Era eu muito miúdo, talvez andasse no meu sexto ano de escolaridade e tive um Professor de História excepcional. Mesmo para quem se enfadasse com a disciplina, o que não era o meu caso, as aulas eram sempre interessantíssimas, didácticas e sobretudo cativantes.
O professor em causa tinha o condão de ensinar o passado das nações e do mundo, não como um revisionismo do que outrora havia acontecido, mas como um alerta de que a mesma se repete ciclicamente, mudando naturalmente os actores que a compõem, mas sendo a natureza humana, essa, imutável século após século.
Certo dia, recordo que perante a turma que tinha 26 alunos, o Professor Paulo perguntou-nos se achávamos que mais alguma vez a Europa se veria a braços com um grande conflito armado como haviam sido as invasões napoleónicas ou as grandes guerras mundiais. Em 26 alunos, fui o único que se apressou a asseverar que tinha a certeza que tal aconteceria. Nunca tinha visto tamanho alvoroço. Os meus colegas só não me chamaram maluco, numa agitação que contrastava com um silêncio perturbador do Professor Paulo.
No fim da aula perguntei-lhe se tinha feito mal em dizer o que disse. Respondeu-me que tinha feito mal em alertar os meus colegas para uma realidade que iria acontecer, mas que eles pura e simplesmente não estavam disponíveis para aceitar.
Chegámos a 2022 e ainda que eu adorasse ter falhado no meu vaticínio, acertei. A Rússia desencadeou o maior movimento militar jamais visto em solo europeu desde a II grande guerra, e muito honestamente, a Europa não pode continuar futuramente indisponível para aceitar, tal como a minha turma de então não aceitou, que o Mundo está em mudança e que a Ucrânia é apenas o tubo de ensaio para futuros conflitos bélicos de dimensão inimaginável.
Nessa medida, urge compreender que escaladas militares desta magnitude não se combatem com declarações de sanções económicas, sanções económicas essas que, arrisco dizer, mais prejudicarão os europeus que os próprios russos. Ou alguém pensa que Putin antes de entrar neste desvario não sabia de antemão que estas sanções lhe seriam aplicadas? Alguém acha que um homem como Putin pode ser combatido, vigiado ou controlado com sanções económicas? É demasiada ingenuidade.
Para lá da ingenuidade tivemos também momentos que roçaram o ridículo. Todas as romarias que assistimos dos supostos grandes líderes das outrora grandes potências europeias a Moscovo, onde Putin os fez descaradamente a todos de parvos, é mais uma perfeita ilustração da completa insignificância que a Europa tem hoje no tabuleiro de xadrez geopolítico.
Os grandes líderes europeus foram à Rússia implorar a Putin para que ficasse quietinho, mas não o fizeram apenas, e bem, por não quererem uma guerra em solo europeu ou com países europeus envolvidos. Fizeram-no porque para lá de não quererem a guerra, repito, e bem, sabem que mesmo que ela venha a sério, a Europa não tem quaisquer condições militares para a enfrentar, coisa que Putin já farejou, portanto, está-se a marimbar para a Europa.
Desde alguns anos a esta parte que o venho defendendo e repito-o novamente. Tem que ser criado um exército europeu. Não a manta de retalhos que hoje temos em que cada país tem meia dúzia de instrumentos militares maioritariamente ultrapassados e um número de contingentes em prontidão que pelo seu reduzido número, mesmo todos somados, pouco podem garantir contra loucos como Putin.
Os grandes blocos políticos parecem hoje ter em muitos momentos, lógicas e dinâmicas muito distantes dos critérios de alianças e de guerras tradicionais. A Europa tem de acompanhar a evolução do Mundo.
Hoje é na Ucrânia. Nada nos garante que daqui a meia dúzia de anos, Putin, Xi Jinping ou qualquer outro lunático descompensado possa acordar maldisposto e aventurar-se numa qualquer ofensiva que coloque o mundo como o conhecemos em total desmoronamento.
Ter um exército pronto a actuar não significa que a sua existência assente num ímpeto de conquista e opressão de outros povos. Mas significa que quando esses mesmos outros povos esticarem a corda mais do que devem, ao olharem pela janela percebem que quem está do outro lado tem com que responder. Faz lembrar a Guerra Fria? Faz! Mas para futuro é assim que tem de ser. Infelizmente só se consegue conter um espírito bélico crescente com uma capacidade bélica igualmente grande.
É contraditório e difícil de compreender. É! Mas a vida nem sempre é aquilo que gostaríamos que fosse e passa a ser aquilo que nos é imposto que seja.
O que a Europa não pode ser é este cemitério de um passado glorioso sem qualquer operatividade prática actual quando é necessário enfrentar uma ameaça. A Europa faz hoje lembrar aquelas pessoas que tiveram um quinto ou sexto avô muito importante, influente, rico e que lhes deixou um nome de família muito pomposo, e que passados cem, duzentos ou trezentos anos da morte desse avô, essas pessoas continuam a viver à custa do que ele foi, do que fez e do nome que lhes deixou, sem que na verdade não passem de uns falidos, sem qualquer prestígio e dignidade própria, circunstância que lhes retira qualquer capacidade de adequação ao tempo e condição em que vivem.
Não pode ser.
Ou isto muda ou um dia vai mesmo acabar mal. E depois experimentem lá responder com sanções disto e daquilo a ver onde vamos todos parar. Para já, infelizmente, é o que temos. As minhas orações estão com o povo ucraniano.