Ao contrário das perspectivas optimistas que anunciaram no fim do milénio passado uma época de paz e prosperidade, que representaria o fim da História, este conturbado séc. XXI tem tido uma História dramática. Tivemos logo no seu início, a 11 de Setembro de 2001, o ataque da Al-Qaeda aos EUA, que os levou a desencadear uma guerra no Afeganistão, que derrubaria o governo dos talibãs.
Logo a seguir, em 2003 os EUA resolveram envolver-se numa guerra no Iraque, a pretexto da existência nesse país de armas de destruição maciça, que nunca foram encontradas. Em 2007 surge a crise do subprime americano que atira a partir do ano seguinte o mundo para uma crise financeira internacional gravíssima.
Também em 2008, a Rússia decide invadir a Geórgia, em apoio às regiões separatistas da Abecásia e da Ossétia do Sul. Em 2010 inicia-se a denominada Primavera Árabe, que leva a revoluções na Tunísia e no Egipto e a guerras civis na Líbia e na Síria. Em 2013, aproveitando a guerra civil na Síria e a fraqueza do regime no Iraque, o autodenominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) ocupa territórios nesses países.
Em 2014 a Rússia invade a Ucrânia, anexando a Crimeia e ocupando as regiões separatistas de Donetsk e Lugansk. Em Novembro de 2015, o ISIS desencadeia brutais ataques terroristas em Paris, levando a sua guerra ao coração da Europa. Em Dezembro de 2019 é descoberto um novo vírus num mercado chinês, levando a que uma pandemia mundial fosse declarada a partir de 11 de Março de 2020. E em Agosto de 2021, depois de uma debandada dos EUA, os talibãs regressam ao poder no Afeganistão.
Nenhum destes factos se compara, porém, em gravidade à actual invasão da Ucrânia pela Rússia, que constitui uma ilegítima e vergonhosa guerra de agressão praticada contra um país livre e soberano, ao arrepio de todas as regras do Direito Internacional, e que constitui a mais séria ameaça à segurança colectiva desde 1945. Neste momento, o que se está a assistir é à tentativa de derrube do governo democrático de um país vizinho, no intuito de lá colocar um governo fantoche, através de uma invasão militar em larga escala. E existe, ao mesmo tempo, uma ameaça a todo o mundo ao serem colocadas as armas nucleares russas no nível de prevenção.
Se esse precedente tiver sucesso, nunca se sabe o que se passará a seguir, o que leva a que legitimamente todos os países do leste da Europa se sintam em risco. Mas, já neste momento, toda a sociedade e a economia europeias estão a ser profundamente atingidas nesta guerra, não apenas em virtude dos milhões de refugiados de guerra que se dirigem a território europeu, mas também em consequência da enorme inflação, especialmente dos produtos energéticos, que esta guerra irá causar.
Neste âmbito, é importante provocar o isolamento internacional da Rússia e, depois de uma resposta inicial tímida, a pressão das opiniões públicas europeias, indignadas por esta guerra e solidárias com o sofrimento do povo ucraniano, já levou os diversos governos a aprovar sanções pesadas e efectivas. O problema das mesmas é que só são eficazes a médio e longo prazo, não tendo efeitos imediatos, até porque a Rússia se preparou para elas, antes de desencadear este ataque em larga escala contra a Ucrânia.
Tal demonstra o imperativo de a União Europeia reforçar a sua própria segurança militar. O novo isolacionismo americano, iniciado por Trump e continuado por Biden, demonstrou que os EUA já não querem ser o polícia do mundo e não estão disponíveis para intervenções militares externas. Por esse motivo é fundamental que a Europa cuide da sua própria segurança. Neste âmbito, é muito positivo o anúncio histórico do Chanceler Alemão, Olaf Schol, de que a Alemanha irá investir 100.000 milhões de euros, ou seja, mais de 2% do seu PIB na defesa. Espera-se que os restantes países europeus sigam o mesmo caminho e reforcem seriamente o seu investimento na defesa militar.
Neste momento, parece ter plena aplicação o que Antonio Gramsci disse no também conturbado séc. XX: “O velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer, e neste lusco-fusco surgem os monstros”. Não se pode por isso deixar os monstros à solta.