Robert Vergne, um dos grandes nomes da France Football, escreveu: “O Benfica, por si só, conferiu ao Torneio de Paris o nível que ele está obrigado a assegurar!”
No ano anterior, os encarnados tinham regressado a Lisboa com a taça. Duas vitórias: uma perante a Selecção Olímpica do Brasil (2-0), outra sobre o Estrela Vermelha de Belgrado (4-0). Sem espinhas.
Desta vez, as coisas nem correram por aí além, afastados da final pelo Standard Liège depois de um empate (1-1) e grandes penalidades (4-5). Curiosamente, o penálti decisivo dos belgas foi apontado por Norton de Matos, que tinha jogado no Benfica. Já Preud’homme defendeu o remate de Shéu. Quanto ao golo português, teve lugar à passagem do minuto 20. Autor? Nené, pois claro!
Tamagnini Manuel Gomes Baptista sempre foi um avançado diferente. Na brincadeira, a populaça que frequentava a Luz dizia que ele não sujava os calções. E ele, um dia, numa entrevista, irritado: “Um destes dias entro em campo com os calções sujos!” Ora, para quê? Não se lhe exigiam movimentos brutos, lances de imposição física. Sempre foi mais do estilo de quem ia a passar e, já que ali estava, marcava um golo. Nesta tarde de que vos falo, defrontando o Ajax para o terceiro e quarto lugares do sempre orgulhoso Tournoi de Paris, o Benfica marcou cinco golos e venceu por 5-1.
Nené assinou todos os cinco!
Nas touradas anunciar-se-ia: “Cinco-Golos-Cinco! Cinco golos do Benfica; cinco golos de Nené”. Há que convir que não é proeza que se assine todos os dias. O jogo não foi oficial, é verdade, mas contava para um dos mais prestigiados torneios internacionais.
Lembram-se do poema de Rafael Alberti? “Negro touro saudoso de feridas/ Chifrando-lhe à água azul suas paisagens/ E revisando cartas e equipagens/ Aos trens que partem rumo das corridas”.
Pois era assim o Ajax. Não negro, mas com as mágicas camisolas brancas da risca única vermelha. Um vermelho de sangue, nessa tarde de Paris. “Nostálgico de um homem com espada/ De sangue femoral, gangrena feia/ Já ninguém há de deter-te o passo forte”.
O homem com espada era Nené!
Foi lindo! Imparável Nené, brandindo a espada dos golos:18, 36, 63, 65 e 76 minutos. Os minutos de Nené!
O primeiro golo começou num livre de Carlos Manuel. Bola impecavelmente colocada na cabeça do homem sem contemplações. O segundo veio de um passe de Humberto para as costas da defesa. Como gostava Nené desses lances… O terceiro foi totalmente de Carlos Manuel, que desatou a fintar adversários até dar a bola para o lado. O quarto e o quinto pareceram repetições do segundo.
Piet Schrijvers, aquele guarda-redes ligeiramente arredondado que esteve nos Mundiais de 1974 e 1978, andava com a cabeça num sino. Que diabo! O assassino silencioso marcou-lhe golos de todas as maneiras e feitios: dois deles fantásticos de oportunidade, a desferir aqueles pontapés em arco que deixavam qualquer keeper sem resposta. Nené era assim mesmo: com o desplante de um rapaz que andasse às papoilas num campo de gipsofila.
A dose podia ter sido mais bruta se o árbitro francês Riffaud não tivesse anulado um golo ao avançado do Benfica, aos 44 minutos, num movimento em que Reinaldo foi considerado impedido a despeito de não ter participado no lance.
Se o meio-campo do Ajax, com Lerby (reduziu para 1-5 aos 87 minutos), Arnesen e Tahamata, ainda se afirmou com classe, a defesa nunca se entendeu com a marcação ao endemoninhado Tamagnini. Jensen, o capitão, via-o passar como se estivesse a ver passar comboios. E Nené ia, ia e marcava golos.
No fim, como que pediu desculpa: “Eles resolveram jogar no fora-de-jogo. Foi o melhor que me podia acontecer. Aproveitei o espaço”. Rabos e orelhas no Parque dos Príncipes.