminatórias de sexismo, xenofobia/racismo e homofobia. Simplificando, podemos concluir que foram recebidas 70 denúncias e, destas, 50 dizem respeito a 31 docentes. Sete destes têm mais de metade das queixas e há um com nove e dois com cinco.

Este cenário não é de estranhar, pois, já em setembro de 2020, o Público adiantava que o professor Francisco Aguilar (pediu direito de resposta) havia feito observações polémicas, em programas curriculares das cadeiras de Direito Penal IV e Direito Processual III e num artigo numa revista jurídica, entre as quais uma comparação entre o feminismo e o nazismo. 

À época, um antigo director da FDUL pediu a demissão de Menezes Cordeiro, responsável pelo Centro de Investigação de Direito Privado e pela revista em causa. E não eram “só” estes problemas que estavam em cima da mesa: sabe-se que os estudantes eram incitados a relacionar violência doméstica com “disciplina doméstica” e a encarar o “homem branco cristão e heterossexual” como “tribo bode expiatório”.

Em outubro desse mesmo ano, o docente foi suspenso após a abertura de um processo disciplinar a 25 de setembro. O docente havia sido também absolvido do crime de violência doméstica pela juíza Joana Ferrer, do Tribunal Local Criminal de Lisboa. A notícia foi avançada pela revista Sábado, que acrescentou que “a acusação ao professor universitário foi feita por uma aluna, dez anos mais nova, com quem manteve uma relação de cariz amoroso entre os anos de 2015 e 2016 e a quem o professor chegou a ‘agarrar o pescoço’ com a mão e a empurrar”. No entanto, a juíza “considerou que o facto de a arguida ‘ter provocado’ e respondido a alguns insultos era motivo para não proceder à condenação do académico”. 

Uma realidade transversal Em agosto de 2021, o i explorou esta problemática, na medida em que no mês anterior uma estudante de Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP) havia sido impedida de realizar um exame devido à indumentária que apresentava. O episódio ocorreu quando o professor Paulo Pulido Adragão recusou entregar o enunciado da prova à jovem por esta estar “muito destapada” e pediu-lhe que vestisse um casaco, tendo a aluna conseguido realizar o exame, momentos depois, graças à intervenção de um colega.

“O meu orientador da tese de mestrado estava sempre a ser pouco profissional comigo. Queria ver-me em casa dele, que nos encontrássemos em restaurantes e bares. Ligava-me à noite, enviava-me mensagens privadas no Facebook… Senti-me tão desconfortável que acabei por nunca terminar a tese nem defendê-la”, desabafou Madalena (Inome fictício). “Tinha medo de ser prejudicada uma vez que resisti a todos os avanços por parte do meu professor. O meu mestrado tinha muitos rapazes e os professores eram quase todos homens também”.

A seu lado, no primeiro ano do curso de Medicina Veterinária, Catarina (nome fictício) experienciou o desconforto em contexto académico pela primeira vez. “Estava a entrar numa sala de aula, com uma blusa com costas baixas, e um professor disse-me ‘Posso tirar uma foto para enviar lá para fora? Vão achar interessante’”, referindo-se ao pai do ex-namorado da rapariga. “Senti-me tão desconfortável que soltei um riso nervoso e entrei na sala”, disse, assinalando que o homem não era seu docente à época, mas tinham ligações em comum, e viria a dar-lhe aulas no semestre seguinte e nos dois do segundo ano do ciclo de estudos. “Essa interação nunca me saiu da cabeça”, declarou, revelando que “infelizmente é algo que acontece diariamente e não só com este professor”. “Já apontou um ponteiro de laser ao decote de uma amiga minha durante uma aula quando estava a falar das glândulas mamárias das vacas”. 

Volvidos três meses, várias alunas que frequentam ou frequentaram o Campus de Gualtar da Universidade do Minho recorreram às redes sociais para denunciarem as tentativas de abuso e importunação sexuais das quais têm vindo a ser alvo desde 2008, tendo surgido o Movimento de Denúncia de Casos de Violência na Universidade do Minho sob o lema “Não nos calarão!”. Nessa altura, o i teve a oportunidade com as estudantes Ana Amaral (Sociologia, 19 anos) e Carlota da Silva (Filosofia, 20 anos), que criaram a conta de Instagram @denuncia.uminho, por meio da qual partilharam mais de 100 denúncias. "Nenhuma das porta-vozes sente que tem algo a relatar. No entanto 'nós' somos um coletivo de centenas de estudantes e este movimento iniciou com a indignação de todos nós perante vários relatos (que estão de livre acesso na conta de instagram ("@denuncias.uminho") sendo que muitas das vitimas se identificam claramente com a causa", contaram ao i, explicando que "deste movimento começou por parte de centenas de alunos em resposta a dois casos específicos de assédio".

"Um deles sendo o caso de 'Maria' que ocorreu na Residência Lloyd, e outro tendo ocorrido no próprio campus de Gualtar. Após estes dois casos, começaram a surgir imensos relatos de assédio moral e assédio físico (relatos estes com mais de 10 anos) o que nos indignou ainda mais, levando-nos a recorrer a este movimento e consequentemente a uma manifestação", apontaram, referindo-se ao caso narrado no artigo "Ninguém merece submeter-se a assédio para ter onde dormir" por Inês Batista, aluna do terceiro ano da licenciatura em Ciências da Comunicação. “'Levantei-me cedo para ir tomar banho e não havia água quente”. Maria sai do quarto no rés do chão em direção à entrada da Residência Lloyd. Dirige-se ao porteiro para saber se a caldeira está a ter mais problemas. Ele põe-lhe a mão na anca. Num estado de pânico, a aluna da Universidade do Minho apressa-se a submeter a reclamação da água, mas não sai sem mais um convite. 'Sugeriu que tomasse banho na casa de banho dele'. Não era a primeira vez que era assediada", escreveu a candidata a ao Conselho Fiscal e Jurisdicional (CFJ) da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM).

"'Nos momentos em que se dirigia para a sala de refeição, a estudante era, muitas vezes, surpreendida pelo porteiro. Este tinha o hábito de a seguir, meter conversa e insistir 'que lhe desse dois beijinhos'. Para o evitar, começou a lavar os pratos na casa de banho do quarto. Descreve, ainda, uma vez em que ficou presa no elevador. Foi o porteiro quem lhe abriu a porta. Estava a usar uma t-shirt larga e calções quando o homem inclinou a cabeça para espreitar por baixo da camisola. 'Deixei de conseguir andar com roupas curtas na residência'”. Segundo o artigo, Maria terá sido "'submetida a uma mamoplastia de redução, devido ao desconforto físico que o peito grande lhe causava. Antes de recorrer à cirurgia, a aluna tinha dificuldades em dormir no colchão da sua cama. Deslocou-se à portaria para averiguar a possibilidade de troca por outro. O porteiro demonstrou muita curiosidade em saber quais as motivações do pedido. Após muita insistência, a estudante acabou por explicar e 'ele procedeu a fazer um discurso sobre como o peito é a coisa mais bonita que a mulher tem e que não devia mudá-lo por ser tão atraente para os homens'".

A jovem permaneceu na residência entre setembro de 2019 e março de 2020. Nos Serviços de Ação Social da Universidade do Minho (SASUM), "'acompanhada por uma amiga, a aluna é ouvida por duas mulheres, que se mostram bastante compreensivas. Lamentam o sucedido e oferecem uma consulta com a psicóloga da UMinho. Contudo, há algo que deixa Maria muito desconfortável. 'Nós conhecemos a pessoa em questão, ele às vezes tem atitudes um bocado exageradas, mas não faz por mal', disseram". "'Ficou combinado que podia escrever a reclamação em casa e depois enviar por email para os SASUM. Contudo, negam-lhe a entrega da chave e do cartão da residência, por ser necessário 'verificar o estado do quarto'. Maria escreveu 1499 palavras e só obteve resposta cinco meses depois. 'Questionámos o trabalhador sobre os factos alegados por si, que se mostrou bastante surpreso com a situação, dizendo que jamais teve intenção de ofender ninguém, nem a sua integridade, muito menos lhe causar qualquer desconforto', podia ler-se.

"Este é um problema estrutural" "Podemos revelar que estávamos à espera de alguma adesão, no entanto, a adesão por parte de todos os que compareceram superou de facto as nossas expectativas", revelaram Ana e Carlota sobre a manifestação que ocorreu a 2 de dezembro. "O sentimento geral, não só de ambas as porta-vozes desta entrevista, é de grande indignação, revolta, e medo. Pretendemos acabar com este silêncio e dar lugar a um diálogo aberto", frisaram, reconhecendo que receberam "alguns comentários negativos e de julgamento nas redes sociais (em contexto de comentários em jornais) como por exemplo: 'Agora tudo é assédio' ou 'Que tempestade num copo de água'". "Tais comentários desvalorizam não só o movimento, como todas as vítimas que estão a processar tudo aquilo que se está a passar", apontaram, indicando, indo ao encontro dos restantes relatos, que estes crimes são praticados noutras instituições.

"Já temos relatos de outras universidades no nosso país e sendo que este é um problema estrutural, isto acontece não só nas instituições de ensino superior como em todo o lado", afirmaram, divulgando as reivindicações que tinham: exigir que docentes e funcionários da Universidade tenham formações de prevenção e combate ao assédio; reivindicar a revisão e aprimoramento do Código de Conduta e Ética, para que inclua a definição do conceito de Assédio e caracterização das suas diferentes dimensões, indo ao encontro ao daquilo que existe noutras universidades (como por exemplo a Stanford University) e está descrito no Guia para a Elaboração de um Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho; defender a criação de campanhas de sensibilização relacionadas com esta temática dirigidas aos alunos e alunas; exigir que as denúncias de assédio possam ser dirigidas a um Gabinete independente conduzido por trabalhadores com conhecimentos especializados na prática da prevenção e resolução desta problemática e que os procedimentos desencadeados por uma denúncia sejam transparentes. Este Gabinete também deve ter a capacidade de dar opções de acompanhamento e apoio psicológico, gratuito, às vítimas.

"Temos consciência de que é um grande desafio que temos pela frente, mas tudo isto começou com o silêncio e aquilo que pretendemos é um diálogo aberto. Todos estes alunos construíram este movimento, todos identificámos os problemas e de seguida estabelecemos reivindicações específicas e não pretendemos silenciar-nos até que estas sejam ouvidas e postas em prática", garantiram e, no passado mês de fevereiro, o Grupo de Missão para a Elaboração de Orientações de Prevenção e Combate ao Assédio na Universidade do Minho, criado pela reitoria da mesma, divulgou o relatório elaborado por Marlene Matos – professora da Escola de Psicologia e coordenadora do grupo -, Helena Machado, Pedro Jacob Morais, Eloy Rodrigues e Margarida Isaías.

Naquilo que diz respeito à "proteção face ao assédio", as orientações sugeridas pelo Grupo de Missão são: a constituição de uma Comissão para definir a Estratégia para a Prevenção do Assédio na universidade; a elaboração de um Código institucional de Conduta; a revisão do Regulamento Disciplinar do Estudante e o desenvolvimento de ações de comunicação, envolvendo toda a comunidade académica na prevenção do assédio; a promoção do reforço da segurança nos campi, nas imediações do mesmo e nos meios digitais. Já a prevenção secundária prende-se com as ações de “detetar a ocorrência do problema, no indivíduo ou na comunidade, facilitando o diagnóstico, a análise e a sua resolução, prevenindo a sua difusão e os seus efeitos a longo prazo”. É crucial recordar que os casos de violência, seja ela de que tipo for, não são somente praticados por professores ou estudantes: no artigo "Diana Lemos. Existe uma Diana que ficou naquela cama e outra que se reergueu a todo o custo", publicado no no final de julho do ano passado, a estudante entrevistada deu a conhecer a tentativa de abuso sexual que sofreu a 24 de janeiro de 2019 na Unidade Residencial Maria Beatriz, no Campus do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL). 

"Acho que temos assistido a esses números assustadores e relatos sem existirem consequências. Há muito que desconhecemos sobre um assunto tão grave", diz ao i a ativista dos direitos humanos Francisca de Magalhães Barros, evidenciando "que as mulheres/alunas têm de estar seguras perante os seus professores. Isto deve ser imperativo e não um ponto de interrogação". Contudo, tal como o i veiculou em agosto do ano passado, esta realidade não engloba apenas estudantes do género feminino. A título de exemplo, um aluno de Enfermagem partilhou que foi discriminado devido ao cabelo, às tatuagens e à indumentária. “Alguns professores já me disseram que o meu corte de cabelo ‘não era adequado à profissão’ ou que não é um ‘corte masculino profissional’ e que deveria cortá-lo ‘à rapaz’ para dar uma boa imagem”, contou Rodrigo (nome fictício), de 21 anos, jovem cujo professor ameaçou expulsá-lo do curso devido a duas pequenas tatuagens recorrendo à justificação de que transmitiria uma má imagem aos utentes. Para além desta situação, depois de ter sido chamado “excêntrico”, “berrante” e “nada formal ou pudico”, deparou com uma professora que defende que todos os estudantes devem vestir-se de modo “formal”, uma vez que têm de se “preparar para o futuro”. “Num dia em que fui com umas calças rotas nos joelhos, essa mesma professora perguntou se ‘tinha ido prestar serviços para estar com os joelhos rotos’”.