Novas medidas de crescimento são ‘urgentes’

Novas medidas de crescimento são ‘urgentes’


O Banco de Portugal reviu em baixa o crescimento nacional. Já a inflação dispara para mais do dobro. Especialistas falam ao Nascer do SOL sobre riscos e perspetivas numa altura de grande incerteza.


O momento de incerteza vivido no mundo e a invasão russa na Ucrânia não deixaram ao Banco de Portugal (BdP) outra alternativa que não rever em baixa a previsão de crescimento portuguesa. Assim, em vez dos 5,8%, o banco liderado por Mário Centeno prevê agora um aumento de 4,9% do produto interno brutal (PIB) este ano. No próximo ano, o ritmo da atividade económica deverá abrandar para 2%.

Para os especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL, esta revisão em baixa chega sem grande surpresa. Mas «se os preços das matérias-primas continuarem a aumentar, os números terão que ser novamente revisto em baixa e os receios de estagflação, estagnação económica associada a elevada inflação, aumentarão», garante ao nosso jornal Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, lembrando que é exatamente por isso que o BdP apresenta dois cenários: um mais otimista e outro menos, onde o crescimento económico pode baixar ainda mais, para 3,6%.

Já Henrique Tomé, analista da corretora XTB, diz que «após uma queda sem precedentes da atividade económica durante o período da pandemia, os meses seguintes revelaram-se otimistas sobre a evolução do PIB quando comparamos com os períodos homólogos, no entanto esses dados não refletiam bem a realidade do crescimento do PIB dado que estavam influenciados pelos efeitos base».

O analista avança ainda que «a economia portuguesa há muitos anos tem crescido de forma modesta e esta questão continua a passar despercebida por muitos», acusa, lembrando que as revisões em baixa são influenciadas pela guerra na Ucrânia «que está a provocar um agravamento dos níveis de inflação».

E alerta: «É urgente que se tomem novas medidas que promovam o crescimento económico, nomeadamente no setor privado, pois o crescimento económico no país pode facilmente agravar-se ainda mais. Sobretudo quando o BCE começar a adotar políticas monetárias mais restritivas».

Inflação dispara

Segundo os dados do BdP, a inflação cresce este ano para os 4%, em reflexo da subida do preço das matérias-primas e dos constrangimentos nas cadeias de abastecimento globais, e reduz-se para 1,6% em 2023 e 2024. Mas, no pior cenário, pode chegar aos 5,9% este ano.

Paulo Rosa recorda que «a inflação na Europa – e Portugal não é exceção – tem sido, em boa parte, impulsionada pelos custos da energia», acrescentando que «no mix de energia primária, Portugal tem uma dependência energética do exterior à volta de 70%, nomeadamente do petróleo e do gás natural». 

Em números, o BdP aponta para uma cotação do petróleo de 103,6 dólares por barril em 2022, um aumento de 45,7% relativamente à anterior projeção, detalha o economista, acrescentando que «o petróleo é uma variável exógena, cujo aumento subtrai riqueza ao PIB nacional, logo as empresas e o Estado português terão alguma dificuldade em repor o poder de compra dos portugueses via aumento do salário mínimo nacional, numa altura em que a aceleração da inflação é ditada, em boa parte, pela subida dos custos energéticos, nomeadamente dos combustíveis fósseis». 

Já Henrique Tomé considera que a inflação em Portugal «não tem sido muito preocupante» mas o BdP alerta para um aumento significativo. «Os portugueses já estão a perder poder de compra devido ao aumento excessivo dos preços dos combustíveis motivados pelas tensões geopolíticas no leste da Europa», diz, alertando que «a situação poderá agravar-se ainda mais, e, embora se tenha aumentado o salário mínimo recentemente, esse aumento não acompanha a subida generalizada dos preços».

Desemprego e exportações

No que diz respeito às exportações, estas vão continuar «a conjugar a dinâmica favorável da procura externa de bens com a recuperação dos fluxos internacionais de turismo, assumindo-se efeitos limitados do conflito com a Ucrânia», segundo o BdP. Assim, as exportações de serviços crescem 38,5% este ano, ultrapassando já no primeiro semestre os valores pré-pandémicos, embora nos anos seguintes se esperem «crescimentos mais moderados».

Feitas as contas, a balança corrente e de capital apresenta um défice este ano – 0,4% do PIB – refletindo a deterioração dos termos de troca. Mas nos dois anos seguintes deverá voltar a registar um excedente, «associado à recuperação do turismo e à maior entrada de fundos europeus».

O banco liderado por Mário Centeno diz ainda que «continua a assistir-se a um aumento do emprego, mas a um ritmo progressivamente menor». Em números, a taxa de desemprego deverá cair para 5,9% este ano e de forma mais gradual nos anos seguintes.

Paulo Rosa destaca a «resiliência» do mercado de trabalho e das exportações que «poderão suportar a economia portuguesa, nesta fase que se aproxima de diminuição do rendimento disponível das famílias que penalizará o consumo interno». E diz ainda haver «esperança de que a economia nacional seja apoiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e pela recuperação das exportações, consubstanciada, fundamentalmente, na contínua retoma do turismo nacional em 2022, impulsionada pelo gradual levantamento das restrições ditadas pela pandemia de covid-19».

Por fim, o analista da XTB diz que, com o clima de incerteza que se vive neste momento, «torna-se difícil avançar com previsões claras». Mas, ainda assim, explica: «Existem fatores que continuam a condicionar alguns indicadores económicos, como os constrangimentos nas cadeias de distribuição, a guerra na Ucrânia e os recentes surtos de covid-19 na China que tem levado novamente à implementação de medidas de confinamento em certas regiões chinesas». Mas, no que diz respeito ao desemprego, «o facto de ainda existirem setores que não recuperaram a 100%, pode estar a pesar nas previsões do Banco».