Porque é que a invasão da Ucrânia pode significar uma guerra entre o século XX e o século XXI?
A queda da União Soviética e a abertura da China ao mercado mundial traziam ventos de esperança de um período de genuína fraternidade entre os povos, deixando para trás as crispações que o século XX tinha herdado do século XIX, deixando transparecer que finalmente as tinha sanado.
Isto apesar de a última década do século passado, a década que se seguiu à queda do muro de Berlim, ainda trazer nuvens negras de conflito mundial.
Se no Médio Oriente o mundo parecia unir-se contra um ato ditatorial do Iraque, com a invasão do povo soberano do Kuwait, já na Europa, o conflito nos Balcãs, arrastava-nos à memória a Guerra dos Balcãs de 1912/1913, que muitos entenderam como o conflito que (mal resolvido) acabou por servir de tónico para a instabilidade que levou ao assassinato do herdeiro do Império Austro-Húngaro, rastilho para o mundo mergulhar na primeira guerra mundial.
A Rússia, herdeira dos resquícios da União Soviética, parecia hesitar entre abraçar este direito universal de afirmação dos povos e o reflexo de manter uma influência estratégica que o rasgar da cortina de ferro havia desmantelado.
Tudo porque a nova Rússia (sobre a qual Vasco Pulido Valente já havia alertado que continuava a só poder existir nos moldes atuais se governada por um autocrata), que se queria moderna, teimava em não aprender a lição da queda do período soviético: as esferas de influência que não se concretizam pela amizade e partilha de prosperidade entre povos, tendem a ter o mesmo destino que o muro de Berlim.
Não podemos impor a amizade pela projeção do medo ou pela força das armas. Isto atenta contra a dignidade Humana.
Porém, o final desta segunda década trouxe o maior de todos os desafios que a Humanidade parecia poder enfrentar: a pandemia covid-19.
No entanto, num enorme esforço coletivo, de união entre os povos, da superior capacidade Humana, produziram-se vacinas em tempo recorde, derrotando o que parecia ser um potencial de erradicação da Humanidade.
E agora, com este sentimento de concretização global, entramos na terceira década do séc. XXI confrontados com o fantasma de uma visão do séc. XX.
Essa visão é promovida pelo tal autocrata da Rússia, formado na escola do KGB, que perpetua um ódio a tudo o que vem da Europa ou dos Estados Unidos, quando o mundo já não comporta divisões dessa natureza.
E esse tal autocrata do séc. XX lançou um modelo de opressão do séc. XX, procurando subjugar todo um povo à visão desse seu mundo do séc. XX, querendo silenciar a autodeterminação dos povos e o orgulho de uma nação pela força das armas. Destruindo e humilhando.
Quis o destino que pela frente encontrasse um líder do séc. XXI, rodeado de um povo que, depois do natural susto das primeiras bombas, assumiu a coragem e a determinação de quem luta pelo seu direito de existir, de quem não se deixará levar à extinção em silêncio.
Zelensky respondeu ao terror militar do séc. XX com o arrojo e a confiança do séc. XXI.
O líder do séc. XXI denuncia atrocidades sem medo, exorta o seu povo e apela aos invasores para renunciarem a este ato de agressão com as redes sociais. Resiste no terreno e comunica diretamente com a sua população e com o mundo.
Conseguiu com isto provar que o problema não são os russos. O problema é o tal autocrata.
E já não basta terminar este conflito que reacendeu ódios que se estavam a apagar. Porque nos jovens ucranianos de hoje, nas gerações que irão governar amanhã, irá viver a memória desta agressão.
E qualquer concessão às exigências do tal autocrata é uma concessão com um regresso ao passado.
Podemos, ou não, estar à beira da terceira guerra mundial, mas estamos certamente a assistir a uma guerra dos séculos. E o século XXI não pode perder esta guerra, porque não queremos regressar a 1947.