A guerra e a paz, para além dos media e do dia de hoje


Ligar uma televisão ou uma rádio, ler – ainda – um jornal não nos informa minimamente da guerra que está a acontecer, de facto, e a mudar de novo o mundo.


Como qualquer mal, o último faz esquecer o anterior.

Se outro efeito não teve – benefício nenhuma guerra tem para ninguém, mesmo para os que a promovem –, a invasão da Ucrânia obnubilou, mediaticamente, a pandemia.

Os nossos media, que não haviam ainda conseguido curar-se da histeria pandémica, ganharam, de súbito, um outro mal sobre que dissertar: uma outra causa.

Mudaram de disco e mudaram de alvo.

Depois de martirizados durante meses por um conjunto alargado de especialistas de todos os tipos e ramos sobre a pandemia, somos agora bombardeados por inúmeros cultores civis de artes guerreiras e económico- militares.

Ainda mal refeitos do terror pandémico, imposto, minuto a minuto, por televisões, rádios e jornais, começámos a ventilar com os comentários não menos insistentes, apocalíticos e sempre ameaçadores dos cultores da guerra: a das armas, a da economia, a das raças, a das culturas, a das religiões, a dos impérios bons e maus que governam, ou querem anexar e governar, as galáxias próximas e mesmo as mais distantes.

Na verdade, a nossa vida atual é vivida e padronizada pelo medo constante e dominador, imposto e difundido sufocantemente pelos seus cultores mediáticos e os que os inspiram.

Ainda não sabemos, exatamente, o que está sucedendo com a guerra à pandemia, mas já temos uma nova – e não menos horrível – para enfrentar; isto, embora o Presidente Macron tenha assegurado que não, que não estamos em guerra com a Rússia.

Para além do ruído dos media, e do seu orwelliano mundo, nada mais existe, todavia, do que a guerra, do que essa guerra que não existe, mas em que devemos concentrar permanentemente a nossa atenção.

Ligar uma televisão ou uma rádio, ler – ainda – um jornal não nos informa minimamente, contudo, da guerra que está, de facto, acontecer e a mudar de novo o mundo.

A nossa guerra acontece aqui, entre muros: é outra, é a da informação.

O que ficamos a saber é, sobretudo, a opinião do senhor X, especialista em assuntos do Leste, do senhor Y, especialista em guerra digital, do senhor Z, especialista em efeitos das sanções causadas ao inimigo – com quem não estamos em guerra – do senhor W, especialista em relações históricas entre povos mais ao menos irmãos.

Dos avanços militares, da resistência efetiva dos invadidos, dos mortos sofridos, dos feridos, dos danos patrimoniais e culturais, dos danos ambientais que a guerra produz, pouco sabemos, na verdade: pouco vemos.

Vemos muito menos do que em outras guerras e perguntamo-nos porquê.

Temos imagens poucas e, para contrariar a nefanda propaganda hostil, concordamos, uns e outros, com o fecho de cadeias informativas alheias.

Valham-nos, ainda assim, do nosso lado, os comentários sempre sóbrios dos nossos militares, que, por já terem vivido de verdade a guerra e os seus horrores, não se alargam em especulações exorbitantes e sempre nos procuram chamar à razão.

Rejubilam-se uns quantos espectadores com a heroicidade da resistência dos invadidos e outros, mais reservados, com as conquistas violentas e demolidoras dos invasores.

O pior de tudo – e aí o receio mais fundo de todos – é, porém, o deserto da reflexão sobre o que acontecerá no day after: no dia em que uma qualquer paz for assinada.

Como será esse mundo? Ninguém fala sobre ele.

Depois das fanfarras e das bandeiras, dos braços erguidos e hirtos de um lado e do outro, como irão conviver os povos: os vencedores e os vencidos?

Ou serão, afinal, todos vencidos?

De nada valerá, então, a solidariedade genuína com as vítimas ucranianas se não cuidarmos já da paz: se o não fizermos agora, seremos todos vítimas, porventura mais afortunadas, mas vítimas ainda assim.

Como iremos sobreviver nós, afetados indiretamente – mas não menos prejudicados – pelos efeitos de uma guerra que delegámos e que não travámos na frente?

Para além do brilho e do barulho da propaganda belicista – ingénua, uma, dirigida e especializada, outra – que mundo restará?

A cintilação e o ruído mediáticos – uns chamar-lhe-ão propaganda, outros, ainda, guerra comunicacional – podem aturdir, por algum tempo, as nossas mentes, mas não resolvem nenhum dos problemas com que nos iremos confrontar amanhã.

E eles aí estarão, inevitáveis.

Para obter uma paz justa – e, a seguir à guerra, a paz será seguramente a do vencedor e, portanto, justa pouco será – que passos é necessário dar, agora, para que, pelo menos, possamos aplainar o futuro e evitar ressentimentos maiores: portanto, mais guerras?

Recordemos que a ONU foi criada a seguir à segunda-guerra mundial, tendo como finalidade evitar mais guerras.

Quantas se contaram depois da sua criação?

Como se diz do tango – para o dançar são precisos dois bailadores.

Na Europa, precisamos de paz e não de guerras, de segurança recíproca e não de invasões e bombardeamentos cirúrgicos ou massivos, de entendimento, de confiança mútua, e não de má-fé, provocações, vindictas e desacertos trágicos e maldosos.

Para o encontro e reconhecimento mútuos, de pouco serve o inventariar de erros de uns e de outros – muitos foram, horríveis todos, criminosos alguns, e de todos os lados – o que é necessário, sim, é recuperar uma base sólida de reflexão, respeito e identificação, que permita aos povos, desavindos pelas versões da História assumidas e contadas pelos chefes circunstanciais, comungarem amanhã da mesma paz.

«Do Atlântico aos Urais», como dizia um outro militar que travou guerras a sério, o general De Gaulle, somos, no final, uma e a mesma Europa: uma Europa de povos unidos pela religião, pela filosofia, pela cultura, pela arte e, sobretudo, por uma ânsia insaciável de aperfeiçoamento humano e justiça social.

Mandela, que não era europeu, mas nos sofreu muito, ensinou-nos como fazer para superar os desencontros mais traumáticos.

Será, pois, pedir muito aos meios de comunicação social que, comunicando como devem e o que devem, em vez de acicatarem desordenadamente os ânimos guerreiros, comecem, já hoje, a preparar, com responsabilidade e comprometimento sério, um futuro de paz em que todos possamos caber?

Durante algum tempo, isso sucedeu com a pandemia.

A guerra e a paz, para além dos media e do dia de hoje


Ligar uma televisão ou uma rádio, ler – ainda - um jornal não nos informa minimamente da guerra que está a acontecer, de facto, e a mudar de novo o mundo.


Como qualquer mal, o último faz esquecer o anterior.

Se outro efeito não teve – benefício nenhuma guerra tem para ninguém, mesmo para os que a promovem –, a invasão da Ucrânia obnubilou, mediaticamente, a pandemia.

Os nossos media, que não haviam ainda conseguido curar-se da histeria pandémica, ganharam, de súbito, um outro mal sobre que dissertar: uma outra causa.

Mudaram de disco e mudaram de alvo.

Depois de martirizados durante meses por um conjunto alargado de especialistas de todos os tipos e ramos sobre a pandemia, somos agora bombardeados por inúmeros cultores civis de artes guerreiras e económico- militares.

Ainda mal refeitos do terror pandémico, imposto, minuto a minuto, por televisões, rádios e jornais, começámos a ventilar com os comentários não menos insistentes, apocalíticos e sempre ameaçadores dos cultores da guerra: a das armas, a da economia, a das raças, a das culturas, a das religiões, a dos impérios bons e maus que governam, ou querem anexar e governar, as galáxias próximas e mesmo as mais distantes.

Na verdade, a nossa vida atual é vivida e padronizada pelo medo constante e dominador, imposto e difundido sufocantemente pelos seus cultores mediáticos e os que os inspiram.

Ainda não sabemos, exatamente, o que está sucedendo com a guerra à pandemia, mas já temos uma nova – e não menos horrível – para enfrentar; isto, embora o Presidente Macron tenha assegurado que não, que não estamos em guerra com a Rússia.

Para além do ruído dos media, e do seu orwelliano mundo, nada mais existe, todavia, do que a guerra, do que essa guerra que não existe, mas em que devemos concentrar permanentemente a nossa atenção.

Ligar uma televisão ou uma rádio, ler – ainda – um jornal não nos informa minimamente, contudo, da guerra que está, de facto, acontecer e a mudar de novo o mundo.

A nossa guerra acontece aqui, entre muros: é outra, é a da informação.

O que ficamos a saber é, sobretudo, a opinião do senhor X, especialista em assuntos do Leste, do senhor Y, especialista em guerra digital, do senhor Z, especialista em efeitos das sanções causadas ao inimigo – com quem não estamos em guerra – do senhor W, especialista em relações históricas entre povos mais ao menos irmãos.

Dos avanços militares, da resistência efetiva dos invadidos, dos mortos sofridos, dos feridos, dos danos patrimoniais e culturais, dos danos ambientais que a guerra produz, pouco sabemos, na verdade: pouco vemos.

Vemos muito menos do que em outras guerras e perguntamo-nos porquê.

Temos imagens poucas e, para contrariar a nefanda propaganda hostil, concordamos, uns e outros, com o fecho de cadeias informativas alheias.

Valham-nos, ainda assim, do nosso lado, os comentários sempre sóbrios dos nossos militares, que, por já terem vivido de verdade a guerra e os seus horrores, não se alargam em especulações exorbitantes e sempre nos procuram chamar à razão.

Rejubilam-se uns quantos espectadores com a heroicidade da resistência dos invadidos e outros, mais reservados, com as conquistas violentas e demolidoras dos invasores.

O pior de tudo – e aí o receio mais fundo de todos – é, porém, o deserto da reflexão sobre o que acontecerá no day after: no dia em que uma qualquer paz for assinada.

Como será esse mundo? Ninguém fala sobre ele.

Depois das fanfarras e das bandeiras, dos braços erguidos e hirtos de um lado e do outro, como irão conviver os povos: os vencedores e os vencidos?

Ou serão, afinal, todos vencidos?

De nada valerá, então, a solidariedade genuína com as vítimas ucranianas se não cuidarmos já da paz: se o não fizermos agora, seremos todos vítimas, porventura mais afortunadas, mas vítimas ainda assim.

Como iremos sobreviver nós, afetados indiretamente – mas não menos prejudicados – pelos efeitos de uma guerra que delegámos e que não travámos na frente?

Para além do brilho e do barulho da propaganda belicista – ingénua, uma, dirigida e especializada, outra – que mundo restará?

A cintilação e o ruído mediáticos – uns chamar-lhe-ão propaganda, outros, ainda, guerra comunicacional – podem aturdir, por algum tempo, as nossas mentes, mas não resolvem nenhum dos problemas com que nos iremos confrontar amanhã.

E eles aí estarão, inevitáveis.

Para obter uma paz justa – e, a seguir à guerra, a paz será seguramente a do vencedor e, portanto, justa pouco será – que passos é necessário dar, agora, para que, pelo menos, possamos aplainar o futuro e evitar ressentimentos maiores: portanto, mais guerras?

Recordemos que a ONU foi criada a seguir à segunda-guerra mundial, tendo como finalidade evitar mais guerras.

Quantas se contaram depois da sua criação?

Como se diz do tango – para o dançar são precisos dois bailadores.

Na Europa, precisamos de paz e não de guerras, de segurança recíproca e não de invasões e bombardeamentos cirúrgicos ou massivos, de entendimento, de confiança mútua, e não de má-fé, provocações, vindictas e desacertos trágicos e maldosos.

Para o encontro e reconhecimento mútuos, de pouco serve o inventariar de erros de uns e de outros – muitos foram, horríveis todos, criminosos alguns, e de todos os lados – o que é necessário, sim, é recuperar uma base sólida de reflexão, respeito e identificação, que permita aos povos, desavindos pelas versões da História assumidas e contadas pelos chefes circunstanciais, comungarem amanhã da mesma paz.

«Do Atlântico aos Urais», como dizia um outro militar que travou guerras a sério, o general De Gaulle, somos, no final, uma e a mesma Europa: uma Europa de povos unidos pela religião, pela filosofia, pela cultura, pela arte e, sobretudo, por uma ânsia insaciável de aperfeiçoamento humano e justiça social.

Mandela, que não era europeu, mas nos sofreu muito, ensinou-nos como fazer para superar os desencontros mais traumáticos.

Será, pois, pedir muito aos meios de comunicação social que, comunicando como devem e o que devem, em vez de acicatarem desordenadamente os ânimos guerreiros, comecem, já hoje, a preparar, com responsabilidade e comprometimento sério, um futuro de paz em que todos possamos caber?

Durante algum tempo, isso sucedeu com a pandemia.