O que ontem se passou na Assembleia da República com a não eleição dos dois Vice-Presidentes propostos pelos terceiro e quarto maiores partidos com representação parlamentar, respectivamente, o Chega e a Iniciativa Liberal, foi a maior manifestação de decrepitude do regime actual com os dois maiores partidos a assumirem as despesas de donos da democracia e de titulares da posse dos lugares dos deputados e da Mesa.
Se era já conhecida a posição pública assumida pelo PS de não viabilizar o nome de Diogo Pacheco Amorim, proposto pelo Chega para a vice-presidência da AR – naquilo que considero mais um erro grosseiro de forma de tratamento de um partido político que, quer queiramos ou não, é o terceiro maior, com 12 deputados eleitos e perto de 400 mil votos dos portugueses –, ficou claro que, após a alteração do nome proposto de Gabriel Mithá Ribeiro, igualmente chumbado em segunda votação, nenhum nome que o Chega apresente será aceite pela maioria absoluta dos deputados. Não consigo vislumbrar maior contributo dos partidos do regime para que o Chega continue a crescer e a merecer simpatias generalizadas do povo português, isto caso consiga internamente manter tudo aquilo intacto o que, pelo que se vai vendo, é tarefa bastante difícil. Mas essa é toda uma outra conversa que não vou agora desenvolver.
Já a não eleição do candidato proposto pela Iniciativa Liberal João Cotrim de Figueiredo para a vice-presidência da Assembleia da República, foi absolutamente surpreendente. Desde logo porque estávamos perante um candidato que, com o devido respeito por todos os outros, não é um mero deputado. É o líder do partido proponente e isso tem um óbvio significado político que não podemos ignorar. Por outro lado, o João Cotrim de Figueiredo é alguém com provas dadas de trabalho parlamentar. Não é um desconhecido qualquer. É aquele “deputado único” da última legislatura interrompida a meio que nunca faltou. Que esteve sempre presente em todos nos debates, em todas as discussões, em todas as comissões parlamentares de que fez parte. Um deputado inteiro e a tempo inteiro e que sempre se fez notar. Um deputado com imensas qualidades que era, aliás reconhecido por praticamente todos os seus pares, mas que na hora de votarem, estiveram-se nas tintas para esses atributos todos, até porque, como é sobejamente conhecido não são características que a esmagadora maioria dos parlamentares aprecie. Basta ver as suas “fichas” em legislaturas anteriores, quer de assiduidade quer de outras coisas, como viagens que não existiram, quilómetros que não se fizeram e moradas aldrabonas para receberem uns extras de vencimento…
Mas então como é que isto se explica?
Explica-se pela audácia que os liberais tiveram em mexer com os poderes instalados pelos partidos do regime há quase 47 anos, ao pretenderem escolher o sítio do parlamento onde, legitimamente, se queriam sentar. Explica-se pela forma frontal com que a IL protestou e não aceitou ter apenas dois lugares na primeira fila da sua bancada quando tem 8 deputados e o PCP, que tendo apenas 6 deputados, contaria com três lugares na primeira fila da sua respectiva bancada, i.e., com o mesmo número de lugares na primeira fila que tem o Chega com o dobro dos deputados que tem o PCP.
O PS conta com sete lugares na sua primeira fila e o PSD com outros tantos. Logo, mantendo-se o PCP com três lugares, a Iniciativa Liberal não iria abdicar – e muito bem – de ter também o mesmo número uma vez que tem mais deputados, pelo que, para que tal fosse possível, inevitavelmente, o PSD teria de abdicar de um dos seus sete lugares da sua primeira fila, o que terá gerado uma dor insuportável no seio do grupo parlamentar dos deputados muito pouco social-democratas.
Entretanto, a conferência de líderes resolveu o assunto decidindo que o Chega será o único partido com três lugares, ficando a IL, PCP e BE com dois deputados cada um sentados na primeira fila das suas respectivas bancadas parlamentares. Tendo sido necessário retirar uma cadeira da bancada mais à esquerda para se poder garantir esta fórmula mais adequada à dimensão parlamentar de cada um destes quatro partidos políticos.
Quanto ao outro tema proposto pela IL, designadamente para que o partido se passasse a sentar entre o PS e o PSD, o mesmo ficou sem efeito pela aprovação deste novo esquema, ficando então a IL à direita da bancada do PSD e à esquerda da bancada do Chega.
Foi, pois, este o atrevimento dos liberais que esteve na origem desta miserável atitude de muitos deputados na hora da votação secreta para a eleição do deputado João Cotrim de Figueiredo para uma das quatro vice-presidências da Assembleia da República. É por demais evidente que o PS não votou massivamente no candidato em questão, mas salta à vista por todos os lados que o PSD esteve fortemente empenhado neste resultado, aliás não deixa de ser notório que o candidato do PSD a Vice-Presidente do parlamento tenha obtido mais votos do que a candidata do PS… Com toda a certeza ninguém esperaria que o líder liberal obtivesse um único voto do BE, do PCP e nem que fizesse o pleno dos 120 deputados do PS. Mas creio que ninguém esperaria que não obtivesse o pleno dos 77 deputados do PSD. Mais quando em campanha eleitoral a IL nunca hostilizou o PSD e sempre se disponibilizou para fazer parte da solução governativa alternativa à direita que, pura e simplesmente, falhou por culpa exclusiva dos social-democratas que obtiveram um resultado péssimo e embaraçoso!
Posto isto, para a Iniciativa Liberal, ter ou não ter uma vice-presidência na Assembleia da República é exactamente o mesmo. O foco dos liberais é e deverá ser sempre a acção política concreta, com a apresentação de propostas liberais e a difusão massiva da mensagem liberal que, estou certo, irá crescer imenso nos próximos anos, como alternativa a isto que temos que é coisa nenhuma.
Já a Assembleia da República – por escolha livre e democrática dos senhores deputados da nação – não poder contar com uma personalidade na vice-presidência como a do deputado João Cotrim de Figueiredo é que será uma autêntica oportunidade perdida, pois seria um óptimo Vice-Presidente do parlamento. E quanto ao facto de serem só dois os Vice-Presidentes em exercício, pois isso será um problema da Assembleia da República e do seu actual Presidente. Façam horários rotativos, marquem as agendas em consonância com as responsabilidades que têm, desmarquem o que tiverem a desmarcar por forma a garantirem sempre a existência de um presidente em exercício “a representar a Assembleia, a presidir à Mesa, a dirigir os trabalhos parlamentares, a fixar a ordem do dia, depois de ouvir a Conferência de Líderes, a assinar os decretos e outros documentos expedidos em nome da Assembleia da República, a superintender na administração da Assembleia da República”, inclusive nas férias parlamentares quando está em funcionamento a Comissão Permanente “presidida pelo Presidente da Assembleia da República e composta pelos Vice-Presidentes e por deputados indicados por todos os partidos com assento parlamentar, de acordo com a respetiva representatividade”, como manda o regimento.
Como diz o povo, criaram o problema, resolvam-no!
Jurista,
Escreve de acordo com a antiga ortografia.