Ucrânia e Rússia terçam armas no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) desde 16 de Janeiro de 2017, quando a Ucrânia alegou a violação da Convenção para a supressão do financiamento do terrorismo, de 1999, e da Convenção internacional para a eliminação de todas as formas de discriminação racial, de 1965. Como a sujeição dos Estados à jurisdição do TIJ é voluntária, a competência do Tribunal depende da aceitação dos Estados envolvidos no litígio. Quando um dos Estados tem consciência da fragilidade da sua posição jurídica tende a não aceitar a submissão do litígio ao TIJ por via de um acordo específico. Nessas circunstâncias é possível encontrar numa convenção internacional, bilateral ou multilateral, uma cláusula de aceitação da jurisdição do TIJ e forçar um Estado pouco interessado na solução judicial a comparecer perante o TIJ. A Ucrânia invocou em 2017 as duas referidas convenções com este propósito, fazendo acompanhar a acção principal de um pedido de decretamento de medidas provisórias. Em 19 de Abril de 2017 o TIJ, por 13 votos contra 3 (incluindo o do juiz ad hoc indicado pela Federação Russa), e em sede de medidas provisórias, considerou-se competente, ao abrigo da segunda das convenções, invocada a propósito da invasão russa da Crimeia, e decretou medidas provisórias em defesa dos Tártaros da Crimeia, e, por unanimidade, em defesa do ensino em língua ucraniana e indicando às Partes o dever de evitarem medidas que agravem o litígio. Desde então as Partes têm vindo a trocar peças processuais, sendo a réplica da Ucrânia devida em 8 de Abril de 2022 e a tréplica da Rússia em 8 de Dezembro de 2022.
Também na Haia, mas em sede de Tribunal Permanente Arbitral, a Ucrânia desencadeou procedimentos arbitrais contra a Rússia, em 2017, para defender os direitos do Estado costeiro no Mar Negro, Mar de Azov e estreito de Kerch e, em 2019, para tutelar o apresamento pelos russos de navios da marinha ucraniana e as respectivas tribulações. Estes casos resultam da invasão da russa da Crimeia e do consequente fecho pelas forças russas da navegação no estreito de Kerch, transformando o mar de Azov num mar fechado.
Em 26 de Fevereiro deste ano e na sequência da invasão russa, a Ucrânia invocou a Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio, de 1948, para sentar, de novo, a Rússia no TIJ. À semelhança do que aconteceu em 2017 a Ucrânia solicitou desde logo o decretamento de medidas provisórias. O TIJ convocou audiências para os dias 7 e 8 de Março para ouvir a argumentação das Partes em relação às medidas provisórias, tendo a Federação Russa considerado este prazo demasiado curto para estar presente. Não obstante, apresentou alegações escritas que em 6 páginas percorrem a abundante casuística do TIJ em matéria de artigo 9º da Convenção de 1948, considerando que a factualidade na Ucrânia não se subsume ao regime da Convenção e que o uso da força não é equivalente à prática do crime de genocídio. O texto russo oferece ainda a transcrição do discurso do Presidente Putin no dia 24 de Fevereiro em que anuncia a “operação militar especial” e invoca o artigo 51º da Carta da ONU (legítima defesa).
O pedido ucraniano é fundado na invocação pela Rússia de um genocídio praticado pela Ucrânia contra as populações do Donbass (o discurso de Putin refere “genocide of the millions of people who live there”). A Ucrânia contesta a existência de um genocídio praticado pelas suas autoridades pelo que haveria um diferendo quanto à interpretação da Convenção, assim se justificando a competência do TIJ.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990