1. As comemorações oficiais do 25 de Abril começam hoje com uma sessão solene. A data assinala o dia em que o caminho para a democracia que temos hoje ultrapassa o tempo que durou a ditadura do Estado Novo. É um momento oportuno para fazer um primeiro balanço do que éramos e do que somos, do que fizemos e do que falhámos. É indiscutível que melhorámos e progredimos. Mas não fizemos, coletivamente, o caminho que deveríamos ter concretizado em termos de consolidação da democracia, de educação, de estado social, de saúde, de justiça e, obviamente, de progresso económico. Não soubemos tornar-nos um estado europeu comparável aos melhores em todos esses padrões. Desperdiçámos irrepetíveis oportunidades e apoios chegados da União Europeia, antes e depois da adesão. E, em certa medida, não conseguimos preservar algumas coisas positivas que transitaram do regime anterior. Portugal, pelos seus condicionalismos geográficos, nunca será um país tão rico como os da Europa Ocidental a norte dos Pirenéus. Mas a desigualdade não deveria, hoje, ser tão grande. Nada justifica que, em poucos anos, tenhamos sido ultrapassados por estados que aderiram muito depois de nós à União Europeia. Também não conseguimos construir um bloco forte, designadamente no plano cultural e económico, com o Brasil e os PALOP, desaproveitando a ligação que nos traz a língua mais falada no hemisfério sul. É fácil dizer-se que a culpa é, especificamente, desta ou daquela classe ou grupo social. Não é. É de todos nós, os portugueses.
2. Pedro Adão e Silva, o comissário das comemorações da revolução, deu, entretanto, uma entrevista em que revela que, no cardápio de celebrações, não consta formalmente o 25 de novembro porque divide. É lamentável. Isto porque foi a partir dali que Portugal entrou verdadeiramente na via da democracia, depois de um ano de PREC paranoico. Foi a 25 de Novembro de 75 que figuras como Eanes, Jaime Neves, Vasco Lourenço, Melo Antunes, na sequência de corajosas posições de civis como Mário Soares, travaram os desvarios loucos de Otelo e quejandos. O 25 de Novembro não divide porque juntou os democratas contra forças totalitárias comunistas e de extrema-esquerda que tentavam instalar um regime de tipo castrista. O 25 de Novembro evitou uma guerra civil. Quem o fez usou de tolerância democrática, ao evitar perseguições a comunistas e extremistas de esquerda e que integrou na democracia. Não assinalar oficialmente a data nas comemorações da revolução é uma cedência às forças sectárias da época que, em certa medida, são as mesmas que, hoje, estão do lado errado da História ao aceitarem ou justificarem a invasão da Ucrânia. Pedro Adão e Silva reconhece que o 25 de novembro é marcante, mas não quis incomodar a ditadura do politicamente correto que controla as sociedades democráticas cheias de complexos.
3. A invasão russa da Ucrânia e a guerra que ali se trava vão ter muitas consequências durante longos anos. Alguns pensam que os seus efeitos serão fundamentalmente migratórios e económicos. Acreditam de boa-fé que voltaremos a ser o que éramos quando o conflito cessar, independentemente de quem o ganhe. É duvidoso que assim seja. O ataque sanguinário à Ucrânia despertou, finalmente, a Europa e o mundo Ocidental (no sentido lato) para uma realidade que tentávamos ignorar. Agora, é claro para todos que vivemos num mundo bipolar, em que de um lado estão as ditaduras com pretensões imperialistas, como a russa e a chinesa, e do outro estão as democracias liberais onde existem oposições e imprensa livre. É uma realidade que não se pode escamotear mais e que nos impõe uma revisão de postura perante as ameaças. A ideia do conforto, do crescimento permanente, da sociedade de lazer, da preocupação sistemática com os apoios sociais vai ter de fazer cedências a outras prioridades inesperadas. Uma delas é evidentemente a defesa do território, da liberdade democrática e dos seus valores fundamentais. Como se viu pelo que se passa na Ucrânia, a preservação dessa forma civilizacional democrática passa necessariamente por dispor de meios de defesa (sejam militares, económicos, logísticos e informáticos) de dissuasão e contra-ataque, num espírito de total unidade de ação se tal for necessário. Se a Ucrânia estivesse na NATO não teria sido invadida. E é devido ao facto de a integrarem que países como a Polónia, a Hungria, a Roménia e os Bálticos não correm, para já, esse o risco. Muitos recursos terão de ser dirigidos para as diferentes vertentes da defesa. Há muitos anos que, em França, existe uma corrente política defensora, por exemplo, de que o investimento em Defesa Nacional não conte para o défice. Rejeitado durante anos por toda a União Europeia, parece óbvio que esse conceito limitativo tem de ser revisto. Portugal não pode ficar à margem desta nova realidade e terá de rever a sua política de defesa, sob o comando firme do Presidente da República, do governo e da oposição democrática e ocidental. Nos últimos anos houve um evidente desinvestimento e desinteresse por essa matéria. E logo num país que tem uma enorme zona marítima a preservar e defender. Quem quer a paz prepara-se para a guerra. Não podemos voltar a ser surpreendidos por notícias tão lamentáveis como a de que só envolvemos 18 militares num exercício da Nato anunciado há 8 meses e que mobiliza mais de 30 mil soldados. Uma gota de água que mostra bem quão distantes andávamos da realidade em termos de segurança internacional. Pura falta de visão política! O cenário internacional que agora nasce não é muito diferente do que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. A Rússia tem semelhança à Alemanha Nazi e a China compara com o Japão da época. Claro que são diferentes dos anteriores agressores. São diferentes porque são mais perigosos e estão mais bem armados.
4. No vasto noticiário que nos chega da Ucrânia não há nota do que se passa com a covid localmente. Também não se verifica o uso de máscara pelos jornalistas lá destacados. Ora, há notícias de que ali se regista um recrudescimento da pandemia, que pode não só causar vítimas no país como alastrar para a Europa. Num mundo em que a China fecha cidades de 12 milhões de pessoas por causa de um ou dois casos de covid, não podemos omitir essa vertente noticiosa, tanto lá como cá. A concentração do noticiário sobre a guerra desvia as atenções do recrudescimento da pandemia e do surto de gripe que está em curso. Ás vezes parece que em Portugal os ponteiros dos relógios andam para trás. É desejável que o novo governo tome posse e atue rapidamente nesse e em muitos outros campos. Um governo faz sempre falta em tempos agitados, desde que seja competente.
5. Também é desejável que o PSD arrume a casa rapidamente. Mas, pelo andar da carruagem, o partido da alternância não terá nova liderança antes de fins de maio. Segue-se o congresso em julho. Há depois o verão e praia. Possivelmente, na rentrée, o Chega e os Liberais já terão ganho mais espaço vital. Se o PSD não se despacha corre mesmo o risco de se tornar irrelevante, como começou a ser com a atual liderança, mais preocupada com as contas internas do que com as da política. O resultado está à vista para grande conforto de António Costa.
Escreve à quarta-feira