48 horas depois do início da invasão russa a Ucrânia intentou no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) uma causa contra a Federação Russa, acompanhada de um pedido de medidas provisórias, ao abrigo do artigo 41º do Estatuto do TIJ e que confere a possibilidade de as decretar para, na pendência da decisão sobre o fundo da questão, “preservar os direitos de cada parte”.
18 dias depois de formulado o pedido, o TIJ decretou, a 16 de Março, por 13 votos contra dois (do Vice-Presidente Gevorgian e da juíza Xue) duas medidas provisórias:
“1) a Federação Russa deve suspender de imediato as operações militares que a 24 de Fevereiro iniciou no território da Ucrânia;
2) a Federação Russa deve garantir que quaisquer unidades militares ou unidades irregulares armadas que sejam por si controladas ou apoiadas, bem como quaisquer organizações e pessoas que possam estar sujeitas ao seu controlo ou direcção, não participam na promoção das actividades militares referidas no ponto anterior.”
Por unanimidade o TIJ acrescentou uma terceira medida provisória, a tradicional “cláusula de apaziguamento”: “As duas Partes devem evitar qualquer acção que possa agravar ou alargar o âmbito do litígio ou tornar mais difícil a sua solução”
A rapidez da decisão demonstra, num tempo de aceleração comunicacional, a viabilidade de uma justiça internacional tempestiva. O sentido do voto é claro (13 contra 2) e as declarações a apensas por seis juízes (os vencidos e os juízes Bennouna, Robinson e Nolte – este separando as águas em relação aos casos, decididos em 1999, de uso da força na ex-Jugoslávia – e o juiz ad-hoc Daudet) são curtas e contribuem para o reforçar da fundamentação do sentido do voto da maioria.
A tarefa do Tribunal não era particularmente fácil, como quase sempre acontece com os procedimentos cautelares, desde logo porque a Ucrânia empregou um método original para fundar a competência do TIJ, baseando-a na falsidade da alegação, pela Federação Russa, da prática do crime de genocídio no território ucraniano.
No plano da justiça internacional entre Estados as causas assentam normalmente na invocação de uma violação de uma norma internacional por um Estado e não na “Reverse Compliance” (no alegar que a acusação russa da prática pelos ucranianos do crime de genocídio é falsa).
Para decretar as medidas provisórias o TIJ teria de fundar a sua competência (jurisdição prima facie), identificar os direitos a proteger (fumus boni iuris), a natureza grave e irreparável da lesão de tais direitos e a urgência da respectiva tutela (periculum in mora).
A invocação no discurso de Putin de 24 de Fevereiro da prática do crime de genocídio pela Ucrânia permitiu ao TIJ considerar que as Partes divergem na interpretação, aplicação e cumprimento da Convenção sobre a prevenção e punição do crime de Genocídio pelo que o respectivo artigo IX funda a competência do Tribunal perante dois Estados-parte.
O TIJ rejeitou o argumento russo da invocação da legítima defesa: “it is doubtful that the Convention, in light of its object and purpose, authorizes a Contracting Party’s unilateral use of force in the territory of another State for the purpose of preventing or punishing an alleged genocide.” (§ 59 da sentença).
Para o Tribunal o periculum in mora resulta da natureza da “operação militar especial” e das consequências gravosas já verificadas e reconhecidas pela Assembleia Geral da ONU na Resolução A/RES/ES-11/1 de 2 de Março de 2022.
Impunitas semper ad deteriora invitat.