A desilusão do pardal


O céu estava taciturno, mas do outro lado do Sado brilhava uma erva tão verde que dava vontade de pastá-la. Há muitos, muitos anos, o meu pai ensinou-me que há sempre um poema para todas as alturas da vida e eu aprendi a recitá-los de cor. Manuel Bandeira também escreveu um poema para um pardal…


Esqueci-me. Apenas isso. A urgência do qwert distraíu-me da minha primeira função da manhã, quando abro a janela da varanda e espalho no parapeito grãos de arroz para os pássaros que fazem dela uma sala de jantar. Por que chamamos sala de jantar a uma sala onde, geralmente, também se almoça? Não sei.

“Há mais mistérios entre o céu e terra, Horácio, do que na sua vã filosofia”, já dizia o príncipe de Elsinore para o seu amigo. O pardal veio à procura da sua refeição aí pelo meio-dia. De repente olhei para fora do sótão e vi-o. Parecia confuso. Mas depois percebi que estava apenas desiludido. Deixei-o ficar mal e isso não se perdoa. Não sei se já viram a desilusão de um pardal, mas se não viram ainda bem, não é espetáculo que recomende.

Saltitou de um lado para o outro do parapeito, virou a cabeça de lado, espreitou daquela forma oblíqua como só os pássaros sabem espreitar e, despeitado, foi-se embora. Eu, que gosto de ter a varanda cheia de pássaros, culpei-me. E corri para o pacote do arroz carolino. Haverá quem se esteja nas tintas para a desilusão dos pardais. Dirão, à moda desse cronista maravilhoso que foi Nelson Rodrigues: “Ora, até aí morreu o Neves!” Pois. Mas neste caso o Neves estava vivo e de boa saúde, não havia necessidade de lhe recordar o aparecimento sempre pronto da Senhora da Gadanha.

O céu estava taciturno, mas do outro lado do Sado brilhava uma erva tão verde que dava vontade de pastá-la. Há muitos, muitos anos, o meu pai ensinou-me que há sempre um poema para todas as alturas da vida e eu aprendi a recitá-los de cor. Manuel Bandeira também escreveu um poema para um pardal desiludido.

Ia assim: “O pardalzinho nasceu/Livre. Quebraram-lhe a asa/Sacha lhe deu uma casa/Água, comida e carinhos/Foram cuidados em vão/A casa era uma prisão/O pardalzinho morreu/O corpo Sacha enterrou/No jardim; a alma, essa voou/ Para o céu dos passarinhos!” Na minha varanda, há arroz e não prisão. Mesmo que, de vez em quando, um pardal aprenda que desilusão é, simplesmente, o outro nome que a vida pode ter.

A desilusão do pardal


O céu estava taciturno, mas do outro lado do Sado brilhava uma erva tão verde que dava vontade de pastá-la. Há muitos, muitos anos, o meu pai ensinou-me que há sempre um poema para todas as alturas da vida e eu aprendi a recitá-los de cor. Manuel Bandeira também escreveu um poema para um pardal…


Esqueci-me. Apenas isso. A urgência do qwert distraíu-me da minha primeira função da manhã, quando abro a janela da varanda e espalho no parapeito grãos de arroz para os pássaros que fazem dela uma sala de jantar. Por que chamamos sala de jantar a uma sala onde, geralmente, também se almoça? Não sei.

“Há mais mistérios entre o céu e terra, Horácio, do que na sua vã filosofia”, já dizia o príncipe de Elsinore para o seu amigo. O pardal veio à procura da sua refeição aí pelo meio-dia. De repente olhei para fora do sótão e vi-o. Parecia confuso. Mas depois percebi que estava apenas desiludido. Deixei-o ficar mal e isso não se perdoa. Não sei se já viram a desilusão de um pardal, mas se não viram ainda bem, não é espetáculo que recomende.

Saltitou de um lado para o outro do parapeito, virou a cabeça de lado, espreitou daquela forma oblíqua como só os pássaros sabem espreitar e, despeitado, foi-se embora. Eu, que gosto de ter a varanda cheia de pássaros, culpei-me. E corri para o pacote do arroz carolino. Haverá quem se esteja nas tintas para a desilusão dos pardais. Dirão, à moda desse cronista maravilhoso que foi Nelson Rodrigues: “Ora, até aí morreu o Neves!” Pois. Mas neste caso o Neves estava vivo e de boa saúde, não havia necessidade de lhe recordar o aparecimento sempre pronto da Senhora da Gadanha.

O céu estava taciturno, mas do outro lado do Sado brilhava uma erva tão verde que dava vontade de pastá-la. Há muitos, muitos anos, o meu pai ensinou-me que há sempre um poema para todas as alturas da vida e eu aprendi a recitá-los de cor. Manuel Bandeira também escreveu um poema para um pardal desiludido.

Ia assim: “O pardalzinho nasceu/Livre. Quebraram-lhe a asa/Sacha lhe deu uma casa/Água, comida e carinhos/Foram cuidados em vão/A casa era uma prisão/O pardalzinho morreu/O corpo Sacha enterrou/No jardim; a alma, essa voou/ Para o céu dos passarinhos!” Na minha varanda, há arroz e não prisão. Mesmo que, de vez em quando, um pardal aprenda que desilusão é, simplesmente, o outro nome que a vida pode ter.