Do lado da constituição (IV)


Lendo o belo texto da Constituição, a maior parte dele redigido logo em 1976, poderemos concluir quão prescientes foram os nossos constituintes e como eles indicaram, ainda nesse tempo de divisão de blocos político-militares antagónicos, as soluções para a realização da paz por que a humanidade então ansiava.


Os dias que vivemos são tristes e não sabemos como acabarão.

Refiro-me, obviamente, à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, fenómeno terrível, que julgaríamos inconcebível, por superado, pelo menos no continente Europeu.

E, todavia, não é assim e apenas nos podemos empenhar agora em que a guerra não alastre, não perdure e não produza maiores tragédias humanas e materiais para os povos nela diretamente envolvidos.

Não deixa, contudo, de ser estranho – ou talvez não – a forma como sempre os nossos media preferem referir-se a esta calamidade.

Salientam sempre mais, e mais entusiasmadamente, as consequências que da guerra advirão para as economias dos beligerantes e, sobretudo, para as dos outros povos europeus, do que, propriamente, os terríveis efeitos que dela decorrerão para muitas famílias divididas dos países beligerantes, para as difíceis relações futuras entre os povos próximos envolvidos na refrega e para as que os mesmos desenvolverão, de seguida, com os outros povos europeus.

Ora, essa devia ser a preocupação principal, para que as cicatrizes e o manancial de ressentimentos, que sempre subjazem a qualquer guerra e envenenam a memória vindoura dos povos, possam de facto sarar e o horror do sangue inútil nela derramado não se volte a repetir.

«É a economia, estúpido!» – responderão alguns, sempre mais realistas e, por isso, menos românticos e atenciosos com o destino concreto dos homens.

Mas, ao deparar, chocado, com toda esta repetitiva e calculista abordagem noticiosa, provinda, quase sempre, das contas frias dos excitados analistas bélico-económicos, regressei, mesmo que inadvertidamente, à importância da nossa Constituição e aos ensinamentos humanistas dos nossos constituintes sobre as relações internacionais.

E é tão revigorante e didático revisitar o espírito lúcido e generoso que os motivou!

Disseram eles, então, e a nossa Constituição ainda o diz, no seu artigo 7.º:

«1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.

2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.

4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa.

5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da ação dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático e pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica, social e territorial, de um espaço de liberdade, segurança e justiça e a definição e execução de uma política externa, de segurança e de defesa comuns, convencionar o exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da União Europeia.»

Ora, lendo o belo texto deste artigo da Constituição, a maior parte dele redigido logo em 1976, poderemos concluir quão prescientes foram os nossos constituintes e como eles indicaram, ainda nesse tempo de divisão de blocos político-militares antagónicos, as soluções para a realização da paz por que a humanidade então ansiava.

Muitos anos passaram já: quarenta e seis, precisamente.

Entretanto, ocorreu o desaparecimento do bloco político de leste e o da sua aliança militar – o Pacto de Varsóvia – e, em todo o continente europeu, passou a vigorar um único sistema económico: a economia de mercado.

Todavia, nem assim foram dados passos firmes para, como preconiza a Constituição portuguesa, se proceder «…à dissolução dos blocos político-militares … e à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos». 

Pelo contrário, depois disso, o que ressaltou foi a emergência de atitudes irresponsáveis de escusada humilhação do outro e, fundamentalmente, a exploração de sentimentos de vingança, de ressentimento e de desconfiança entre os países que integravam – alguns integram, ainda – as velhas alianças político-militares.

Os resultados daí decorrentes – da falta de vontade de criar verdadeiras relações de paz e justiça entre os povos – estão agora à vista, com as trágicas consequências para os diretamente envolvidos na guerra, e não menos nefastos efeitos para os restantes europeus, designadamente os nossos concidadãos.

Portugal e os portugueses não estão isolados no mundo atual e têm, por isso, de assumir as responsabilidades a que se obrigaram, mas devem, sobretudo, reger-se, no seio das organizações internacionais que integram, e nas relações que desenvolvem com todos os outros povos, pelos princípios que a sua Constituição consagra.

É por isto que – insisto – seria, cívica e politicamente, importante teimar em divulgar entre nós os ensinamentos da tão clarividente e generosa Constituição portuguesa e, a partir deles, refletir e discutir serena, livre e conjuntamente com os mais jovens a realidade atual do país e do mundo.

Do lado da constituição (IV)


Lendo o belo texto da Constituição, a maior parte dele redigido logo em 1976, poderemos concluir quão prescientes foram os nossos constituintes e como eles indicaram, ainda nesse tempo de divisão de blocos político-militares antagónicos, as soluções para a realização da paz por que a humanidade então ansiava.


Os dias que vivemos são tristes e não sabemos como acabarão.

Refiro-me, obviamente, à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, fenómeno terrível, que julgaríamos inconcebível, por superado, pelo menos no continente Europeu.

E, todavia, não é assim e apenas nos podemos empenhar agora em que a guerra não alastre, não perdure e não produza maiores tragédias humanas e materiais para os povos nela diretamente envolvidos.

Não deixa, contudo, de ser estranho – ou talvez não – a forma como sempre os nossos media preferem referir-se a esta calamidade.

Salientam sempre mais, e mais entusiasmadamente, as consequências que da guerra advirão para as economias dos beligerantes e, sobretudo, para as dos outros povos europeus, do que, propriamente, os terríveis efeitos que dela decorrerão para muitas famílias divididas dos países beligerantes, para as difíceis relações futuras entre os povos próximos envolvidos na refrega e para as que os mesmos desenvolverão, de seguida, com os outros povos europeus.

Ora, essa devia ser a preocupação principal, para que as cicatrizes e o manancial de ressentimentos, que sempre subjazem a qualquer guerra e envenenam a memória vindoura dos povos, possam de facto sarar e o horror do sangue inútil nela derramado não se volte a repetir.

«É a economia, estúpido!» – responderão alguns, sempre mais realistas e, por isso, menos românticos e atenciosos com o destino concreto dos homens.

Mas, ao deparar, chocado, com toda esta repetitiva e calculista abordagem noticiosa, provinda, quase sempre, das contas frias dos excitados analistas bélico-económicos, regressei, mesmo que inadvertidamente, à importância da nossa Constituição e aos ensinamentos humanistas dos nossos constituintes sobre as relações internacionais.

E é tão revigorante e didático revisitar o espírito lúcido e generoso que os motivou!

Disseram eles, então, e a nossa Constituição ainda o diz, no seu artigo 7.º:

«1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.

2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.

4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa.

5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da ação dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático e pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica, social e territorial, de um espaço de liberdade, segurança e justiça e a definição e execução de uma política externa, de segurança e de defesa comuns, convencionar o exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da União Europeia.»

Ora, lendo o belo texto deste artigo da Constituição, a maior parte dele redigido logo em 1976, poderemos concluir quão prescientes foram os nossos constituintes e como eles indicaram, ainda nesse tempo de divisão de blocos político-militares antagónicos, as soluções para a realização da paz por que a humanidade então ansiava.

Muitos anos passaram já: quarenta e seis, precisamente.

Entretanto, ocorreu o desaparecimento do bloco político de leste e o da sua aliança militar – o Pacto de Varsóvia – e, em todo o continente europeu, passou a vigorar um único sistema económico: a economia de mercado.

Todavia, nem assim foram dados passos firmes para, como preconiza a Constituição portuguesa, se proceder «…à dissolução dos blocos político-militares … e à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos». 

Pelo contrário, depois disso, o que ressaltou foi a emergência de atitudes irresponsáveis de escusada humilhação do outro e, fundamentalmente, a exploração de sentimentos de vingança, de ressentimento e de desconfiança entre os países que integravam – alguns integram, ainda – as velhas alianças político-militares.

Os resultados daí decorrentes – da falta de vontade de criar verdadeiras relações de paz e justiça entre os povos – estão agora à vista, com as trágicas consequências para os diretamente envolvidos na guerra, e não menos nefastos efeitos para os restantes europeus, designadamente os nossos concidadãos.

Portugal e os portugueses não estão isolados no mundo atual e têm, por isso, de assumir as responsabilidades a que se obrigaram, mas devem, sobretudo, reger-se, no seio das organizações internacionais que integram, e nas relações que desenvolvem com todos os outros povos, pelos princípios que a sua Constituição consagra.

É por isto que – insisto – seria, cívica e politicamente, importante teimar em divulgar entre nós os ensinamentos da tão clarividente e generosa Constituição portuguesa e, a partir deles, refletir e discutir serena, livre e conjuntamente com os mais jovens a realidade atual do país e do mundo.