O Tribunal esquecido


A ausência de recurso ao Tribunal Constitucional é preocupante para a nossa fiscalização da constitucionalidade, que deve ser reforçada para se evitar que a Constituição deixe de ser cumprida.


O Tribunal Constitucional possui uma importância fundamental no nosso sistema jurídico, uma vez que decide em última instância sobre as questões de constitucionalidade que sejam suscitadas em processos concretos (art. 280º da Constituição), como também pode proceder à fiscalização da constitucionalidade de quaisquer normas de forma abstracta (art. 281º, nº1, da Constituição). Têm legitimidade para requerer a fiscalização da constitucionalidade de forma abstracta o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, a Provedora de Justiça, a Procuradora-Geral da República ou um décimo dos Deputados à Assembleia da República (art. 281º, nº2, da Constituição).

A pandemia da covid-19 justificaria naturalmente que se tivesse desencadeado a intervenção do Tribunal Constitucional em imensas situações, face à muito duvidosa cobertura constitucional das medidas tomadas pelo Governo, através de resoluções do Conselho de Ministros que restringiram ou mesmo suspenderam direitos constitucionais, fora de um estado de emergência. Na verdade, a Constituição apenas admite a suspensão dos direitos fundamentais em caso de estado de sítio e de estado de emergência (art. 19º da Constituição) e só permite a restrição dos direitos, liberdades e garantias por lei do Parlamento ou decreto-lei do Governo por este autorizado (arts. 18º e 165º, nº1, b) da Constituição). 

Perante a manifesta inconstitucionalidade dessas resoluções do Conselho de Ministros, seria de esperar que as diversas entidades com competência para desencadear a fiscalização da constitucionalidade a tivessem solicitado ao Tribunal Constitucional, mas isso nunca aconteceu. Apenas, em virtude de ter havido advogados que, em defesa dos seus constituintes, apresentaram “habeas corpus” contra a privação da liberdade a que estes eram sujeitos, o Tribunal Constitucional foi chamado a intervir e, através do acórdão 424/2020, confirmou serem inconstitucionais todas as restrições aos direitos fundamentais que não resultem de lei do Parlamento ou de decreto-lei por este autorizado. A mesma posição foi reiterada pelo Tribunal Constitucional no acórdão 88/2022 relativamente à obrigação de confinamento de turmas de alunos e no acórdão 90/2022 em relação à obrigação de confinamento dos viajantes do estrangeiro, ambas instituídas por resoluções do Conselho de Ministros. Tal demonstra, para quem tivesse dúvidas, que todo o quadro jurídico em que o Governo se baseou para estabelecer as medidas de combate à pandemia era inconstitucional e que se permitiu assim que o país vivesse tantos meses à margem da sua Constituição, esquecendo o Tribunal Constitucional.

O Tribunal Constitucional foi também esquecido a propósito deste escandaloso episódio do voto dos emigrantes, em que partidos políticos fizeram acordos sobre a contagem dos votos à margem da lei eleitoral, o que conduziu à anulação de 80% desses votos, tendo o Presidente da República declarado que, apesar disso, a posse do Parlamento e do Governo ocorreriam nas datas previstas. Mais uma vez todos se esqueceram que era ao Tribunal Constitucional que competia decidir, tendo este, através do Acórdão 133/2022, de 15 de Fevereiro, mandado repetir as eleições no círculo da Europa, a única forma de devolver credibilidade à eleição para o Parlamento.

A ausência de recurso ao Tribunal Constitucional é preocupante para a nossa fiscalização da constitucionalidade, que deve ser reforçada para se evitar que a Constituição deixe de ser cumprida. É por isso que temos vindo a defender que deve ser dada à Ordem dos Advogados a competência para desencadear a fiscalização da constitucionalidade das leis, à semelhança do que acontece no Brasil, com o que se evitaria situações como a que temos vivido em que surgem medidas claramente inconstitucionais, sem que ninguém requeira a fiscalização da sua constitucionalidade. E é também necessário instituir o denominado recurso de amparo, em ordem a permitir aos cidadãos recorrer directamente ao Tribunal Constitucional em caso de violação dos seus direitos fundamentais, evitando assim que a intervenção do Tribunal Constitucional apenas ocorra em última instância. Apenas desta forma se garantirá que as violações da Constituição a que se tem assistido nos últimos tempos não se voltarão a repetir.

O Tribunal esquecido


A ausência de recurso ao Tribunal Constitucional é preocupante para a nossa fiscalização da constitucionalidade, que deve ser reforçada para se evitar que a Constituição deixe de ser cumprida.


O Tribunal Constitucional possui uma importância fundamental no nosso sistema jurídico, uma vez que decide em última instância sobre as questões de constitucionalidade que sejam suscitadas em processos concretos (art. 280º da Constituição), como também pode proceder à fiscalização da constitucionalidade de quaisquer normas de forma abstracta (art. 281º, nº1, da Constituição). Têm legitimidade para requerer a fiscalização da constitucionalidade de forma abstracta o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, a Provedora de Justiça, a Procuradora-Geral da República ou um décimo dos Deputados à Assembleia da República (art. 281º, nº2, da Constituição).

A pandemia da covid-19 justificaria naturalmente que se tivesse desencadeado a intervenção do Tribunal Constitucional em imensas situações, face à muito duvidosa cobertura constitucional das medidas tomadas pelo Governo, através de resoluções do Conselho de Ministros que restringiram ou mesmo suspenderam direitos constitucionais, fora de um estado de emergência. Na verdade, a Constituição apenas admite a suspensão dos direitos fundamentais em caso de estado de sítio e de estado de emergência (art. 19º da Constituição) e só permite a restrição dos direitos, liberdades e garantias por lei do Parlamento ou decreto-lei do Governo por este autorizado (arts. 18º e 165º, nº1, b) da Constituição). 

Perante a manifesta inconstitucionalidade dessas resoluções do Conselho de Ministros, seria de esperar que as diversas entidades com competência para desencadear a fiscalização da constitucionalidade a tivessem solicitado ao Tribunal Constitucional, mas isso nunca aconteceu. Apenas, em virtude de ter havido advogados que, em defesa dos seus constituintes, apresentaram “habeas corpus” contra a privação da liberdade a que estes eram sujeitos, o Tribunal Constitucional foi chamado a intervir e, através do acórdão 424/2020, confirmou serem inconstitucionais todas as restrições aos direitos fundamentais que não resultem de lei do Parlamento ou de decreto-lei por este autorizado. A mesma posição foi reiterada pelo Tribunal Constitucional no acórdão 88/2022 relativamente à obrigação de confinamento de turmas de alunos e no acórdão 90/2022 em relação à obrigação de confinamento dos viajantes do estrangeiro, ambas instituídas por resoluções do Conselho de Ministros. Tal demonstra, para quem tivesse dúvidas, que todo o quadro jurídico em que o Governo se baseou para estabelecer as medidas de combate à pandemia era inconstitucional e que se permitiu assim que o país vivesse tantos meses à margem da sua Constituição, esquecendo o Tribunal Constitucional.

O Tribunal Constitucional foi também esquecido a propósito deste escandaloso episódio do voto dos emigrantes, em que partidos políticos fizeram acordos sobre a contagem dos votos à margem da lei eleitoral, o que conduziu à anulação de 80% desses votos, tendo o Presidente da República declarado que, apesar disso, a posse do Parlamento e do Governo ocorreriam nas datas previstas. Mais uma vez todos se esqueceram que era ao Tribunal Constitucional que competia decidir, tendo este, através do Acórdão 133/2022, de 15 de Fevereiro, mandado repetir as eleições no círculo da Europa, a única forma de devolver credibilidade à eleição para o Parlamento.

A ausência de recurso ao Tribunal Constitucional é preocupante para a nossa fiscalização da constitucionalidade, que deve ser reforçada para se evitar que a Constituição deixe de ser cumprida. É por isso que temos vindo a defender que deve ser dada à Ordem dos Advogados a competência para desencadear a fiscalização da constitucionalidade das leis, à semelhança do que acontece no Brasil, com o que se evitaria situações como a que temos vivido em que surgem medidas claramente inconstitucionais, sem que ninguém requeira a fiscalização da sua constitucionalidade. E é também necessário instituir o denominado recurso de amparo, em ordem a permitir aos cidadãos recorrer directamente ao Tribunal Constitucional em caso de violação dos seus direitos fundamentais, evitando assim que a intervenção do Tribunal Constitucional apenas ocorra em última instância. Apenas desta forma se garantirá que as violações da Constituição a que se tem assistido nos últimos tempos não se voltarão a repetir.