Receber os ucranianos com generosidade e com justiça


A nossa obrigação para com os cidadãos ucranianos não pode nunca ser posta em causa:  dada a situação em que se encontram, nós só podemos e devemos ser coerentes connosco mesmos.


A forma como a maioria dos portugueses tem recebido e apoiado os refugiados ucranianos é, como, quase sempre acontece connosco, genuinamente generosa e desinteressada.

Recebemo-los, agora, como refugiados de guerra, mas já os recebêramos, antes, como refugiados económicos: vulgo, imigrantes.

Escrevi, há muitos anos, numa apresentação de um seminário da CIVITAS (fidh), sobre imigração e racismo, que não era aceitável a distinção que, então, fazíamos entre aqueles imigrantes brancos e loiros que nos procuravam quando as suas sociedades soçobraram e a forma como recebêramos e instaláramos, anos antes, os imigrantes vindos das ex-colónias portuguesas e que, na maioria, falavam português.

No fundo, dizia eu então, a nossa afamada capacidade para conviver com pessoas de outros lados e com diferentes culturas e costumes era mais visível e fácil fora de Portugal, que dentro do nosso país.

Parece que o mesmo se passa, também, noutros países desta nossa Europa: recordemos as recentes barreiras de arame farpado para conter os refugiados sírios e afegãos, e outros vindos doutras guerras, e a maneira agreste e desumana como, então, foram tratados em muitos lados deste tão solidário continente.

Olhemos, ainda, os mais atuais vídeos sobre as agruras por que alguns compatriotas nossos, fugidos da mesma guerra na Ucrânia, passaram nessas fronteiras, apenas por serem de origem africana.

Não ponho em causa a generosidade dos portugueses, nem a política institucional responsável e imediatamente posta em execução pelo Estado Português, para receber as vítimas de uma guerra absurda e aterradora.

Acredito, sinceramente, em ambas.

Não posso é deixar de me lembrar das diferenças de acolhimento – não para condenar a generosa emoção e magnanimidade com que vamos receber quem quase tudo perdeu, inclusive a própria vida, ou a vida dos seus – e esquecer, simultaneamente, as condições em que vivem, ainda hoje, muitos dos que connosco quiseram continuar depois de séculos de convivência mais ou menos forçada na terra deles.

Não posso, ainda, esquecer as imagens chocantes dos nepaleses de Odemira e as reações de muita gente ao seu acolhimento de emergência numa unidade turística parcialmente desativada.  

Outros, magrebinos, trabalhando noutras zonas do Alentejo, não tiveram sequer a sorte, ou a habilidade, de chamar a atenção dos meios de comunicação para a sua situação ainda mais deplorável.

A nossa obrigação para com os cidadãos ucranianos não pode nunca ser posta em causa:  dada a situação em que se encontram, nós só podemos e devemos ser coerentes connosco mesmos.

O que me importa aqui assinalar é, sim, a necessidade de termos, também, uma política homogénea e justa para com todos os que nos procuram e de nós necessitam.

Podemos e devemos receber sempre quem, por necessidade, nos procura.

Devemos, todavia, evitar que os que, assim, connosco necessitam partilhar o seu destino, não sejam alvo de discriminação, exploração oportunista e aproveitamentos vários e degradantes.

E isto diz também respeito aos ucranianos que, desesperados, a nós se dirigem agora.

Também eles sabem bem, como em algumas situações, a sua desesperança e desproteção legal propiciaram, não há muitos anos, neste nosso país, a sua mais abjeta exploração.

É por isso necessário que ACT e o MP na jurisdição laboral se reforcem, se motivem e tomem desde já a iniciativa de controlo e perseguição criminal contra os abusos que acontecem hoje com outros e podem, amanhã, acontecer, de novo, com os ucranianos.

É imperioso que mais abusos não sejam concretizados, agora – e uma vez mais -, sobre os que menos podem e menos pedem.

Os portugueses que já passaram, também, por tudo isso, devem ser, pois, os primeiros a denunciar os abusos que, em nome da generosidade de muitos, alguns quererão exercer sem qualquer pudor.

A Justiça pode, também, durante as guerras, ter – sem ser instrumentalizada – um papel objetivo e didático na preservação dos princípios e valores do Estado de Direito.

Pode constituir um exemplo de como agir na defesa dos direitos, sem, necessariamente, promover retaliações escusadas e mais derramamento de sangue e de lágrimas.

 

 

 

 

 

 


Receber os ucranianos com generosidade e com justiça


A nossa obrigação para com os cidadãos ucranianos não pode nunca ser posta em causa:  dada a situação em que se encontram, nós só podemos e devemos ser coerentes connosco mesmos.


A forma como a maioria dos portugueses tem recebido e apoiado os refugiados ucranianos é, como, quase sempre acontece connosco, genuinamente generosa e desinteressada.

Recebemo-los, agora, como refugiados de guerra, mas já os recebêramos, antes, como refugiados económicos: vulgo, imigrantes.

Escrevi, há muitos anos, numa apresentação de um seminário da CIVITAS (fidh), sobre imigração e racismo, que não era aceitável a distinção que, então, fazíamos entre aqueles imigrantes brancos e loiros que nos procuravam quando as suas sociedades soçobraram e a forma como recebêramos e instaláramos, anos antes, os imigrantes vindos das ex-colónias portuguesas e que, na maioria, falavam português.

No fundo, dizia eu então, a nossa afamada capacidade para conviver com pessoas de outros lados e com diferentes culturas e costumes era mais visível e fácil fora de Portugal, que dentro do nosso país.

Parece que o mesmo se passa, também, noutros países desta nossa Europa: recordemos as recentes barreiras de arame farpado para conter os refugiados sírios e afegãos, e outros vindos doutras guerras, e a maneira agreste e desumana como, então, foram tratados em muitos lados deste tão solidário continente.

Olhemos, ainda, os mais atuais vídeos sobre as agruras por que alguns compatriotas nossos, fugidos da mesma guerra na Ucrânia, passaram nessas fronteiras, apenas por serem de origem africana.

Não ponho em causa a generosidade dos portugueses, nem a política institucional responsável e imediatamente posta em execução pelo Estado Português, para receber as vítimas de uma guerra absurda e aterradora.

Acredito, sinceramente, em ambas.

Não posso é deixar de me lembrar das diferenças de acolhimento – não para condenar a generosa emoção e magnanimidade com que vamos receber quem quase tudo perdeu, inclusive a própria vida, ou a vida dos seus – e esquecer, simultaneamente, as condições em que vivem, ainda hoje, muitos dos que connosco quiseram continuar depois de séculos de convivência mais ou menos forçada na terra deles.

Não posso, ainda, esquecer as imagens chocantes dos nepaleses de Odemira e as reações de muita gente ao seu acolhimento de emergência numa unidade turística parcialmente desativada.  

Outros, magrebinos, trabalhando noutras zonas do Alentejo, não tiveram sequer a sorte, ou a habilidade, de chamar a atenção dos meios de comunicação para a sua situação ainda mais deplorável.

A nossa obrigação para com os cidadãos ucranianos não pode nunca ser posta em causa:  dada a situação em que se encontram, nós só podemos e devemos ser coerentes connosco mesmos.

O que me importa aqui assinalar é, sim, a necessidade de termos, também, uma política homogénea e justa para com todos os que nos procuram e de nós necessitam.

Podemos e devemos receber sempre quem, por necessidade, nos procura.

Devemos, todavia, evitar que os que, assim, connosco necessitam partilhar o seu destino, não sejam alvo de discriminação, exploração oportunista e aproveitamentos vários e degradantes.

E isto diz também respeito aos ucranianos que, desesperados, a nós se dirigem agora.

Também eles sabem bem, como em algumas situações, a sua desesperança e desproteção legal propiciaram, não há muitos anos, neste nosso país, a sua mais abjeta exploração.

É por isso necessário que ACT e o MP na jurisdição laboral se reforcem, se motivem e tomem desde já a iniciativa de controlo e perseguição criminal contra os abusos que acontecem hoje com outros e podem, amanhã, acontecer, de novo, com os ucranianos.

É imperioso que mais abusos não sejam concretizados, agora – e uma vez mais -, sobre os que menos podem e menos pedem.

Os portugueses que já passaram, também, por tudo isso, devem ser, pois, os primeiros a denunciar os abusos que, em nome da generosidade de muitos, alguns quererão exercer sem qualquer pudor.

A Justiça pode, também, durante as guerras, ter – sem ser instrumentalizada – um papel objetivo e didático na preservação dos princípios e valores do Estado de Direito.

Pode constituir um exemplo de como agir na defesa dos direitos, sem, necessariamente, promover retaliações escusadas e mais derramamento de sangue e de lágrimas.