Somos gentes de grandes estados de alma, ora da depressão, ora da euforia, sem grande vocação para os equilíbrios, o bom senso e a racionalidade. Entre o sonho e a realidade, tendemos a posicionarmo-nos no primeiro sem cuidar da existência de condições para sustentar as opções que fazemos na órbita do oitenta quando a base de partida é quase do outro lado do trajeto, a rondar o oito. Exige-se ou exigia-se cada vez mais e mais, quando os recursos são limitados, mas os governantes tendem em não olhar a meios para atingir o fim de propiciar aos cidadãos partes das exigências que são verbalizadas, tudo a bem das sacrossantas eleições e da manutenção do poder. É assim que, com parcos recursos de base, com preconceitos em relação a alguns fatores de produção e com crescentes exigências de alegada modernidade quando não temos em muitas partes do território o básico, a nação se sobressalta extemporaneamente com o dinheiro alheio captado, enquanto não cuida de gerar a riqueza necessária para as pretensões gerais e suporta alegremente a carga fiscal imposta. Foi assim que nos entregámos nos braços financeiros de Khadafi, de Chávez, da China e de José Eduardo dos Santos, ou que o fazemos agora com outros protagonistas económicos e financeiros e internacionais que fustigamos mediaticamente depois de alguém os ter atraído para a nação.
É preciso recursos para superar o estado de letargia grau oito, não se geram recursos próprios, ambiciona-se o oitenta, mas fustigam-se os que se predispõem a investir para que existam estados de alma e de consumo próximos do oitenta. Digamos que nem é sensata a atitude de quem muito quer quando os recursos são finitos, nem é aceitável a esquizofrenia gerada pela descoberta da origem do dinheiro para as opções coletivas que fazemos, embora os decisores políticos contem com a ampla margem de manobra que o alheamento cívico e a falta de escrutínio lhes conferem.
Aliás, a guerra na Ucrânia, na sequência da invasão pela Rússia, e as sanções económicas determinadas, para além de terem sublinhado a dependência energética de boa parte da Europa da Rússia, evidencia que vale de muito pouco exercitar juízos de valor alheios e caças às bruxas quando, por falta de trabalho de casa ou de alternativas, na procura de fornecedores energéticos complementares os Estados Unidos procuram soluções nos, até agora diabolizados, Venezuela e Irão. A necessidade tende a esmorecer os princípios e os valores, mas há mínimos que temos a obrigação de estabelecer nas atitudes individuais, nas relações comunitárias e nas interações entre os Estados.
Não podemos ter condições de oito e exigir oitenta quando todos sabem que os recursos ou são gerados ou virão de algum lado, nunca caem do céu por geração espontânea ou divina, para os crentes.
Não podemos ter ambições políticas na órbita dos oitenta, para sermos os mais avançados nas opções políticas de modernidade e nas metas europeias, da digitalização às novas tendências de vida, quando há milhares de portugueses espalhados pelo país, sobretudo no interior que não têm o cabaz de serviços básicos assegurados, desde logo do acesso aos serviços do Estado e da sustentabilidade de presença de pessoas nos territórios.
A guerra está longínqua geograficamente, mas estará mais presente do que nunca nas nossas vidas pelos impactos nos nossos quotidianos, seja pela mediatização sem paralelo resultante da conjugação da imprensa com as redes sociais, seja pela projeção nos preços dos bens e serviços.
Andávamos com ares e vidas de século XXI até 2020, mas fomos despejados desse piso para o rés-do-chão do século XIX, primeiro com a pandemia, agora com a guerra na Ucrânia.
O tempo é de exigência superlativa, porque as grandes saídas da situação já não dependem da nossa ação direta individual ou comunitária, como aconteceu com a pandemia. Há demasiados fatores que não controlamos, mas precisamos de todo o bom senso que exista no mercado nacional para não transformar os nossos quotidianos numa equação impossível num tempo de grandes dificuldades para os estados de alma individuais, nos vários segmentos etários. Para os que já viveram tempos como estes com guerra, para os que já acumulavam dificuldades nos seus quotidianos e para as novas gerações à procura de construir futuros diferentes das nuvens negras que se posicionam agora, uma vez mais.
É claro que precisaremos sempre das redes, sejam elas comunitárias, nacionais, europeias ou internacionais, mas o que de fazer é evitar que alguém esteja no oito e colocar o país nos pontos de equilíbrios sustentáveis que podemos suportar, na certeza de que a exigência do oitenta só será possível por ação própria ou por exposição aos recursos financeiros em relação aos quais não são aceitáveis juízos de valor à posteriori. Se queremos estar mais próximos dos oitenta é preciso que decisores políticos, os agentes económicos e os cidadãos trabalhem nesse sentido consequente, sustentável, sensato e sempre com as pessoas e a totalidade dos territórios como parte das equações.
A não ser assim, não haverá PRR ou Portugal 2030 que nos valha, porque as necessidades, as circunstâncias e as exigências continuarão a ser sempre superiores aos recursos, com a agravante de, aos problemas estruturais e às consequências da pandemia, somarmos agora a vicissitudes da guerra no espaço europeu.
Sem fazermos o que nos compete, com mais organização, equilíbrio, sustentabilidade e produtividade nas opções e nas ações, ou somos puritanistas na órbita do oito ou teremos que ser como os outros para almejar a proximidade ao oitenta. É claro que haverá sempre alguns que, a partir do conforto do exercício de funções públicas e da segurança que estas lhes conferem, podem sempre arremessar contra tudo e contra todos, sem nunca terem tido necessidade ou obrigação de gerar emprego, pagar salários e gerar riqueza para pagar impostos, mas esses serão sempre os animadores de serviço inconsequentes de uma nação que precisa de decidir o que quer: oito, equilíbrio ou oitenta.
A verdade é que o país precisa de clarificar o que quer ser, se uma nação confiável ou uma Maria vai com as outras, a toque dos humores, das comoções e da volatilidade da atualidade mediática.
NOTAS FINAIS
A RAIVA DEMISSIONISTA DE MORTÁGUA ENTUPIU. A presunção de superioridade moral pode matar politicamente. O Bloco de Esquerda em abundância eleitoral obrigou Ricardo Robles, estrela em ascensão, a demitir-se da vereação de Lisboa por ter uma prática individual divergente das propostas políticas do partido. O BE em míngua eleitoral, depois de anos de fustigo moral e de reiterados pedidos de demissão a decisores políticos e económicos por falhas, mete a viola no saco para permitir que a Deputada Mariana Mortágua prossiga em funções, depois de violar o regime legal de exclusividade parlamentar, tão propalada pelo partido. No JN começou a ter princípios depois de lhe cortarem a avença. Na SIC não perde os tostões, perde a face e a pose.
GUERRA SEM DESCULPA. Quinze dias depois emergem alguns desculpabilizadores de Putin, alavancados nas fragilidades do Estado e da governação de Zelensky em tempo de paz. Pelo meio, até um ex-quadro dos SIS ao serviço do Kremlin. Não há nada que desculpe a barbárie da guerra e da invasão russa resultantes dos delírios imperialistas tresloucados de Putin.