“Burlões!”, gritavam alguns. Outros gritavam coisas bem piores, portanto aqui impublicáveis, peço desculpa. Os taxistas de Lisboa nunca tinham são malquistos como até então. “São uma cambada de enganadores”, resmungava uma senhora num dos jornais da capital. Pelo que parece, a coisa ficava-se por Lisboa e não se estendia ao resto do país, sorte a do resto do país. A Câmara Municipal chegou-se à frente. Emitiu um comunicado eivado de certa dureza: “Tendo chegado ao conhecimento da_Comissão Administrativa da_Câmara Municipal de Lisboa que alguns chauffeurs (sic) de automóveis de praça, na ânsia de burlarem o público e com o mais absoluto desprezo pela Postura Municipal (sic), exigem aos passageiros que se utilizam dos seus serviços, preços superiores aos estabelecidos nas tabelas em vigor, e que, em muitos casos, a fiscalização oficial não pode estar presente para punir a prática de tais abusos, sendo, portanto, necessário que o público conheça os meios legais da sua defesa contra a extorsão do seu dinheiro por exploradores sem escrúpulos, para assim poder ser fiscal dos seus próprios interesses; e ainda que os factos apontados dão a impressão de que os portugueses, uns por ignorância, outros por comodismo, se deixam explorar por criminosos a quem a justiça não tem chamado a prestar contas, chama-se a atenção do público para o seguinte…”.
Tcham-tam-tcham! Tocam os tamboretes como no circo, na hora em que a Lolita do trapézio sobe àquele lugar onde (cuidado!) seus pais morreram assim, e faço aqui um cinematográfico suspense antes de revelar as medidas tomadas para combater a grandessíssima lata destes tais condutores de carros de praça que andavam a usar e abusar do pobre lisboeta e, provavelmente, do incauto turista que por cá vinha dando uma espreitadela às praias do Estoril e de Cascais antes de sair à noite para Alfama ou para o Bairro Alto a ouvir um fadinho.
“É inadmissível!”, insistia a tal senhora que tinha já fumo a sair-lhe pelas orelhas. “Cobraram-me um dinheirão por ir da Praça da Figueira à Praça da Alegria, coisa que se faz num saltinho de pardal. Ora a atitude, hein! Mais vale ir a pé do que andar a aturar estes gatunos!”.
Furibunda e, cremos nós, assim à distância de quase um século, com toda a razão, a senhora prosseguia: “É preciso que as autoridades tomem medidas e urgentes. Quando o motorista me pediu aquele dinheirão só queria era apresentar uma queixa a um polícia, mas não encontrei nenhum nas redondezas, pelo que não tive outro remédio se não pagar. Ainda por cima porque o indivíduo era um malcriadão”. Azar da pobre madame, até porque a Praça da Alegria já tinha a esquadra que por lá se mantém, salvo erro. Mas calma, minha senhora, a Câmara Municipal de Lisboa vinha aí como Flash-Gordon em defesa dos fracos e oprimidos.
Medidas
Já ultrapassado o tal cinematográfico suspense, que só durou, como viram, meia-dúzia de linhas, é altura de percebermos o que andavam os juristas municipais a preparar para pôr um ponto definitivo no abuso dos ditos burlões dos volantes. A primeira medida era límpida e clara como os olhos da Elizabeth Taylor: ficavam terminantemente proibidos os chauffeurs (sic) de cobrarem aos passageiros preços superiores aos estabelecidos nas Posturas Municipais. Parece que se tornara comum os tais chauffeurs aplicarem a tarifa 2 em corridas classificadas dentro da tarifa 1. Pois muito bem, a partir de então, se o fizessem, estavam a contas com a justiça e iriam, certamente, dar com os costados num tribunal de serviço.
A seguir, entrava-se pela burocracia. Os condutores de carros ditos de praça ficavam obrigados a, sempre que um passageiro se sentisse burlado, passar uma factura na qual se indicava o nome do chauffeur, o nome do dono da viatura, e a morada da garagem a que recolhia no final do serviço. Era também obrigado a fornecer ao queixoso o número do registo municipal do automóvel, a distância percorrida durante o trajecto e a tarifa que tinha sido aplicada.
Com este papelzinho nas mãos, os burlados poderiam recorrer aos serviços policiais que tivessem mais a jeito e apresentar uma queixa-crime formal, se fosse caso disso.
Ah, bom! E a coisa não ficava barata para o eventual prevaricador. Ora repare-se: se a reclamação fosse considerada justa pelas forças da ordem, o chauffeur seria punido com uma pena de multa de 200$00 na primeira infracção e de 300$00 se fosse reincidente. Além disso, neste último caso, era-lhe retirada a carta de condução. Ora batatas! Mais valia ser sério!
Mas ainda havia mais sanções. Imaginemos que, por descuido, o chauffeur indicava ao cliente um preço de viagem abaixo do que estava estabelecido._Azar o dele! Era obrigado a transportar o mamífero pelo preço que erradamente lhe indicara e bico calado. Se resolvesse, por seu livre-arbítrio, cobrar o que, na verdade, deveria ter cobrado, sujeitava-se a 30 dias de prisão e cassação de licença para continuar a trabalhar na praça. Havia, como se entende, muito chauffeur desagradado. “Pois, pois, revilava um deles, por causa dos aldrabões temos de pagar nós, os que somos honestos!”. Publicado o édito municipal, assim seria. Burlões ao volante é que não, pelo amor da santa. Uma santa qualquer.