Um Governo poucochinho


Costa Silva pode ser o motor do Governo, se realmente for tão bom ministro a trabalhar como a discursar, num plantel poucochinho.


Nota prévia: diariamente, Putin sufoca um pouco mais a Ucrânia, de onde fogem milhões de seres humanos. A resistência é tenaz, mas (como sempre aqui se disse) o avanço russo é regular. Putin não tenciona parar antes de alcançar o objetivo que fixou e não proclama. Seguindo a sua técnica de sempre, vai lançando novas ameaças sobre uma escalada da guerra para patamares nucleares, o que alguns justificam com supostas dificuldades no plano de operações. O problema de Putin não é ganhar a guerra no terreno. É, sim, saber como, depois, controlar um país que tinha 40 milhões de habitantes, cerca de um terço da população russa. Um rácio desses não permite uma ocupação total e simultaneamente continuar a controlar países como a Bielorrússia e o Cazaquistão, além de estados que integram (alguns sem quererem) a Federação Russa. Putin dá sinais de caminhar para uma secessão, criando algo como uma Ucrânia Oriental que ficaria diretamente ligada à Rússia ou subsistiria como mais um estado fantasma. Está-se numa altura em que é imperativo para as partes e o mundo encontrar uma solução satisfatória. Zelenskii está a mostrar-se progressivamente mais flexível, admitindo perder território, para além da Crimeia que já não se questiona. Não parecendo, dão-se passos para um entendimento mínimo.

 

1. Usando a palavra poucochinho após uma vitória eleitoral de António José Seguro, António Costa partiu à conquista do PS, de uma forma desleal, mas politicamente eficaz. É uma história que todos conhecem. Passou por uma engenhosa ‘‘geringonça’’ de quatro anos. Seguiu-se um governo minoritário socialista que PCP e Bloco (apoiados por inábeis Verdes, PAN, CDS e PSD) derrubaram num hara-kiri político. Dos que destruíram esse governo, os únicos ganhadores foram Ventura e Cotrim de Figueiredo. Agora, chegou-se ao terceiro Governo Costa, assente numa confortável maioria absoluta, reforçada na repetição das eleições do círculo de fora da Europa, onde Rui Rio foi fazer campanha e colheu mais uma copiosa derrota e a perda do deputado que ali tinha. Foi buscar lã e saiu tosquiado. Talvez por isso nem sequer compareceu à primeira sessão do novo parlamento, ontem de manhã.

2. Este terceiro Governo Costa é o mais previsível de sempre. Elvira Fortunato é a surpresa maior. Mostra a busca incessante do PS por um herdeiro de Mariano Gago. A seguinte é o “apparatchik” Pedro Adão e Silva, chamado à pressa para ministro da Cultura, para o tirar de Comissário das Comemorações do 25 de Abril, onde não fez outra coisa a não ser “pôr a pata na poça” e ganhar um confortável salário que, judiciosamente, acumulou com colaborações mediáticas, aulas e gabinete de tipo ministerial. O desacerto chegou ao ponto de se esquecer de convidar Ramalho Eanes a tempo de marcar presença nas cerimónias iniciais das comemorações do 25 de Abril. Adão e Silva ministro é uma espécie de pescada que “antes de o ser já o era”. Na restante composição do executivo estão lá os putativos sucessores. De entre eles, quem tem mais peso é Mariana Vieira da Silva, que é provavelmente quem nunca quererá o lugar para nada. Fernando Medina é um ministro das Finanças fraquinho. É – imagine-se – o sexto na hierarquia. Não tem sequer a pasta da administração pública nem a execução do PRR. Vai-lhe faltar a força política que tinham antecessores marcantes (como Ferreira Leite, Bagão Félix, Vítor Louçã Gaspar e Mário Centeno, para só citar casos deste século). Sabendo-se as verdadeiras nulidades que são as ministras da Agricultura, da Segurança Social e da Saúde e o truculento Pedro Nuno Santos, não se espera grande coisa do elenco. A expectativa está num único nome em que o primeiro-ministro apostou forte. Trata-se de António Costa Silva, o ex-líder da Partex, empresa de petróleos que a Gulbenkian vendeu por 600 milhões de dólares. Das duas uma: ou a criatura é genial, como dizem amigos próximos de cá e de Angola, e o país dá o salto que falhou com o refinado Siza Vieira, ou vamos mesmo a pique. Se Costa Silva (que fica a tutelar o decisivo setor do Turismo) for tão bom na economia como é fluente em longos monólogos a citar pensadores de referência, Portugal vai virar rapidamente um país de sucesso. Oxalá assim seja, mas, globalmente, o Governo Costa parece poucochinho.

3. Merece uma nota específica a transição de Cravinho Jr. para o MNE. Desde logo não fica com os Assuntos Europeus, o que levou Marques Mendes a classificá-lo de meio ministro. Sabe-se que foi o Presidente da República quem pressionou para o tirar da Defesa, como tinha feito com Azeredo Lopes depois de Tancos. Cravinho, recorde-se, teve o desplante de comunicar à ONU, sem informar o PR, factos relacionados com comportamentos de militares portugueses envolvidos numa missão internacional. Alegou até um parecer jurídico inexistente. Antes manobrou nos bastidores para antecipar a substituição de Mendes Calado por Gouveia e Melo à frente da Armada, sem dizer a Marcelo. Sendo um diplomata, havia muito sítio de prestígio onde colocar Cravinho. Costa optou pelo lugar ministerial que mais trabalha com o Presidente. Provocação?

4. Nuno Artur Silva deixou o Governo onde tutelava a comunicação social e nomeava malta amiga e alinhada. Pior o setor não fica de certeza. Melhor também não, conhecendo a tendência de Pedro Adão e Silva para a ‘‘partidarite’’.

5. Apesar de poucochinho, o Governo parece melhor do que o estado catatónico do PSD. Rui Rio nem se deu ao trabalho de se demitir formalmente da liderança (mesmo por zoom, uma vez que alegou que teria covid) junto do conselho nacional que marcou eleições diretas para um sucessor. Resultado: há quem conteste a validade da convocatória, enquanto se sussurra a hipótese delirante de Rio ainda ponderar ficar. Na política a ambiguidade é inimiga da transparência que muitos proclamam, mas não praticam. Por isso mesmo foi importante que, ontem, Luís Montenegro tenha clarificado que é candidato à liderança. O exuberante e exótico Ribau também deve avançar.

6. Veremos se Montenegro, se for eleito, aceita, paulatinamente, Paulo Mota Pinto indicado por Rio para candidato a líder parlamentar. O nome é excelente, mas deveria ter sido consensualizado. Para vice-presidente da Assembleia, Rio propõe Adão Silva, que fez péssimo trabalho precisamente na liderança da bancada. Este Adão (não confundir com o do PS que tem um “e” antes de Silva) será o mais alto representante do PSD na hierarquia do Estado. Desolador! Basta pensar que o PSD já esteve representado nesse lugar por figuras como Fernando Negrão, Matos Correia, Guilherme Silva, Leonor Beleza, Mota Amaral, Manuela Aguiar, António Marques Mendes, Fernando Amaral e Nuno Rodrigues do Santos. Já o caso do presidente do parlamento ficou resolvido com a eleição de Santos Silva que passa, e bem, a segunda figura do Estado. A seguir, se tudo lhe correr bem, pode ir morar para Belém.

7. Foi importante Gouveia e Melo, o Almirante chefe da Armada, denunciar o comportamento violento de fuzileiros envolvidos numa rixa que custou a vida a um agente da PSP. A jovem vítima sonhava com justiça e fazer o bem, como mostra a sua vida curta. Os outros têm perfil de mercenários. Nas tropas especiais, em Portugal e no mundo, abundam facínoras contratados por serem supostas máquinas de guerra. Há muitos casos de abusos cometidos por elementos seus sobre populações civis, nomeadamente em África. A base de recrutamento não incide sobre cidadãos formados nos valores militares. Há, pois, que ter cautelas redobradas na admissão e manutenção destes efetivos, fiscalizando as suas atividades profissionais e pessoais em permanência. Gouveia e Melo parece ter tomado consciência disso. Ainda vai a tempo. O que não faltam são psicólogos para avaliar quem veste uma farda militar portuguesa.

 

Escreve à quarta-feira

Um Governo poucochinho


Costa Silva pode ser o motor do Governo, se realmente for tão bom ministro a trabalhar como a discursar, num plantel poucochinho.


Nota prévia: diariamente, Putin sufoca um pouco mais a Ucrânia, de onde fogem milhões de seres humanos. A resistência é tenaz, mas (como sempre aqui se disse) o avanço russo é regular. Putin não tenciona parar antes de alcançar o objetivo que fixou e não proclama. Seguindo a sua técnica de sempre, vai lançando novas ameaças sobre uma escalada da guerra para patamares nucleares, o que alguns justificam com supostas dificuldades no plano de operações. O problema de Putin não é ganhar a guerra no terreno. É, sim, saber como, depois, controlar um país que tinha 40 milhões de habitantes, cerca de um terço da população russa. Um rácio desses não permite uma ocupação total e simultaneamente continuar a controlar países como a Bielorrússia e o Cazaquistão, além de estados que integram (alguns sem quererem) a Federação Russa. Putin dá sinais de caminhar para uma secessão, criando algo como uma Ucrânia Oriental que ficaria diretamente ligada à Rússia ou subsistiria como mais um estado fantasma. Está-se numa altura em que é imperativo para as partes e o mundo encontrar uma solução satisfatória. Zelenskii está a mostrar-se progressivamente mais flexível, admitindo perder território, para além da Crimeia que já não se questiona. Não parecendo, dão-se passos para um entendimento mínimo.

 

1. Usando a palavra poucochinho após uma vitória eleitoral de António José Seguro, António Costa partiu à conquista do PS, de uma forma desleal, mas politicamente eficaz. É uma história que todos conhecem. Passou por uma engenhosa ‘‘geringonça’’ de quatro anos. Seguiu-se um governo minoritário socialista que PCP e Bloco (apoiados por inábeis Verdes, PAN, CDS e PSD) derrubaram num hara-kiri político. Dos que destruíram esse governo, os únicos ganhadores foram Ventura e Cotrim de Figueiredo. Agora, chegou-se ao terceiro Governo Costa, assente numa confortável maioria absoluta, reforçada na repetição das eleições do círculo de fora da Europa, onde Rui Rio foi fazer campanha e colheu mais uma copiosa derrota e a perda do deputado que ali tinha. Foi buscar lã e saiu tosquiado. Talvez por isso nem sequer compareceu à primeira sessão do novo parlamento, ontem de manhã.

2. Este terceiro Governo Costa é o mais previsível de sempre. Elvira Fortunato é a surpresa maior. Mostra a busca incessante do PS por um herdeiro de Mariano Gago. A seguinte é o “apparatchik” Pedro Adão e Silva, chamado à pressa para ministro da Cultura, para o tirar de Comissário das Comemorações do 25 de Abril, onde não fez outra coisa a não ser “pôr a pata na poça” e ganhar um confortável salário que, judiciosamente, acumulou com colaborações mediáticas, aulas e gabinete de tipo ministerial. O desacerto chegou ao ponto de se esquecer de convidar Ramalho Eanes a tempo de marcar presença nas cerimónias iniciais das comemorações do 25 de Abril. Adão e Silva ministro é uma espécie de pescada que “antes de o ser já o era”. Na restante composição do executivo estão lá os putativos sucessores. De entre eles, quem tem mais peso é Mariana Vieira da Silva, que é provavelmente quem nunca quererá o lugar para nada. Fernando Medina é um ministro das Finanças fraquinho. É – imagine-se – o sexto na hierarquia. Não tem sequer a pasta da administração pública nem a execução do PRR. Vai-lhe faltar a força política que tinham antecessores marcantes (como Ferreira Leite, Bagão Félix, Vítor Louçã Gaspar e Mário Centeno, para só citar casos deste século). Sabendo-se as verdadeiras nulidades que são as ministras da Agricultura, da Segurança Social e da Saúde e o truculento Pedro Nuno Santos, não se espera grande coisa do elenco. A expectativa está num único nome em que o primeiro-ministro apostou forte. Trata-se de António Costa Silva, o ex-líder da Partex, empresa de petróleos que a Gulbenkian vendeu por 600 milhões de dólares. Das duas uma: ou a criatura é genial, como dizem amigos próximos de cá e de Angola, e o país dá o salto que falhou com o refinado Siza Vieira, ou vamos mesmo a pique. Se Costa Silva (que fica a tutelar o decisivo setor do Turismo) for tão bom na economia como é fluente em longos monólogos a citar pensadores de referência, Portugal vai virar rapidamente um país de sucesso. Oxalá assim seja, mas, globalmente, o Governo Costa parece poucochinho.

3. Merece uma nota específica a transição de Cravinho Jr. para o MNE. Desde logo não fica com os Assuntos Europeus, o que levou Marques Mendes a classificá-lo de meio ministro. Sabe-se que foi o Presidente da República quem pressionou para o tirar da Defesa, como tinha feito com Azeredo Lopes depois de Tancos. Cravinho, recorde-se, teve o desplante de comunicar à ONU, sem informar o PR, factos relacionados com comportamentos de militares portugueses envolvidos numa missão internacional. Alegou até um parecer jurídico inexistente. Antes manobrou nos bastidores para antecipar a substituição de Mendes Calado por Gouveia e Melo à frente da Armada, sem dizer a Marcelo. Sendo um diplomata, havia muito sítio de prestígio onde colocar Cravinho. Costa optou pelo lugar ministerial que mais trabalha com o Presidente. Provocação?

4. Nuno Artur Silva deixou o Governo onde tutelava a comunicação social e nomeava malta amiga e alinhada. Pior o setor não fica de certeza. Melhor também não, conhecendo a tendência de Pedro Adão e Silva para a ‘‘partidarite’’.

5. Apesar de poucochinho, o Governo parece melhor do que o estado catatónico do PSD. Rui Rio nem se deu ao trabalho de se demitir formalmente da liderança (mesmo por zoom, uma vez que alegou que teria covid) junto do conselho nacional que marcou eleições diretas para um sucessor. Resultado: há quem conteste a validade da convocatória, enquanto se sussurra a hipótese delirante de Rio ainda ponderar ficar. Na política a ambiguidade é inimiga da transparência que muitos proclamam, mas não praticam. Por isso mesmo foi importante que, ontem, Luís Montenegro tenha clarificado que é candidato à liderança. O exuberante e exótico Ribau também deve avançar.

6. Veremos se Montenegro, se for eleito, aceita, paulatinamente, Paulo Mota Pinto indicado por Rio para candidato a líder parlamentar. O nome é excelente, mas deveria ter sido consensualizado. Para vice-presidente da Assembleia, Rio propõe Adão Silva, que fez péssimo trabalho precisamente na liderança da bancada. Este Adão (não confundir com o do PS que tem um “e” antes de Silva) será o mais alto representante do PSD na hierarquia do Estado. Desolador! Basta pensar que o PSD já esteve representado nesse lugar por figuras como Fernando Negrão, Matos Correia, Guilherme Silva, Leonor Beleza, Mota Amaral, Manuela Aguiar, António Marques Mendes, Fernando Amaral e Nuno Rodrigues do Santos. Já o caso do presidente do parlamento ficou resolvido com a eleição de Santos Silva que passa, e bem, a segunda figura do Estado. A seguir, se tudo lhe correr bem, pode ir morar para Belém.

7. Foi importante Gouveia e Melo, o Almirante chefe da Armada, denunciar o comportamento violento de fuzileiros envolvidos numa rixa que custou a vida a um agente da PSP. A jovem vítima sonhava com justiça e fazer o bem, como mostra a sua vida curta. Os outros têm perfil de mercenários. Nas tropas especiais, em Portugal e no mundo, abundam facínoras contratados por serem supostas máquinas de guerra. Há muitos casos de abusos cometidos por elementos seus sobre populações civis, nomeadamente em África. A base de recrutamento não incide sobre cidadãos formados nos valores militares. Há, pois, que ter cautelas redobradas na admissão e manutenção destes efetivos, fiscalizando as suas atividades profissionais e pessoais em permanência. Gouveia e Melo parece ter tomado consciência disso. Ainda vai a tempo. O que não faltam são psicólogos para avaliar quem veste uma farda militar portuguesa.

 

Escreve à quarta-feira