Fugly. “Foi como cortarem-nos as asas. Não conseguir tocar ao vivo foi díficil de aceitar”

Fugly. “Foi como cortarem-nos as asas. Não conseguir tocar ao vivo foi díficil de aceitar”


Os Fugly finalmente lançaram o seu segundo disco, depois de dois anos de espera. Pedro Feio fala sobre a influência negativa da pandemia.


A ansiedade de entrar na vida adulta ganhou uma banda sonora com os Fugly a explorarem esta nova fase no seu segundo disco, Dandruff. O i esteve à conversa com o vocalista do conjunto, Pedro Feio, para falar sobre as dificuldades de conseguir conciliar a paixão pela música com um trabalho das 9h às 17h.

 

Apesar de ter sido lançado agora, Dandruff é um álbum que já está há muito tempo “na gaveta”. Quando começaram a pensar neste disco pela primeira vez?

Começámos a trabalhar em material novo no início de 2019. Estávamos a negociar com um agente internacional e havia uma certa urgência em termos material novo. Trouxemos para cima da mesa algumas ideias, mas acabaram por não se cumprir uma vez que o nosso baterista, Gil Costa, saiu da banda e tivemos que restruturar os FUGLY e traçar todo um novo percurso. O Ricardo Brito tornou-se o nosso novo baterista e, com esta nova formação, decidimos que era o momento certo para criar um álbum novo. Passámos uma semana na associação Espaço Serra, em Leiria, e concebemos aquilo que é o Dandruff, tentando sempre conjugar ideias novas com aquelas que tivemos quando o Gil ainda estava na banda, e uns meses depois fomos para estúdio gravar as músicas que tínhamos criado. 

De onde surgiu o título Dandruff?

Foi uma sugestão do Rafael Silver. Durante muito tempo, havia grandes dúvidas sobre qual deveria ser o nome do disco – não é que não houvesse ideias, mas nenhuma parecia fazer sentido. Um dia, o Rafa foi ao supermercado e comprou um champô e percebeu que “Dandruff” quer dizer caspa. Achámos muita piada a esta palavra e começámos a pensar na relação que a caspa tem com a ansiedade e como estava ligada a algumas temáticas das músicas do álbum.

Essa ansiedade também cresceu com a impossibilidade de não poder editar o disco por causa da pandemia?

Foi frustrante e muito difícil lidar com esta experiência. Todos tivemos maneiras diferentes de lidar com esta situação, mas, no geral, criou muita incerteza e ansiedade dentro do grupo. Estávamos a tentar perceber o que faria sentido na banda e houve alguns momentos muito difíceis e tensos, em que chegámos a questionar-nos se faria sentido lançar este disco e até se devíamos continuar com a banda. Mas a certa altura decidimos que devíamos continuar com este trabalho e levámos o Dandruff até à linha final.

Passado este tempo todo continuam a identificar-se com este disco?

Apesar de haver alguns temas com os quais não me identifico tanto, existem outros que ainda são uma realidade para mim. Por exemplo, as músicas Stay in Bed, Mom ou Music todas elas falam sobre emoções que ainda sentimos. Foi também por ainda nos identificarmos com essas músicas que insistimos neste álbum. Sabíamos que todas estas músicas faziam sentido no contexto do trabalho que temos vindo a criar.

Estava a falar sobre se faria ou não sentido continuar com os Fugly. Para uma banda rock com as vossas características, que tem como um dos principais encantos os energéticos concertos, quão complicado foi estarem impedidos de tocarem ao vivo e isso colocou algum entrave na criação e composição do disco?

Foi como cortarem-nos as asas. Não conseguir tocar ao vivo foi difícil de aceitar. Estivemos sempre com a esperança que tudo fosse resolvido no espaço de poucos meses, mas com o tempo a passar, e a perceber que nada ia voltar ao normal tão cedo, foi cada vez mais difícil de aceitar esta realidade. Ainda conseguimos dar alguns concertos nas condições possíveis, com todos sentados e com máscara, foi uma grande alegria podermos tocar, mas era algo anti-climático, apesar de haver muitas cabeças a abanar (risos).

Deve ser muito diferente do que estavam habituados com a grande agitação que havia nos vossos concertos.

É estranho. Não quer dizer que em todos os nossos concertos tenha existido moche ou crowdsurf, mas estamos, sem dúvida, habituados a um ambiente mais energético e de repente parece que somos objetos de um estudo científico, é muito fora. Também demos concertos onde era necessário respeitar as normas de segurança, mas no final já estava todos em cima do palco, o que nos deu esperança de que quando as restrições acabassem os nossos fãs iam estar novamente com a energia e vontade de celebrar os nossos concertos como sempre. 

Sente, do ponto de vista de música e enquanto fã de música, que nestes últimos dois anos, uma vez que deixou de existir a experiência de comunhão e de libertar a energia em concertos, os fãs acabaram por se afastar mais da música rock?

Se calhar. De facto, com as limitações dos espetáculos ao vivo, houve muitas bandas de rock que não tiveram oportunidade de tocar ao vivo e acabaram por ser substituídas por outros grupos onde era possível fazerem o seu espetáculo. Ou seja, os Fugly se calhar foram substituídos por um Diogo Piçarra ou artistas do seu estilo, porque, nessas condições é possível fazer concertos. Acredito que tenha existido um maior afastamento de concertos de rock, mas, por outro lado, acredito que este é um estilo muito de nicho e em salas de espetáculo mais underground. Como estas salas de concertos estiveram fechadas durante a pandemia ou fecharam de vez, agora, é preciso reconstruir tudo aquilo que foi deitado abaixo nestes últimos dois anos.

O disco acabou por ser contagiado por estes anos pandémicos ou já estava fechado antes da pandemia começar? Por exemplo, estava a referir a música Stay in Bed, isso é uma referência à apatia do confinamento?

Começámos a escrever as letras no início da pandemia, por isso, existe uma parte que é influenciada por este fenómeno. Quando esta nos obrigou a cancelar os concertos, isso fez nos virar para outras fontes de rendimento e encontrar um trabalho das 9h às 17h. Sentimos que esta nova fase da nossa vida teve uma influência negativa no nosso lado mais criativo e deixava-nos com muito pouca vontade de pegar na guitarra e de tocar. É interessante quão depressa nos afetou. Comecei a trabalhar numa empresa e quando chegava ao fim do dia não tinha a capacidade mental para conseguir fazer música. Tinha estado sob tanto stress durante todo o dia que não conseguia fazer mais nada. Por isso, acabei por ficar num estado de inércia, questionava-me porque é que haveria de me levantar da cama para fazer música. Todas estas emoções acabam por ser transpostas para o papel.

Todos pensámos que a pandemia nos ia dar mais tempo livre para sermos criativos, mas parece que foi precisamente o contrário.

É verdade, mesmo na fase, antes de ter de arranjar um trabalho, em que ainda tinha toda a disponibilidade para me poder dedicar à música, já sentia que não conseguia criar nada. Não me sentia motivado. Estava tão mais preocupado com o que se estava a passar no mundo, com as novas regras do confinamento, com ter de ir bater palmas à janela, que me esqueci completamente daquilo que me fazia relaxar. A criatividade ou as ideias não surgem quando estás sob pressão, não fluem tão naturalmente e não ficas tão satisfeito quando és submetido a toda esta carga. Às vezes é quando menos esperas que as ideias surgem, como quando vais ao supermercado comprar um champô e, de repente, encontras o nome do teu disco. 

O emprego que teve de adotar está relacionado com música?

Neste momento estou a trabalhar numa empresa alemã que está… um bocadinho ligada à área da música e do som. É uma empresa que faz móveis adaptados para estúdios de gravação – por exemplo, criamos secretárias onde é possível integrar colunas de som ou mesas de mistura. O fabrico destas peças é feito em Portugal, em Paços de Ferreira, e exportamos para todo o mundo. Sou o único português na empresa, todos os dias tenho de falar em inglês com os meus colegas e estou responsável por fazer a parte da logística, da produção e do controlo de qualidade.

Como tem sido conciliar esse emprego com a criação artística?

Tem sido difícil. A minha disponibilidade é muito mais limitada. Neste momento, estou a falar contigo, mas devia estar a trabalhar. Esta fase de lançamento do álbum tem sido complicada. Temos muito mais atividades, como o lançamento de videoclips, sessões de fotografia ou publicitar o nosso merchandise. Tentar conciliar isto tudo com um trabalho das 9h às 17h não é fácil. Hoje vou ter de ficar a trabalhar até às oito da noite porque estou a ser constantemente interrompido com assuntos sobre a banda. O que vale é que, aos fins de semana, não tenho que me preocupar com o trabalho, só em subir para cima de palco e tocar. 

Como é a sua relação com os seus chefes? Estão a par desta vida dupla?

Tenho uma relação fixe com os meus patrões, eles apoiam a minha paixão pela música e de querer tocar com bandas, por isso, dão-me muito apoio e, desde que estes assuntos sejam bem comunicados, eles não se importam que tenha que sair mais cedo para ir a um concerto. Mas nem todos têm esta sorte e não é fácil conseguir estas duas vidas.

É interessante, um dos principais temas da vossa discografia é este crescimento e transição para a vida adulta, sente que agora, em Dandruff, é já um álbum sobre ser um adulto?

Não diria que somos completamente adultos. Temos um lado menos adulto e é isso que achamos interessante de explorar. Acho que este é um álbum em que houve realmente uma dedicação mais séria e profissional no sentido em que tentámos melhorar a nossa qualidade sonora, da composição e das letras. Diria que é uma demonstração mais madura, mas temos muitas músicas que são inspiradas em episódios cómicos das nossas vidas.

Diria que, neste disco, a verdadeira prova do vosso crescimento é que acabam por aceitar quem realmente são. Por exemplo, em faixas como Mom falam sobre um problema da nossa geração, especialmente para as pessoas que escolhem caminhos mais ligados à arte, onde os pais não consideram estas como profissões dignas, ou na Music, onde assume que o que realmente pretende fazer da vida é a música.

Existe uma maior noção entre todos os membros da banda de quem nós somos, o que representamos e o que é queremos ou não da vida. Existem muitos temas onde falamos muito sobre esses temas, apesar de existirem outros que são mais descontraídos. O Mom surgiu das batalhas que tive com os meus pais ao longo dos anos. Não é que não apoiassem esta minha carreira, mas sentia sempre que existia uma “pulga atrás da orelha”. Eles estavam sempre a aconselhar-me a arranjar um trabalho extra ou a mudar de área. Sei que não era por mal, era por amor e preocupação, vinha de um bom sítio, eles querem que eu fique bem e sabem que o caminho das artes não é o mais fácil. A minha mãe passou exatamente pela mesma experiência que eu.

A sua mãe também trabalha na área das artes?

Ela é da área da fotografia e, quando era miúdo, fomos os dois viver para Inglaterra para ela prosseguir o seu sonho. Tenho noção de que foi muito difícil para ela alcançar tudo o que conseguiu na vida e estou muito orgulhoso dela, mas, é por isso que a minha mãe não quer que eu sofra o mesmo. Era essa a mensagem que queria passar na Mom. Percebo que a minha mãe queira que me integre mais na sociedade e seja mais estável, mas vou continuar a fazer aquilo que gosto de fazer e não é por isso que vou deixar de gostar dela e espero que seja um sentimento recíproco.

Já lhe mostrou a música?

Sim e ela disse-me que gostou muito, apesar de achar que ainda não se inteirou da letra. No fundo, esta é uma música sobre a confrontação com os pais, principalmente, para quem faz música ou outros tipos de arte. Quando trouxe esta ideia para cima da mesa todos os membros da banda se identificaram e quiseram explorar esta ideia.

Ainda sobre o assunto da “transição”. Uma das primeiras músicas da vossa discografia e mais populares foi a Morning After, sobre a ressaca, mas neste disco tem uma música que é a Sober. A sobriedade foi algo importante nesta fase da vossa vida?

Essa música fala sobre sobriedade, mas é mais de um ponto de vista de enfrentar a realidade. É uma reflexão sobre aquelas noites em que chegamos a casa “podres de bêbados” e começamos a pensar que este se calhar não é um caminho a seguir, mas não quer dizer que não continue a seguir estes maus caminhos.

Uma das particularidades que faz dos Fugly um caso tão interessante é poder, ao longo dos anos, acompanhar o crescimento da banda e dos seus membros. Como tem sido, para si, crescer dentro de uma banda de rock?

Há muitas lições a retirar. Antes de mais, ninguém na banda estava à espera que tivéssemos este tipo de sucesso. Durante muitos anos, tive inúmeras bandas que nunca chegaram a sair da garagem e, agora, tenho a oportunidade de fazer parte de um grupo que já deu imensos concertos e que já esteve em festivais bastante grandes. Tem sido uma viagem inacreditável e uma grande oportunidade de aprendizagem.

Que lições é que acabou por aprender nestes últimos anos?

Sinto que cresci muito a nível pessoal e social, sou uma pessoa muito tímida por natureza e não estava habituado a ter centenas de pessoas a olhar para mim enquanto estou a fazer música. Tem sido interessante perceber que às vezes sou o centro das atenções e aprender a lidar com isso. Mas mesmo em termos coletivos, depois de lançarmos o primeiro disco tivemos que nos desenrascar e trabalhar em imensas coisas que nunca pensámos ter de fazer, como fazer press releases ou videoclipes. É engraçado que a cada experiência nova aprendemos um novo detalhe importante que torna o próxima trabalho mais simples. Mesmo nos momentos mais complicados dos Fugly, como foi a pandemia, conseguimos sempre ultrapassar estas barreira e, por isso, sinto que agora estamos preparados para o que der e vier. Agora vem a Terceira Guerra Mundial, mas estamos prontos para tudo (risos).

Estava a falar de barreiras, não tem medo que a banda enfrente um obstáculo criativo e fique estagnado no seu estilo? 

Isso é sempre uma preocupação. Nem é uma questão do que é que as outras pessoas possam pensar do grupo, o problema é aquilo que nós sentimos. Não queremos sentir que estamos sempre a fazer a mesma música, por isso, o Danruff, é um capítulo completamente diferente. Apesar de ser mais um álbum rock, sentimos que estamos sempre a afastar-nos do que fizemos antes e a crescer. Não quer dizer que amanhã façamos um disco de reggaeton, mas não nos queremos fechar a ideias que estejam fora da nossa zona de conforto. 

Nunca pensou em alterar o som do grupo?

Nós surgimos num contexto específico de bandas da onde garage rock, com grupo como Thee Oh Sees, o Ty Segall ou os Fidlar, mas a verdade é que nenhum de nós agora está a ouvir esta música agora. Há anos que não ouço este estilo e sinto que o resto do grupo também já ultrapassou esta fase. Pessoalmente, aquilo que mais ouvi nos últimos dois anos foi hip-hop dos anos 1990 e sinto que o resto da malta também está a explorar outros sons. Por isso, acreditamos que o nosso próximo trabalho estará ainda mais afastado do som que estamos habituados a fazer. Há grupos que fizeram a sua carreira sempre com o mesmo som, mas nós não queremos ser assim, não queremos estar sempre na mesma bolha, queremos experimentar coisas novas e enfrentar desafios diferentes.