1. Na hora de mandar este texto tinha-se concretizado um dos piores cenários possíveis: a Rússia está a esmagar a Ucrânia e o seu povo de forma metódica e sistemática. O que se passa no terreno evidencia que a Ucrânia não será nunca o país livre, democrático e europeu que o seu povo sonhava, mesmo sujeitando-se a algumas limitações resultantes do seu posicionamento geoestratégico, como sucede a muitos outros estados. Em contrapartida, não se sabe o que Vladimir Putin, herdeiro de Vladimir Lenine, de Estaline e dos grandes Czares, pretende fazer a uma Ucrânia moribunda, que não consegue resistir organizadamente. Ao contrário do que alguns estrategas nacionais e internacionais têm proclamado, a invasão russa está a correr da forma como Putin provavelmente previu. Desde logo, porque a capacidade secular de resistência de todos os povos daquela zona da Europa é coisa que Putin tem necessariamente de conhecer. Por isso, aplicou um plano de assalto repetido cem vezes em conflitos recentes e na Segunda Guerra Mundial. Primeiro cerca-se, fecham-se linhas de abastecimento, esvazia-se a população (neste caso quanto mais reduzida melhor para o invasor), bombardeia-se e depois tomam-se aldeias, arredores de vilas e cidades, esperando para as ocupar que já só haja nichos de resistência localizados. Para tal, usa-se a artilharia terrestre e naval e a força aérea, mantendo em espera as colunas de blindados (cavalaria moderna) para o assalto final, juntamente com a infantaria. Putin pode ter feito crer ao povo desinformado da Rússia que haveria uma vitória quase instantânea, mas ver-se-á na fita do tempo futura que tomar um país como a Ucrânia (sensivelmente o tamanho da França e da Alemanha e com 40 milhões de habitantes), num mês, será sempre uma vitória relâmpago, por mais que o Ocidente o tente negar. Não será, como já se percebeu, o incómodo da comunicação social democrática que vai perturbar Putin. O alongar do conflito e a sua banalização mediática jogam a favor do russo, ao contrário do que sucede com as sanções. Uma vez controlados o país e a resistência, há vários cenários que Putin pode desenvolver. Um consiste na tentativa de implantar no atual território da Ucrânia um governo fantoche, que aceite gerir o espaço que Putin entender. Esse território ficaria provavelmente sem saídas para os mares Negro e de Azov, revertendo para a Rússia toda essa franja até à Moldávia. Obteria assim um gigantesco ganho territorial, criando um corredor rico e estratégico que ligaria as repúblicas separatistas, até à Crimeia e dali para a frente até à Moldávia ou talvez mais. Uma hipótese ainda mais radical é a Rússia integrar em si toda a Ucrânia, trazendo novamente a sua fronteira até à Polónia, Moldávia, Roménia, Hungria e Eslováquia. É uma anexação que lhe custaria caro do ponto de vista humano e económico, mas é ainda uma alta probabilidade. Uma terceira hipótese seria uma anexação apenas dos territórios que foram reconhecidamente russos no passado. Aí, Kiev é nevrálgica, já que foi o ponto de partida do que veio a ser o Império czarista. Há dentro destes macro cenários muitas variantes possíveis, consoante a situação concreta, as conveniências, as cedências e a estratégia de Putin que, ao contrário do que alguns pensam, não parece baseada em improvisos. Na ronda de negociações de ontem o que Putin pôs em cima da mesa é, como ele sabe, inaceitável por agora por parte dos ucranianos. Enquanto luta e é liderada por um Zelinski vivo e no terreno, a Ucrânia democrática não pode aceitar rever a Constituição, reconhecer a existência das repúblicas do Leste e validar a anexação da Crimeia. Sobrou das conversações a hipótese de se estabelecerem corredores humanitários mais aceitáveis para quem queira, estando no terreno dominado pelos russos, sem ter de ir para a Biolorrússia ou para o país invasor. É já certo que vai voltar a haver novas reuniões, desta feita na Turquia, como dá jeito internacionalmente a Moscovo. Como já se viu, Putin avança quando sente fraqueza e fica quieto perante a força ou quando lhe convém por ter cumprido o objetivo a que se propôs. O certo é que, até hoje, o Presidente russo nunca recuou depois de ter lançado uma ofensiva militar. Putin é, atualmente, dono e senhor da Rússia. Detém um poder que só pode ser comparável ao dos imperadores. Até no tempo de Brejnev, o último grande ortodoxo da URSS, existiam figuras como Gromyko (ministro dos estrangeiros) e Kossygin (primeiro-ministro) reconhecidamente influentes durante muitos anos. O próprio PC russo tinha um poderoso politburo que nem sempre se podia afrontar brutalmente. Nada disso se passa com Putin, cujo poder interno não tem, aparentemente, qualquer limitação política ou militar. Todo este quadro leva a crer que a Ucrânia livre, democrática e europeia foi um sonho. Esteve perto de se concretizar, mas não conseguiu crescer a tempo e morreu jovem. Era uma vez a Ucrânia, um país que queria ser democrático…
2. Face à invasão da Ucrânia pela Rússia, é óbvio que António Costa está obrigado a reajustar as suas ideias iniciais relativamente à composição do novo governo, como assinalou o Nascer do Sol na sua edição de sábado. Era dado como certo que Santos Silva seria candidato a presidente do Parlamento. Mas será sensato, agora, retirar do MNE alguém com vasta experiência e que é conhecido externamente? Sendo fraquinho, o próprio ministro da defesa, João Cravinho Jr., já ganhou tarimba e talvez seja prudente mantê-lo, com base naquela teoria de que em tempo de guerra não se mudam generais. Admitia-se a hipótese de a pasta da Defesa ser ocupada por uma mulher (designadamente Ana Catarina Mendes), mas essa possibilidade tem perdido força. É sabido, porém, que o Presidente da República passou a hostilizar Cravinho depois de algumas das suas manobras como a de promover à viva força o almirante Gouveia e Melo, afastando Mendes Calado. Costa é tendencialmente conservador em mexidas nos seus governos e a situação atual pode levá-lo a não modificar tanto o elenco e a estrutura executiva como ele desejaria e o país muito precisa. Veremos.
3. Arménio Carlos, ex-secretário geral da CGTP e ainda hoje um possível futuro secretário-geral do PCP, não fica a dever nada a Jerónimo de Sousa em termos de sectarismo. Há dias, em entrevista a uma rádio baralhou uma impreparada jornalista com um fulgurante argumento para provar que a Ucrânia é uma tirania. Explicava que o PC ucraniano foi ilegalizado e proibido de concorrer a eleições. Esqueceu-se, ingenuamente, de precisar que a ilegalização resultou do facto do PC ucraniano ter traído o seu país, ao aceitar a anexação da Crimeia e apoiar as repúblicas implantadas por separatistas no leste do país.